Assédio ou abuso sexual é crime, mas a impunidade alimenta essa prática todos os dias. Seja por falta de denúncia das vítimas – que não querem se sentir ainda mais expostas na delegacia (mesmo na Delegacia Da Mulher). Ou de falhas da Justiça, quer dizer, de seus representantes, que fazem uma leitura equivocada das leis, são machistas e destituídos da capacidade de sentir empatia pelas mulheres.
A escritora Clara Averbuck, recentemente violentada por motorista do Uber, aumentou as estatísticas de mulheres agredidas, mas também das que não denunciam abusos. Ela se limitou a comunicar o Uber, que demitiu o abusador, mas também não o denunciou à polícia. Clara contou – em artigo para o site da revista Claudia – que tomou essa decisão porque não queria passar por mais constrangimentos, revelando que esta não é a primeira vez que sofre tamanha violência: ainda está muito vivo em sua memória o estupro que sofreu aos 13 anos.
No mesmo texto, a escritora lançou campanha com as hashtags #MeuMotoristaAbusador e #MeuMotoristaAssediador, que viralizou nas redes sociais. É só buscá-las para ter ideia da frequência com que assédios acontecem durante viagens de taxi e caronas (promovidas por aplicativos), situação ainda mais vulnerável do que em transportes públicos já que o abusador está protegido pelo carro e sozinho com a vítima.
Não vai dar pra esquecer tão cedo da sentença do juiz que analisou o caso do homem que ejaculou no rosto de uma passageira em ônibus que circulava pela Avenida Paulista, em São Paulo, no início deste mês, Para ele, o que Diego Ferreira de Novais fez não constrangeu a vítima, mesmo sem seu consentimento e em local público. O moço foi liberado e repetiu o crime.
Só que este caso reúne uma sucessão de falhas, anteriores a esses episódios. Diego já tinha mais de 14 passagens pela polícia, pelo mesmo motivo. Em 2016, foi ‘condenado’ à internação para tratamento psiquiátrico, por ser considerado inimputável, ou seja, incapaz de entender os crimes que pratica. Mas o tratamento nunca aconteceu. Sim, ele não é um criminoso comum: tem problemas mentais, provocados por um acidente de carro que sofreu e afetou partes importantes de seu cérebro. Esta semana, finalmente saiu sua sentença: ficará internado por, no mínimo, dois anos, mas não numa cela. Voltando ao juiz, nada tira ou reduz sua responsabilidade por uma sentença tão errada e desrespeitosa. Deveria ser punido e condenado também.
Mas claro que nem todos os agressores são insanos como Diego. Quer dizer, qualquer um que agrida, violente ou abuse de uma mulher, não pode ser considerado normal. Mas a maioria parece ser bem ciente de suas ações, como o preparador físico Nuno Cobra, 79 anos, preso esta semana. Ele não é famoso como o ator José Mayer – que assediou figurinista da Globo -, nem tem uma empresa poderosa para garantir o esquecimento sobre o caso (a garota até arquivou a queixa). Mas ainda vive da glória dos anos 90, quando treinava o piloto Ayrton Senna e lançou livro best-seller, bem vendido até hoje.
Tem 79 anos, portanto, é idoso, mas a idade avançada não o impede de ‘arquitetar’ a abordagem das mulheres que escolhe, como foi o caso da jovem de 21 anos que assediou durante um voo de Curitiba para São Paulo. Depois de pedir para trocar de lugar com um passageiro – para ficar ao lado da moça -, iniciou a conversa dizendo que é preparador físico e sabe estimular energias. Foi a deixa para tocar nos seios, no peito, nos braços e coxas da vítima, que só conseguiu se desvencilhar dele depois de uma turbulência e foi trocada de lugar pela tripulação.
Aqui, a Justiça não falhou: Nuno foi condenado a 3 anos e 9 meses de prisão por “crime de violação sexual mediante fraude” (artigo 215 do Código Penal), mas como é réu primário, sua pena foi substituída por serviços comunitários e pagamento de multa. Só que, rapidamente, a situação se alterou: nova denúncia foi feita por uma jornalista (o assédio aconteceu em agosto deste ano) e sua prisão foi decretada. A juíza que analisou o caso entendeu que era preciso isolá-lo, enquanto as investigações são aprofundadas, para que o criminoso não faça mais vítimas. Quantas existirão?
Outra notícia que “causou” nas redes sociais esta semana, e que vale destacar aqui, não tem a ver com estupro, mas com machismo. Um editor do jornal Correio Brasiliense brindou seus leitores com uma crônica na qual descreve o encantamento dos colegas com a estagiária de 19 anos, Melissinha. Segundo ele, a moça “mostrou ao que veio já no primeiro dia: desfilou “decotinho perverso, coxas de fora, pezinhos docemente acomodados em sandalinhas rasteiras”. Seu único problema? O namorado. O texto é recheado de clichês e falas chulas. Referiu-se aos colegas babões como “fauna masculina” e “machalhada”. O texto foi tirado do ar – e o editor tentou se explicar, como se fosse possível -, mas já tinha sido copiado por outros sites.
Estes episódios nos lembram, mais uma vez, que machismo, perversão, misoginia e abuso podem estar em qualquer lugar. Independem de classe social, poder aquisitivo, formação acadêmica, berço…. São cometidos por homens desequilibrados e promovidos pela cultura do estupro – que ainda tem, em mulheres obtusas, uma grande força. São impulsionados não só pela publicidade, pelas novelas, pela imprensa em geral – que insiste em dizer “suspeita de abuso” ou “suposto abuso”, mesmo com uma vítima real, declarada, de carne e osso. Estão ‘infiltrados’ nas conversas de família, nas ruas, num papo inocente com crianças. Podem ser frases e conceitos ditos sem pensar, aprendidos por “tradição oral” e convicção também.
Por isso é que não se pode calar diante de qualquer caso. Nem mulheres, nem homens. E é tão importante participar de mobilizações e campanhas – falo, abaixo, da que foi criada por publicitárias depois que o caso de Diego veio à tona -, divulgar injustiças, questionar arbitrariedades. No mínimo, descobrimos com quem podemos contar pra criar um movimento maior, que também pode ser silencioso e muito eficiente.
Meu corpo não é público
Esse é o tema dos cartazes da campanha criada por publicitárias de São Paulo, que se mobilizaram no Facebook em defesa da mulher que foi assediada por Diego no ônibus e contra a decisão judicial.
Alguns estão datados por se referir muito diretamente a esse caso, mas a maioria é bacana em qualquer tempo. Todos os cartazes podem ser baixados gratuitamente, impressos e espalhados por aí. Abaixo, alguns que selecionei.
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