Como prometeu durante sua campanha à Presidência da República, em 2018, Bolsonaro não demarcou “um centímetro de terras indígenas” em quatro anos de governo. Impediu – com Sergio Moro à frente do Ministério da Justiça – que os processos que estavam em vias de demarcação fossem finalizados. Não satisfeito, ainda permitiu e incentivou que essas reservas fossem invadidas por exploradores ilegais como madeireiros, garimpeiros e grileiros.
Já o presidente eleito Lula prometeu criar um ministério para os povos originários. E ainda declarou, em alto e bom som, que dará prosseguimento à demarcação de suas terras.
Por isso, a demarcação de, pelo menos, uma terra indígena nos primeiros cem dias de gestão de seu governo, é uma das principais reivindicações dos integrantes do Grupo de Trabalho Povos Originários (composto por 13 lideranças indígenas, além de dois antropólogos brancos) do Gabinete de Transição de Governo, coordenador pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. Para que a medida seja formalizada, basta um decreto.
No entendimento das lideranças, essa medida é um ato simbólico importante que deixará bem marcada a diferença entre o governo Lula e o de seu antecessor: não só para os beneficiados, como também para invasores e empresários que promovem ataques sistemáticos a esses povos, certos de sua impunidade.
De acordo com o jornal O Globo, a APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil sugere que Lula comece por um destes territórios: Arara do rio Amônia e Rio Gregório, no Acre; Xukuru Kariri, em Alagoas; Cacique Fontoura, no Mato Grosso, ou Toldo Imbu, em Santa Catarina.
E ainda reivindica que ele também dê andamento ao processo de demarcação de doze territórios “em vias de serem declarados”, ou seja, que estão já numa fase anterior à demarcação. Para reiniciá-lo, basta que o futuro ministro da Justiça assine uma portaria.
Os Guarani Kaiowá e os isolados
A grave situação dos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul (muito bem explicada no documentário Martírio, de Vincent Carelli), também está entre as prioridades do GT. Todos os anos, indígenas dessa etnia são mortos em confronto com capangas de fazendeiros que ocupam o território reivindicado por eles.
Os povos isolados e de recente contato, ameaçados diariamente por invasores de terra, são outra pauta prioritária nos debates da transição que, desde a semana passada, contam com dados importantes do relatório entregue pelo OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato).
A organização reivindica o resgate de políticas voltadas para os 114 grupos de povos indígenas isolados registrados no país. Urgente!
Vale lembrar do trabalho precioso que o indigenista Bruno Pereira – assassinado em junho deste ano com o jornalista britânico Dom Phillips – desenvolvia, como servidor da Funai, junto aos isolados do Vale do Javari, no Amazonas.
Devido à sua competência, Marcelo Xavier, presidente do órgão, o afastou de suas funções. Pouco tempo depois, ele pediu licença das funções burocráticas às quais foi confinado, para se dedicar à sua missão.
Ministério, Funai e Sesai
Os integrantes do GT Povos Originários ainda solicitaram à Alckmin – por intermédio de Gilberto Carvalho – a mudança do nome do ministério prometido por Lula: em vez de Povos Originários, mais abrangente, propõem que seja denominado Ministério dos Povos Indígenas, mais focado.
Segundo O Globo, a deputada federal eleita Sonia Guajajara, que também integra o GT, foi procurada por representantes dos quilombolas, caiçaras e ribeirinhos (também considerados originários) para participar das discussões da transição.
Para a deputada federal Joenia Wapichana – que, como Guajajara, é um dos nomes cotados para dirigir a pasta – “cada um tem um espaço. Os povos indígenas têm uma legislação diferenciada e um sistema todo próprio, até a constituição nos coloca assim. Misturar tudo fica confuso”.
Quando Lula declarou a criação do Ministério dos Povos Originários, participava de uma reunião plenária do Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, em abril deste ano (fotos deste post). Portanto, sua intenção parece ter sido atender especificamente às reivindicações dos povos indígenas e não abranger outros povos.
Outra questão em debate no GT Povos Originários é a posição da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Sesai (Secretaria Nacional de Saúde Indígena) na estrutura do novo governo.
Há lideranças que defendem manter sua administração nos ministérios da Justiça e da Saúde, respectivamente – levando em conta a transversalidade de sua existência -, e outras que entendem que o Ministério dos Povos Indígenas deveria abraçá-las.
Esse impasse deve ter um desfecho nos próximos dias, mas, num ponto todos concordam: os dois órgãos – assim como o ministério – devem ser geridos por indígenas aprovados pela APIB e pelas organizações regionais, que representam os 305 povos existentes no país.
“Esses debates estão no contexto do diálogo. E vamos fazer agora uma consulta com outras lideranças indígenas e servidores dos órgãos”, declarou Kleber Karipuna, líder da COIAB (Coordenação de Organizações indígenas da Amazônia Brasileira), que também participa do GT.
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Fonte: G1, Apib
Fotos: Ricardo Stuckert/divulgação