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Sandra Benites é a primeira curadora indígena contratada por uma das maiores instituições de arte do Brasil

Natural da etnia Guarani Nhandeva, da aldeia Porto Lindo no Mato Grosso do Sul, Sandra Benites é antropóloga, arte-educadora e artesã, além de doutoranda em antropologia social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde pesquisa como os guaranis enxergam o corpo feminino. Agora, também integra a equipe de curadores de arte brasileira do MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, um dos mais importantes museus de arte do Brasil.

Neste momento de tanta violência e pressão contra os povos indigenas e suas terras, essa contratação significa um marco. Como curadora adjunta, ela será a principal responsável pelo programa Histórias Indígenas, que faz parte de um projeto curatorial extenso do museu, lançado em 2016 e que, em 2021, apresentará exposições individuais e coletivas, publicações, oficinas, cursos e palestras dedicado à arte e à voz indígenas. Falo mais detalhadamente sobre o programa, mais à frente.

A iniciativa – que começou a ser debatida em dois seminários, este ano – foi reconhecida pelo Prêmio Sotheby’s, que chancela trabalhos com excelência curatorial e financia instituições que desenvolvem exposições sobre áreas preteridas da história da arte. O prêmio é de US$ 250 mil e será dividido com uma exposição de arte indígena que está sendo organizada pela Pinacoteca de São Paulo, em parceria com a Casa do Povo e a casa de oração indígena Kalipety. Que bom que a cultura indígena está pulsando nesta cidade grande!

Para o jornal O Globo, ela disse que “será um grande desafio pois há, atualmente, 305 povos indígenas e 274 línguas no Brasil, números que já foram muito maiores, mas foram historicamente apagados. Por isso é importante ocupar esses espaços como o MASP para tratar dessas questões e resgatar essas histórias”.

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Em nota à imprensa, salientou: “O projeto da exposição Histórias indígenas do MASP é muito importante para despertar memórias indígenas, muitas das quais se encontram adormecidas. Quando falamos em histórias, sempre falamos de um conhecimento ancestral e o objetivo do projeto é o de narrar essas histórias a partir de uma visão indígena sobre o ‘ywy rupa’, que é a territorialidade da nação Guarani”. 

E Sandra acrescentou: “A cultura guarani tem muito presente essa coisa do diálogo com o outro, a diplomacia, tanto que foram os primeiros a ter contato com os jesuítas. Acho que foi isso que me levou a esse lugar, de poder fazer essa intermediação entre os indígenas, os não-indígenas e a instituição de arte”.

A nova curadora do MASP trabalha com educação indígena desde 2004. Por oito anos (2004-2012), em Aracruz, Espírito Santos, foi professora de arte em uma escola de ensino fundamental numa comunidade Guarani. Também trabalhou na Secretaria de Educação em Maricá, no Rio de Janeiro, como coordenadora pedagógica e assessorou escolas indígenas. Curadoria de exposição já faz parte do seu currículo: em 2017 e 2018, trabalhou na exposição DjaGuata Porã: Rio de Janeiro Indígena, no MAR – Museu de Arte do Rio, em 2017 e 2018, e ainda assina a co-curadoria de uma exposição sobre lideranças indígenas que será montada no próximo ano, no Sesc Ipiranga, em São Paulo.

Ciclo de histórias e as ‘histórias indígenas’

Em 2016, o MASP lançou um programa curatorial extenso em torno de um ciclo especial de histórias que, como explicou o curador André Mesquita, na abertura de um seminário este ano, “trabalha com uma noção ampliada de histórias: não apenas os relatos canônicos, mas também relatos ficcionais, relatos coletivos e histórias, muitas vezes, eclipsadas“.

Esse ciclo se iniciou com Histórias da Infância (2016), depois vieram as Histórias da Sexualidade (2017) – exposição bastante polêmica, na era Temer, que já anunciava os tempos sombrios de agora -, as Histórias Afro-Atlânticas (2018) e as Histórias das Mulheres, Histórias Feministas (2019).

No ano que vem, 2020, o MASP contará Histórias da Dança e, em 2021, será a vez das Histórias Indígenas. Mas a programação até 2025 já está definida: Histórias do Brasil (2022), Histórias da Ecologia (2023), Histórias da Diversidade (2024) e Histórias da Loucura e do Delírio (2025). Uau!

Para começar a dar corpo ao programa de cultura indígena, como faz com todos os programas desse ciclo, o MASP realizou dois seminários. E, assim, este ano, reuniu teóricos, artistas, curadores e ativistas de diferentes locais, cenários e perspectivas, para apresentar e debater “a riqueza e a complexidade de materiais indígenas e culturas imateriais, suas filosofias e cosmologias e os desafios e as possibilidades de trabalhar com esses campos, sobretudo no contexto de um museu”, explica a instituição em seu site.

O primeiro encontro, em junho, teve Ailton Krenak, Claudia Andujar, Davi Kopenawa, Edson Kayapó e Joseca Yanomami, só para citar alguns nomes. No segundo, em julho, estiveram presentes Daiara Tukano Denilson Baniwa, Sandra Benites e Moara Brasil, entre outros. Temas como direitos humanos e ativismo, a prática curatorial e a prática artística permearam as conversas, que foram gravadas e estão disponíveis no You Tube.

O interesse do MASP pela cultura indígena não é de hoje, por isso o museu fala em “reintroduzir esse tema”, agora, em sua programação. Mas é verdade que os hiatos entre uma iniciativa e outra foram longos. E assim, de 1949 a 1987, o museu organizou exposições com objetos e registros de comunidades indígenas diversas: Exposição de arte indígena (1949), Alguns índios (1983), Arte karajá (1984), Índios yanomami (1985) e Arte indígena kaxinawá (1987). 

Foto: Marcos Brailko / Divulgação

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