Um polvo miudinho, menor que a palma da mão, conhecido como polvo-pigmeu ou polvo-pigmeu do Brasil (Paroctopus cthulu) caiu na rede de pescadores cariocas, ontem (6), na Baía da Guanabara, próximo à Ilha do Governador.
O acontecimento raro – o mais comum nessa região são aparições de indivíduos da espécie em praias – foi registrado pela equipe da Expedição Águas Urbanas do Instituto Mar Urbano. “Esta é a primeira vez que um serzinho dessa espécie é visto e registrado no meio das águas da Baía”, diz o documentarista Ricardo Gomes no Instagram do instituto do qual é fundador e diretor (a foto acima é uma reprodução do vídeo que você pode assistir no final deste post).
Mas a notícia – que é muito boa pelo ineditismo e pela oportunidade de vermos um polvo tão diminuto em movimento -, também revela uma realidade muito triste.
Polvo-lixo?
A pesquisadora Tatiana Leite – que estuda polvos há 25 anos e é uma das cientistas que descreveu a espécie em 2021 (veja aqui) – chama a atenção para o fato de que “é chocante o polvo-pigmeu ser encontrado na Baía da Guanabara, tão poluída. Talvez tenha descoberto uma área mais limpa”.
Tatiana é professora doutora do LAMACE – Laboratório de Métodos de Estudos Subaquáticos e Cefalópodes, do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do Projeto Cephalopoda.
A cientista ainda destaca que todos os indivíduos dessa espécie – até agora, endêmica do Brasil: vive no litoral de Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro (veja no mapa ao lado) – sempre estavam no meio de lixo. “O polvo-pigmeu usa resíduos como esconderijo e proteção, por isso, ele também é conhecido como polvo-lixo”. Que tristeza!
“O polvinho, até então só visto na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, deve ter se adaptado a localizar lixo na Baía da Guanabara como sendo seu habitat no lugar das conchas naturais, que seria o esperado”, comentou Ricardo Gomes no post de divulgação do vídeo (assista no final deste post).
Mas não é só no mar que ele é visto nessa situação deprimente. “O pessoal da limpeza em praias de Santa Catarina já viu polvinhos saindo dos lixos recolhidos”, conta Tatiana.
Pois é, eis mais um impacto humano que altera e define o comportamento deste pequeno molusco: o hábito secular de levarmos pra casa as conchas que encontramos na praia, mas que deveriam ser mantidas ali para servir de toca e abrigo para seres como o polvo-pigmeu. Sem elas, esses e outros pequenos seres usam copos de plástico, garrafas, embalagens de alumínio…
E Gomes completa: “Difícil de ser visto e ainda mais filmado, ele mostra que tem um jogo de cintura danado no seu balé de tentáculos, dando um jeito de se adaptar às mais diferentes condições das águas fluminenses”.
O artigo assinado por Tatiana Leite e colegas cientistas e publicado na plataforma Research Square indica a gravidade dessa questão no título – Uma nova espécie de Paroctopus pigmeu (Cephalopoda: Octopodidae): o menor polvo do sudoeste do Atlântico, encontrado em detritos marinhos – e no texto:
“A descrição desta nova espécie – vivendo em habitat alterado por humanos, detritos em águas rasas ao largo do Brasil -, ofereceu uma oportunidade não apenas para avaliar a relação entre os pequenos polvos do Atlântico ocidental, Caribe e Pacífico oriental, mas também sua adaptação ao período do Antropoceno”.
Conchas de volta ao mar
Tatiana ainda revelou que quer fazer uma campanha para que as pessoas – em especial as crianças – devolvam conchas ao mar, usando o polvo-pigmeu como símbolo.
Não foi à toa que esse ser tão lindinho apareceu na rede do pescador, foi visto e salvo por ele, num momento em que a equipe do Instituto Mar Urbano fazia sua Expedição Águas Urbanas pela Baía de Guanabara.
“A intenção é ir às escolas para pedir para as crianças levarem as conchas que encontrarem em casa de volta ao mar. “Elas ficam muito impactadas com os polvo-pigmeu. A criançada se amarra no bichinho”.
Como Tatiana mora em Santa Catarina, inicialmente sua ideia se limita a fazer ações nas praias desse litoral. Mas o polvinho que nos ajudou a refletir sobre essa questão é carioca. Seria ótimo, então, que a campanha se estendesse até lá, passando por São Paulo. Afinal os três estados abrigam a espécie.
Mais: a campanha poderia ser realizada em nível nacional porque colecionadores de conchas estão por toda a costa brasileira. E, mesmo que o povo-pigmeu não viva em todo o litoral, é muito encantador e, como ele, há outros tantos animais – como pequenos caranguejos, por exemplo -, que adotam o mesmo hábito de usar o lixo como toca devido à falta de conchas.
Está lançada a ideia! O ano que vem, pode ser o ano da devolução de conchas por todo o Brasil. O que é da natureza, deve lá ficar. E, independente da campanha, qualquer brasileiro que vive no litoral pode iniciar essa campanha sozinho agora e influenciar todos à sua volta.
A seguir, assista ao polvo-pigmeu no momento em que é tirado da rede de pesca e registrado pela equipe do Instituto Mar Urbano em seu “balé de tentáculos”, como definiu Ricardo Gomes.
Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Instituto Mar Urbano (@institutomarurbano)
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Foto (destaque): reprodução de vídeo