“Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores – alguns deles verdes e outros pardos grandes e pequenos – de maneira que me parece que haverá nesta terra muitos…”. O relato pertence a um trecho de uma das cartas escritas por Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, Dom Manuel, em 28 de abril de 1500, descrevendo as primeiras impressões sobre a recém batizada Terra de Vera Cruz e sua exuberante natureza. Em outro ponto, o escrivão português menciona ainda “papagaios vermelhos muito grandes e formosos”.
Acredita-se que esse último registro, entre os primeiros escritos sobre as espécies que existiam no Brasil naqueles tempos, faça referência à arara-grande-vermelha (Ara chloropterus). Certamente não há como essa ave belíssima passar despercebida. Medindo quase 90 cm de comprimento, ela tem a plumagem acima da cabeça e no topo das asas de um vermelho intenso. A face, com fundo branco, é decorada por linhas delgadas de penas vermelhas também, mas a parte média das asas possui tons verdes e os extremos azuis, incluindo a ponta do rabo.
Assim como outras espécies de aves que antes eram vistas com abundância pelas florestas brasileiras, a arara-vermelha acabou desaparecendo de muitas áreas e inclusive, sendo extinta em algumas, inclusive onde justamente ela foi observada por Pero Vaz de Caminha há mais de 500 anos, o sul da Bahia. Entre os séculos 19 e 20 seu voo colorido não era mais observado ali.
Mas um novo projeto está trazendo de volta a espécie para os céus da Mata Atlântica baiana. Desenvolvido pelo Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, com apoio de diversas entidades, 35 araras-vermelhas foram soltas recentemente numa reserva particular do patrimônio natural (RPPN) em Porto Seguro.
As aves que fazem parte do projeto são originárias de cativeiro, apreendidas em ações de combate ao tráfico de animais silvestres realizadas por órgãos ambientais estaduais e municipais de todo o país. Por essa razão, elas não poderiam ser reintroduzidas imediatamente na natureza, mas precisavam passar por um período de aclimatação e aprendizado primeiro.
Após a chegada em Porto Seguro e o período de quarentena, as aves foram transferidas para um grande recinto no meio da mata. O objetivo é que com mais espaço, elas pudessem fazer voos maiores e ganhassem musculatura. Além disso, precisavam se adaptar ao clima da região e também, se possível, formassem casais.
Depois desse período, a equipe do Cetas iniciou o processo conhecido como “soltura branda”, em que as portas do viveiro são abertas e as aves podem começar a explorar o ambiente externo até conquistarem a coragem de alçarem voos mais altos e buscarem um lar definitivo na floresta.
“A partir de agora os animais serão submetidos a um monitoramento pós-soltura de longo prazo”, revela Ligia Ilg, analista ambiental do Ibama e coordenadora do projeto.
Uma das araras que foram soltas na reserva de proteção em Porto Seguro
Foto: divulgação Ibama
A intenção é realizar mais solturas de araras-vermelhas na RPPN. Todavia, para isso, o Cetas convida outras instituições brasileiras que recebem aves resgatadas para enviá-las para o projeto de reintrodução e assim elas possam passar também pelo treinamento. Quem tiver espécimes que possam ser disponibilizados podem entrar em contato pelo e–mail ligia.ilg@ibama.gov.br
Detalhe das pequenas plumas vermelhas em volta dos olhos da arara-vermelha
Foto: LeonardoRamos, CC BY-SA 4.0 via Wikimedia Commons
*Com informações e entrevista contida no texto de divulgação do Ibama
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Foto de abertura: Bengt Nyman from Vaxholm, Sweden, CC BY 2.0 via Wikimedia Commons
Parabéns aos pioneiros da reintrodução das Araras na natureza baiana, espero que a população seja orientada a não captura porque nosso povo ainda tem esse costume entranhado, da caça, venda e consumo da carne selvagem.
Parabéns aos criadores oficiais que sei que muito contribuem para a preservação das espécies e a esses precisamos dedicar uma atenção maior.
E maior atenção policial aos caçadores aqui na Bahia.
Excelente iniciativa. Muitas espécies nativas poderão ser reintroduzidas através da parceria com criadores cadastrados que já existem em grande número pelo Brasil.
Parece incrível como o ser humano é devastador. Tanta tecnologia mas incapaz de respeitar a natureza da qual veio e que tanto depende dela.