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Coração Nazareno, a resposta ao machismo do Maracatu Rural

Coração Nazareno, a resposta ao machismo do Maracatu Rural

Será que existe mesmo alguma coisa que as mulheres não podem fazer?

Na primeira vez em que estive em Nazaré da Mata, no interior de Pernambuco, para conhecer o Maracatu Rural, ouvi várias teorias sobre “porque uma mulher não pode ser caboclo de lança”, o principal personagem dessa brincadeira de Carnaval.

Algumas explicações levavam em conta os aspectos físicos, da (pouca) força feminina: “A indumentária toda pesa mais de 30kg e seria muito puxado para uma mulher ficar vários dias seguidos fazendo tanto esforço físico debaixo do sol escaldante de fevereiro”.

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Basicamente, a crença era de que as mulheres ou não aguentariam o tranco ou não iriam se divertir nessas condições.

As demais explicações eram de ordem social: “As mulheres não vão deixar seus filhos pra trás pra brincar o Carnaval” ou “Pais e maridos não vão deixar as mulheres viajarem sozinhas” ou “Os homens nunca vão aceitar um grupo de mulheres. Ninguém vai querer assistir uma apresentação delas”.

Outras, ainda, eram quase ameaçadoras da feminilidade, afirmando que “As mulheres vão se masculinizar se começarem a dançar o Maracatu”.

Ouvi também algumas generalizações completamente infundadas como “Elas estão felizes com os papeis (secundários) que ocupam hoje” ou “As mulheres brigam e não vão conseguir formar um grupo coeso” ou ainda, “As mulheres competem entre si e não se alegram com o sucesso e a beleza das outras, nunca vão conseguir ter um grupo!”.

Sem contar algumas afirmações que refletem a mais pura crendice sem sentido como “Dá azar uma mulher cruzar na frente de um caboclo de lança, imagine uma mulher ser um caboclo de lança!”.

Pois dois anos depois, ao voltar à cidade, o que vi de mais interessante foi um show inesquecível do Coração Nazareno, composto só de mulheres. Um grupo que desafia todas as tradições e prova que as mulheres são realmente capazes do que quiserem e não do que delimitam para elas.

Não dá pra deixar as crianças sozinhas em casa? Levamos as meninas para fazer parte do grupo desde cedo, oras!

A indumentária é pesada demais? Fazemos uma adaptação no surrão para que fique um pouquinho mais leve!

Risco de se masculinizarem? Não vi nenhum! Muito pelo contrário: vi caboclas com brincos lindos, batom vermelho e unhas pintadas combinando com a gola.

Também não vi nenhuma briga, pelo contrário: vi muito apoio, muito carinho, muita preocupação com o sucesso (individual e do grupo), muito cuidado, não só com as crianças, mas com todas as participantes.

E se alguém ainda achava que elas iam fazer pouco sucesso, saiba que vi a agenda das moças e estava lotada de apresentações. Viajaram durante todo o Carnaval, de cidade em cidade pra se apresentar. Teve até uma apresentação em Recife! Todas com um público muito numeroso e atento.

É verdade que, muitas das festas populares brasileiras são brincadeiras eminentemente masculinas. Em algumas, como no próprio Maracatu Rural, algumas mulheres até participam, mas, em geral, não têm papeis importantes.

Muita coisa mudou desde 1945, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) assinou o primeiro acordo internacional que afirmava princípios de igualdade entre homens e mulheres. Mas, infelizmente, ela ainda não é uma realidade em inúmeros lugares do planeta.

Só que a força das mulheres do Coração Nazareno me dá a certeza de que é preciso continuar e nunca desistir. É só lembrar do que ouvi, há dois anos, sobre a fragilidade das mulheres. O que eu encontrei agora é muito diferente e me deu muito prazer.

Espero que as meninas de todas as regiões do Brasil entendam que não devem dar ouvidos para quem diz que elas não podem “qualquer coisa que seja” e que o exemplo das maravilhosas mulheres do Coração Nazareno se espalhe por todas as festas, de norte a sul do Brasil, pra gente provar que não existe nada que não possamos fazer. Inclusive quando o assunto é diversão!

Fotos: Andrea Goldschmidt 

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