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O engajado Roger Waters faz turnê polêmica (e certamente inesquecível) pelo Brasil

Texto escrito em 12/10/2018 sobre os shows em São Paulo (9 e 11/10) e atualizado em 19/10, depois dos shows em Brasilia (13) e Salvador (17)

Por causa do segundo turno das eleições presidenciais no país, os ânimos estão muito acirrados e a violência corre solta. A disputa entre um candidato que defende a democracia e os direitos sociais e outro, que defende o autoritarismo e a falta de direitos, polarizou eleitores e criou cenários impossíveis para o debate.

Nos últimos dias, após os resultados do primeiro turno, mais de 50 casos de violência foram registrados no país, dois deles com morte. Em dez dias, foram mais de 70 ocorrências. Sem contar os casos em que as vítimas não quiseram denunciar, por medo. Algumas exibiam a hashtag EleNão em camisetas ou adesivos, outras foram atacadas por serem homossexuais ou assumir sua ideologia contrária à do agressor.

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Não há dúvida que a intolerância, a falta de informação e a disseminação de fakenews ajudam a promover e a piorar muito este quadro. Mas, esta semana, manifestações ignorantes e retrógradas também aconteceram durante o show de um artista internacional, reconhecido por seu engajamento político e ambiental no mundo todo.

Falo do músico britânico Roger Waters – da lendária banda Pink Floyd – e de alguns fãs brasileiros que o agrediram com vaias e palavrões no primeiro show de sua turnê pelo Brasil, em São Paulo, em 9/10. No segundo, no mesmo Allianz Parque, no dia seguinte, não foi muito diferente.

Waters é reconhecido por seu ativismo a favor dos direitos humanos. Não só nas letras das músicas que canta – quem não lembra de Another Brick in the Wall ? -, como também em suas falas contra governos autoritários e a favor da sustentabilidade do planeta Terra, durante shows ou em entrevistas.

Não fui ao show, mas soube detalhes a partir do depoimento da jornalista Karina Miotto, nossa colaboradora, em seu Facebook (reproduzimos o texto aqui, no Conexão Planeta, por sua emoção; vale a leitura: O Guerreiro da Paz), e de amigos e amigos de amigos, na mesma rede social. Também li muito do que foi publicado pela imprensa especializada e assisti vídeos. Surreal pra mim, mas, de certa forma, esperado por ele.

Tudo ia bem enquanto os telões apresentavam cenas que denunciavam a falta de cuidado que temos com o planeta, guerras desnecessárias, pobreza, e o presidente americano Donald Trump. Inúmeras imagens se sucediam com a cara do fanfarrão norteamericano e a plateia aplaudia, gritava embevecida.

Até que a tela gigante exibiu as palavras Resista e Neo-Fascism e, em seguida, uma lista dos nomes desses líderes autoritários. Entre eles, estavam Trump, o italiano Berlusconi, o russo Putin e um dos candidatos à presidência do Brasil, Bolsonaro.

Foi o suficiente para que os fãs que apoiam o político autoritário se rebelassem e atacassem o músico, abafando com seus gritos, vaias e provocações as manifestações dos fãs a favor do que a tela mostrava. Pior: segundo relatos de quem esteve no show, alguns chegaram a ameaçar quem estava por perto e se declarou a favor de Waters.

Entre palavrões, gritavam frases como “O que acontece no Brasil não é da sua conta!”, “Foda-se você e limite-se a cantar!”… E teve quem dissesse que ele estragou o show quando falou de política, ou ainda: “A gente vem pra relaxar e tem de ouvir isso”. Inacreditável.

Quer dizer, enquanto o espetáculo pirotécnico no palco destacava Trump, estava tudo bem. Mas foi só incluir o tal candidato na lista dos líderes mais abomináveis do mundo e a hashtag EleNão (abaixo), para que os fãs perdessem o respeito pelo ídolo, que, depois de um tempo calado, aguardando a ferocidade da plateia passar, disse que já esperava por algo assim, mas que sempre lutou e lutará pelos direitos humanos. Disse que ama a América Latina e que não gostaria de ver nenhum país desta região sob um regime autoritário. Mesmo assim, chegou a comentar “O que acontece com este país?”.

Não entendo… Como não passou pelas cabeças dessas pessoas que Waters falaria do seu candidato? Não reconhecem em suas letras, gritos contra qualquer forma de desrespeito aos seres humanos? Contra a censura? Contra as ditaduras? Tudo que o tal candidato defende?

Quem conhece o músico e a trajetória do Pink Floyd sabe que ele é um ativista feroz, que sempre lutou contra o autoritarismo. E que seu engajamento é antigo e sempre pautou sua trajetória. Ele nunca superou a morte de seu pai durante a Segunda Guerra Mundial, quando ele tinha apenas cinco meses. E nunca escondeu isso. Está lá, em sua obra, em Another Brick in the Wall. 

