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Fazenda em Alta Floresta é nova reserva de proteção do MT e impulsiona turismo de observação de vida selvagem

Fazenda em Alta Floresta é nova reserva de proteção do MT e impulsiona turismo de observação de vida selvagem

Em qualquer momento histórico do Brasil, esta notícia seria digna de celebração. Mas, neste mês de setembro, em que se destacam os dias da Amazônia e da Árvore, ao mesmo tempo em que 60% da vegetação do país já foi queimada por incêndios – a maioria, criminosos -, o fato ganha significado ainda mais especial . 

Após dez anos sem a criação de uma unidade de conservação na Amazônia matogrossense, no início deste mês foi oficialmente lançada a Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN Fazenda Anacã, nas proximidades do município de Alta Floresta, no norte do estado. 

Ocupando 17,8 hectares (o equivalente a 178 mil m2), a área (Fazenda Anacã) foi adquirida pelo proprietário rural Fernão Prado e família em 2019, já visando transformá-la em RPPN e ampliar projetos de conservação relacionados ao turismo.

Juntas, essa área verde e outra fazenda (adquirida em 2014) ajudaram a incrementar um novo modelo de negócio, que associa pecuária e ecoturismo. Um ótimo exemplo para a região.

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O lançamento da nova unidade de conservação federal – RPPN Fazenda Anacã – aconteceu no Dia da Amazônia (5), com a presença de Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama, que acompanhou Prado numa “saída a campo” para conhecer de perto a área verde e compreender melhor sua potência. 

Fazenda em Alta Floresta é nova reserva de proteção do MT e impulsiona turismo de observação de vida selvagem
A riqueza da Floresta Amazônica está presente na RPPN – Fazenda Anacã
Foto: Fernão Prado/divulgação

Mas o decreto que garantiria à essa terra o direito à proteção perpétua, além do status de integrante de uma rede de reservas naturais particulares federais do Brasil foi assinado pelo ICMBIO (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) mais de três meses antes: em 21 de maio. 

Birdwatching e conscientização ecológica

Fernão Prado nasceu em Jaú e, quando tinha três anos, seu pai comprou uma propriedade em Alta Floresta, o que lhe rendeu muitos momentos da infância e da adolescência na região – convivendo com a criação de gado -, até que se mudou para São Paulo para se formar em Design Gráfico.

Tornou-se fotógrafo e trabalhou com moda, arquitetura e publicidade, mas sua paixão era a fotografia de natureza (algumas imagens que ilustram esta reportagem são de sua autoria, como a da abertura; em seu perfil, no Instagram, ele mostra mais detalhes das belezas da fazenda).

Viveu na capital paulista até 2013, quando conheceu o universo do birdwatching e decidiu viver em Alta Floresta com o intuito de desenvolver um projeto de turismo com base na observação da vida selvagem na propriedade de sua família. 

“Vislumbrei a possibilidade de implantar o ecoturismo na região e não pensei duas vezes”, conta ele. “Em 2014, viemos – eu e minha namorada, hoje minha esposa – com um propósito muito definido: cravar uma bandeira de conscientização ecológica”. E acrescenta: “Eu queria mostrar que é possível conciliar pecuária e conservação, levantando a bandeira do turismo consciente na região”. 

Como o local onde ele queria desenvolver o projeto era uma fazenda de criação de gado, foi natural ele se envolver com a atividade. “E isso foi muito importante pra mim porque me trouxe conhecimento e porque tenho a intenção de mostrar um novo caminho para as pessoas que atuam nessa área. Atuar com pecuária me tornou respeitado na região, me abriu caminhos”. 

“Turismo é uma grande ferramenta de conservação”

A decisão de comprar grande parte da propriedade de um vizinho foi tomada em 2019, quando Prado viu que ele pretendia desmatá-la. “Eu o vi desmatando e consegui convencê-lo a parar. Ele tinha 10 alqueires e eu consegui comprar sete alqueires (o equivalente a 3,63 hectares). O que eu não comprei, ele desmatou, infelizmente”. 

