Por aclamação, a proposta do programa de pós-graduação em Direitos Humanos e Cidadania da Universidade de Brasília (UnB) para que a filósofa, escritora e ativista antirracista Sueli Carneiro fosse reconhecida como Doutor Honoris Causa, foi aprovada pelo Conselho Universitário (Consuni), em março deste ano. Na semana passada, ela recebeu o título em cerimônia que lotou o auditório da faculdade de Direitos Humanos (assista no final deste post).
“Com esse gesto, a UnB dá mais uma demonstração de reconhecimento do valor da diversidade para a construção do conhecimento e de seu empenho no combate ao racismo”, declarou a reitora Márcia Abrahão, durante reunião virtual que deu a grata notícia.
A distinção é concedida pela UnB a personalidades que se destacam por sua atuação em prol das artes, da filosofia, das letras e das ciências e por sua contribuição para o melhor entendimento entre os povos. Em dezembro do ano passado, o mesmo título foi concedido ao pensador e líder indígena Ailton Krenak, que o recebeu em maio deste ano, como contamos aqui.
Nos dois casos, a universidade foi pioneira ao reconhecer as trajetórias de um indígena e de uma mulher negra, marcando, assim, as celebrações por seus 60 anos.
Antirracista e antissexista
Sueli é uma das mais proeminentes vozes do pensamento negro no Brasil. Em seus livros e por meio da organização Geledés – Instituto da Mulher Negra, fundada por ela em 1988, defende a urgência de ‘enegrecer o feminismo’ e denunciar o apagamento das mulheres negras que assumem posições de poder.
Na cerimônia, Wanderson Flor do Nascimento, professor do Instituto de Ciências Humanas (ICH) e um dos oradores, declarou que a produção intelectual de Sueli “tem alimentado diversas gerações de intelectuais negras e negros, na academia e fora dela, oferecendo ferramentas para analisar nosso mundo”. E acrescentou:
“Sueli, como eu, é filha de Ogum, partilhando muitas características de nosso pai: é rigorosa, lutadora, estrategista, acolhedora, mobilizadora”. E ainda declarou que a característica que mais admira na filósofa e nesse orixá é descrita na palavra asiwáju, da língua iorubá: “aquele que anda na frente”.
A ativista, por sua vez, manifestou o desejo de que a UnB mantenha o compromisso de fortalecer o debate antirracista e antissexista, de forma a manter seu pioneirismo e um exemplo para outras universidades brasileiras.
“A Universidade de Brasília é uma das mais importantes do Brasil e da América Latina, o que torna este título mais importante ainda para mim, pelo reconhecimento de minha trajetória, ao longo da qual procurei fazer da reflexão intelectual e da minha escrevivênciauma espada, como convém a uma filha de Ogum que sou”.
Trajetória
Sueli Carneiro nasceu em 1950, na cidade de São Paulo. Seu pai era ferroviário e mãe, costureira. Desde pequena, ela frequentou escolas públicas e, ainda jovem, se revelou uma influência fundamental para jovens negros e negras no país.
Doutora em Educação e Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), dedicou-se a esmiuçar dados do Censo, com o intuito de produzir evidências da desigualdade racial e afirmar valores culturais negro-africanos, “que sustentam a identidade e a resistência das mulheres negras” e contribui para a formulação de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade de gênero, destaca o site da UnB.
A fundação do instituto Geledés e do Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo foram frutos dessa jornada
Sueli lutou pelas cotas raciais. Em 2012, se destacou quando o Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu a constitucionalidade do sistema que garante vagas para o ingresso de estudantes negras e negros e indígenas na Universidade de Brasília.
Nessa época, defendeu as cotas, a democracia, a igualdade de direitos e a justiça social, contribuindo para a construção epistemológica do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania daquela universidade.
Outras distinções
Desde 2012, Sueli Carneiro vem sendo reconhecida pela sociedade e recebeu diversas honrarias, tais como: Prêmio Especial Vladimir Herzog, Prêmio Itaú Cultural 30 anos, Prêmio de Direitos Humanos da República Francesa, Prêmio Bertha Lutz, menção honrosa do Prêmio de Direitos Humanos Franz de Castro Holzwarth e Prêmio Benedito Galvão.
Em 2018, foi homenageada pela filósofa e escritora Djamila Ribeiro com a criação de um selo editorial com seu nome – o Selo Sueli Carneiro -, que distingue produções literárias negras brasileiras e a tradução de produções estrangeiras realizada por mulheres, em especial negras, indígenas, LGBTQI+ latinas e caribenhas.
A seguir, assista à cerimônia de entrega do título Doutor Honoris Causa à Sueli Carneiro, que foi transmitida ao vivo.
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Fonte: site da Universidade de Brasília, Geledés
Foto: André Setti/Itaú Cultural