Recentemente, com a ajuda de um colega de guerra de seu pai, encontrou o local onde ele foi morto e lá ergueu um monumento em sua memória e a de todos que morreram lutando por liberdade nessa guerra.

Ponto de Vista Político Censurado

Em 11/10, em sua segunda apresentação em São Paulo, Roger Waters foi mais contundente e revelou a censura sofrida no dia anterior, provocando a plateia. No final da lista onde estava escrito o nome do político brasileiro havia uma tarja com a frase “Ponto de Vista Político Censurado”.

As manifestações contra Waters – que já haviam acontecido contra a plateia que gritava EleNão – se inflamaram. Em seguida, a lista foi exibida sem a censura e o nome do tal candidato apareceu. Cientes do que havia acontecido no show anterior, alguns “fãs” levaram faixas enormes com recados para o artista, como “Fuck you… let’s play“.

Em Brasília, menos protestos

Na capital federal, em 13/10, o show foi praticamente o mesmo da capital paulista, com a lista de fascistas – na qual estava incluído Bolsonaro, com seu nome censurado e depois revelado, além da frase “Nem Fodendo” – enquanto cantava Mother -, que só foi exibida no segundo show da turnê.

Na capital federal, também aconteceram protestos contra o músico, mas a maior parte da platéia o recebeu de forma mais amorosa, vibrando a cada frase ou imagens no telão, demonstrando que estava a seu lado e gostando de seu posicionamento a respeito das eleições no Brasil. Waters ficou emocionado e chorou, como se pode ver pelo vídeo abaixo, publicado no Instagram.

Mestre Moa do Katendê no palco com Waters, em Salvador

Mas o show mais emocionante, até agora – por tudo que li e ouvi de fãs – foi o de Salvador. Roger Waters seguiu basicamente o roteiro das apresentações anteriores, mas na capital baiana falou de mestre Moa do Katendê, assassinado a facadas, no dia das eleições do primeiro turno, por motivos políticos. A imagem do baiano adorado (retrato singelo do fotógrafo Leandro Couri) apareceu gigante no telão e o público gritou e aplaudiu enlouquecido.

A foto abaixo é reprodução do Twitter de . Lindo demais, não?

E Waters disse, emocionado:

“Mestre Moa, vocês sabem, foi brutalmente assassinado durante o processo eleitoral. Sei que ele fará muita falta nesta comunidade e em todo o mundo. Então, não direi mais nada, exceto que ele foi um grande exemplo para todos nós, mostrou como espalhar amor e humanidade, empatia e coragem. O futuro do Brasil deveria ser construído com base naquilo que ele acreditava e não naquilo que alguns acreditam”.

Nesse momento, o público gritou Ele Não e algumas vaias se ouviram. Ali, a maioria estava com Waters, que se calou por um tempo e logo voltou a falar:

“Vocês têm que decidir nas eleições se acreditam ou não em direitos humanos. Se vocês acreditam em igualdade de direitos para todos os irmãos e irmãs, não apenas no Brasil, neste momento importante, mas em todo o mundo. Independente de sua etnia, religião, nacionalidade ou qualquer coisa, somos todos iguais! Somos todos irmãos e irmãs nessa igualdade!”.

Abaixo, o vídeo que ele publicou em seu Twitter no dia seguinte e mostra parte dessa fala:

Turnê engajada termina depois da eleição 

Até 30 de outubro, Waters e sua banda ainda farão quatro apresentações pelo país: em Belo Horizonte (21), Rio de Janeiro (24) , Curitiba (27) e Porto Alegre (30). Note que o penúltimo show acontecerá em Curitiba, onde está preso o ex-presidente Lula, às vésperas do segundo turno. Tenso. E o último será numa das cidades mais conservadoras do país, Porto Alegre, depois das eleições, ou seja, quando o presidente já tiver sido escolhido.

Coincidência ou não, o fato é que Waters escolheu um momento muito delicado e importante da política brasileira pra nos visitar. Vai ficar registrado em nossa memória. E, certamente, ele não vai esquecer desta passagem pelo Brasil.

Desejo que, em todas as cidades por onde passar, seu show leve entretenimento e mais consciência, e que não haja violência. Na internet, alguns fãs chegaram a dizer que sentiram medo de serem agredidos por simpatizantes de Bolsonaro, como vem acontecendo pelo país e relatei no início deste texto. Que prevaleça a verdadeira democracia! Waters deve estar torcendo por isso também.

Fotos: Roger Waters (reprodução YouTube), Resist Neo-Fascism e lista (reproduções de videos no Instagram), palco com EleNão (reprodução Facebook) e Moa do Katendê, em Salvador (Twitter de André @86andrehp)

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Déborah de Paula
Déborah de Paula
6 anos atrás

Roger Waters está passando pelo país como um anjo, uma chuva boa, um artista, um homem livre.
Obrigada pelo artigo. Precisamos de palavras certeiras e precisamos escutar a música.

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