Essa era uma área imprescindível para a conexão da vegetação da propriedade da família com a de outro vizinho, que também é adepto da preservação.

“Perder essa conexão ia ser um grande abalo para o ecossistema”, explica o empresário. “A ideia era conservá-la – já pensávamos em transformá-la numa RPPN – e, como já tínhamos atividades de turismo em nossa propriedade, essa aquisição tornou possível ampliá-la”. 

Prado salienta que a área comprada em 2019 foi a segunda propriedade adquirida por ele e pela família, que se chamava Fazenda Anacã. Agora, as duas compõem a RPPN – Fazenda Anacã. “A outra fazenda, que já tínhamos, anteriormente, não é RPPN, mas como não há divisa entre elas, parece uma área só”.

“Estamos transformando toda a área verde da fazenda em um grande corredor ecológico que também conecta significativas áreas de remanescentes florestais” [fragmentos ricos em espécies de aves, mamíferos e plantas da Amazônia] localizados no entorno da área urbana. 

“É uma ação micro que tem um efeito macro. Estamos indo muito além da legislação! Não apenas reflorestando APPs [Áreas de Preservação Permanente], mas reconectando os fragmentos que, ao longo dos anos, antes da nossa administração, foram desconectados pelo desmatamento e pela implantação de pasto”. 

Prado conta que, dentro da Anacã, havia dois fragmentos de vegetação, desconectados, que mantinha os animais separados. Com a aquisição da terra e a criação do corredor ecológico, os dois fragmentos foram reconectados e todas as espécies que ocorrem ali passaram a circular por ele. 

“A bicharada estava isolada! O que fizemos foi aumentar sua área de circulação. A gente já viu anta cruzando, tamanduá-bandeira, jaguatirica, tamanduá-mirim. Também já vimos primatas cruzando: macaco-aranha, mico de Schneider, zogue-zogue!”, celebra. 

Isso sem falar na quantidade e variedade de aves que circula por ali! É assim, na prática, que o proprietário rural está mostrando aos moradores da região a riqueza natural que precisa ser preservada e favorece o ecoturismo, que, como ele destaca em suas declarações – inclusive na cerimônia de lançamento da RPPN – é uma ferramenta importantíssima em termos econômicos, sociais e, principalmente, ambientais. 

Fazenda em Alta Floresta é nova reserva de proteção do MT e impulsiona turismo de observação de vida selvagem
Turistas observam aves na plataforma construída para esse fim, que aparece
em foto aérea, feita com drone, na abertura desta reportagem
Foto: Fernão Prado/divulgação

“Não fosse o turismo, a RPPN – Fazenda Anacã não existiria. A importância [da criação desta UC] é mostrar a força do turismo como ferramenta de conservação. E a RPPN é muito simbólica porque está numa área periurbana”.

Prado destaca que acredita na conservação, na preservação e na regeneração florestais a partir da rentabilidade econômica. “Não adianta a gente falar que gosta da natureza. A gente tem que agir e eu vejo que o turismo é um grande caminho nesse sentido. Além disso, hoje, a gente vive numa sociedade que se desconectou totalmente da natureza. É só ver as crianças que vivem grudadas nas telas! Então, pra mim, o turismo também é uma ferramenta que impulsiona a reconexão das pessoas com o meio ambiente”. 

Zogue-zogue-de-alta-floresta: símbolo do município

Como Fernão Prado contou, a aquisição da fazenda e a criação do corredor ecológico já estão transformando a paisagem local, deixando-a mais bonita e mais povoada, “desenhando” o cenário perfeito para o incremento do turismo de observação de vida selvagem, como ele sonhava.

Fazenda em Alta Floresta é nova reserva de proteção do MT e impulsiona turismo de observação de vida selvagem
A coruja Murucututu ou murucutu possui hábitos noturnos e ocorre desde o sul do México,
passando por toda América Central até o sudeste do Brasil
Foto: Kacau Oliveira/divulgação

Por ali – além de uma grande diversidade de aves – circulam iraras, catetos, veados-mateiros, tamanduás-mirim, quatis, antas, gambás e jaguatiricas. E os primatas são um capítulo à parte, sendo possível avistar indivíduos de diversas espécies, como o mico de schinaider (Mico schneideri, na foto abaixo), o bugio (Alouatta puruensis), o macaco-prego (Sapajus apella), o macaco- da-noite (Aotus infulatus) e o macaco-aranha-de-cara-preta (Ateles chamek).

Fazenda em Alta Floresta é nova reserva de proteção do MT e impulsiona turismo de observação de vida selvagem
Este é o mico-de-schineider (Mico schneideri), também conhecido como sagui-de-schneider, que habita a RPPN. Trata-se de uma espécie endêmica do Mato Grosso, que ocorre
apenas na floresta amazônica desse estado, entre os rios Juruena e Teles Pires
Foto: Kacau Oliveira/divulgação

Mas há ainda uma espécie também endêmica do Mato Grosso, que se tornou símbolo de Alta Floresta e foi avistada, pela primeira vez em 2012, “em matas vizinhas ao município, perto da divisa do estado com o Pará” (Revista Pesquisa Fapesp).

É o macaco zogue-zogue (Plecturocebus grovesi – o nome cientifico é uma homenagem ao professor britânico Colin Groves, uma das maiores autoridades mundiais em taxonomia de primatas do mundo), descoberto e descrito por cientistas somente em 2019, na revista científica Molecular Phylogenetics and Evolution e reproduzido na Science Alert  (Sobre uma nova espécie de macaco titi, de Alta Floresta, sul da Amazônia, Brasil).

“De imediato, o que nos chamou a atenção foi sua cauda toda preta, não comum em macacos zogue-zogue da região sul e sudeste da Amazônia”, explicou [à Revista Pesquisa Fapesp] o primatólogo brasileiro Jean Boubli, da Universidade de Salford, no Reino Unido, autor principal do artigo científico (com pesquisadores de dez institutos e/ou universidades do Brasil e EUA).

“O aspecto geral da coloração do dorso, com as costas em tons avermelhados, e da pelagem da face também nos despertou o interesse”, acrescentou.

Fazenda em Alta Floresta é nova reserva de proteção do MT e impulsiona turismo de observação de vida selvagem
O zogue-zogue-de-alta-floresta, símbolo do município, foi descoberto por pesquisadores,
batizado (nome popular e científico) e descrito em artigo científico em 2019
Foto: Fernão Prado/divulgação

No artigo, os cientistas já o chamaram popularmente como ‘zogue-zogue-de-alta-floresta’, pois, foi lá que o encontraram, numa região delicada do MT que faz parte do chamado Arco do Desmatamento (500 mil km² de terras que vão do leste e sul do Pará em direção a oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre), no qual o desflorestamento é de grande impacto.

“Foi surpreendente termos descoberto uma espécie nova de macaco perto de zonas urbanas e de Alta Floresta, um lugar de fácil acesso e que já foi visitado por muitos pesquisadores”, salientou Boubli.

E Fernão Prado enfatiza: “Já ouvi algumas pessoas ponderando que o zogue-zogue não ocorre só em Alta Floresta. Sim! Porque pra bicho não existe divisa. Mas o nome dado pelos cientistas é uma homenagem ao lugar onde ele foi visto e identificado pela primeira vez, como acontece com vários outros animais”. 

Para ele, a consolidação desse nome é muito importante para a valorização da região, a sensibilização da comunidade – “é muito maior!” – e, consequentemente, para a preservação da espécie

A presença do zogue-zogue-de-alta-floresta já é motivo de orgulho para os moradores do município, o que também contribui para a conscientização sobre sua importância para o ecossistema e a participação ativa de todos em sua proteção. Logo, logo, ele deve se tornar um dos animais mais desejados de avistar pelos turistas

Em tempo, saiba que a flora também faz parte desse roteiro de observação na RPPN – Fazenda Anacã, com destaque para os buritizais, as helicônias, os cipós, as seringueiras, um grande cajueiro e o centenário angelim-pedra, que você pode ver na foto abaixo.

Fazenda em Alta Floresta é nova reserva de proteção do MT e impulsiona turismo de observação de vida selvagem
O centenário angelim-pedra, espécie ameaçada pela voracidade da construção civil
e naval e pela produção de móveis e de instrumentos musicais
Foto: Fernão Prado
/divulgação

Caçador de RPPNs

“Sem o turismo, a RPPN – Fazenda Anacã não existiria”, enfatizou Fernão Prado, como destaquei nesta reportagem. Sem boas parcerias, também não! E ele contou com gente muito bacana para realizar esta empreitada, a começar por Vitória da Riva Carvalho.

Idealizadora do belíssimo e premiado hotel Cristalino Lodge localizado na primeira RPPN do norte do Mato Grosso (1997), conhecida como ‘santuário amazônico’ – e presidente da Fundação Ecológica Cristalino, Vitória é uma das representantes da sociedade civil no Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema), em Alta Floresta, órgão onde nasceu o programa de incentivo à criação de RPPNs da cidade. 

A ideia inicial do programa contemplava a elaboração de uma lei municipal para torná-lo viável. Foi quando Vitória procurou Laércio Machado de Sousa, coordenador técnico de Reservas Privadas da Funatura – Fundação Pró-Natureza – apelidado de ‘Caçador de RPPNs’ -, que indicou outro caminho: viabilizar o programa com a parceria do governo federal, por intermédio do ICMBio

Assim, a convite da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMA) – e com o apoio de Prado, que garantiu estadia e alimentação em sua pousada na fazenda -, Sousa viajou à Alta Floresta para se encontrar com proprietários rurais a fim de fomentar a criação de RPPNs na região. 

“Ele veio explicar como funciona o processo, porque transformar a propriedade em reserva de proteção é bom para todos e para a cidade, tirar dúvidas…”, contou o pecuarista ambientalista. “E, por recebê-lo em nossa pousada, tive o privilégio de conviver mais tempo com ele – meu pai também – e agilizar o processo da nossa RPPN”.

Prado explica: “Ele cuidou de tudo, de toda a documentação, sem cobrar nada: tudo foi pago pela fundação [que tem essa e outras missões em prol do meio ambiente]. Eu encaminhava o que ele pedia e ele me mantinha a par dos procedimentos, me orientava sobre os próximos passos, sobre a reunião com o ICMBio local, orientou o engenheiro florestal sobre como fazer o mapa…”.

Do início ao fim, o processo para a criação da RPPN – Fazenda Anacã durou menos de seis meses. Certamente, não foi à toa que ele ganhou o apelido de ‘Caçador de RPPNs’. “E, agora, Laércio está me ensinando a desenvolver o plano de manejo”.

Assim, a mais nova RPPN do Mato Grosso e primeira de Alta Floresta em uma década, é fruto do empenho dos gestores da propriedade no projeto de fomento a novas RPPNs no município. 

O projeto é desenvolvido em parceria com a Fundação Ecológica Cristalino (FEC), o Comdema, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Alta Floresta, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA), o ICMBIO e a Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat).

A história da RPPN – Fazenda Anacã é uma bela história! Um bom exemplo para a região de Alta Floresta já tão castigada por desmatamento, garimpo, grilagem e incêndios florestais. Que seja inspiração! E que a parceria prospere e renda muitos frutos!
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Foto (destaque): Fernão Prado/divulgação

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