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‘E se nada disso funcionar?’, perguntam-se cientistas do clima

imagem globo submerso refletindo preocupação de cientistas do clima com resultados da COP21

“Não há plano B para deter a mudança climática porque não temos um planeta B”. A frase, que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, vem repetindo desde a marcha do clima em Nova York (realizada em setembro de 2014) não deixa margem para dúvidas. O “plano A” seria evitar que o planeta aqueça mais do que 2 graus centígrados. Às vésperas da COP 21, a convenção global sobre mudanças climáticas (COP 21) – que acontecerá em Paris de 30/11 a 11/12 -, chega a ser motivo de alguma comemoração o fato de os países chegarem à mesa de negociação, pela primeira vez em 30 anos, concordando com um programa de redução de emissões de gases de efeito estufa para todo o planeta.

Mesmo que a soma dos compromissos voluntários apresentados pelos países ainda esteja muito abaixo do necessário para evitar que a Terra aqueça mais de 2 graus. Para que o aquecimento fique abaixo desse nível, seria necessário mais do que dobrar os compromissos de redução e tornar obrigatórias essas metas que hoje são voluntárias. Portanto, ainda estamos longe do “Plano A”. E existe, sim, quem esteja pensando em planos B, C, D…

A questão é que, mesmo se um difícil acordo avançar, quem garante que os países irão efetivamente cumpri-lo e implementá-lo? Quem irá monitorar os compromissos e, em caso de descumprimento, impor penas aos países? Afinal, alguém tem de pensar nessas coisas. E foi para pensar nisso que cientistas de 17 países ficaram uma semana reunidos no Lago Como, na Itália, num encontro sobre governança e geoengenharia climática, a convite da Fundação Rockefeller. “Precisamos pensar em alternativas se as reduções não forem implementadas”, diz o físico Paulo Artaxo, da USP, único cientista brasileiro nesse grupo. “Para impedir que os ecossistemas sejam destruídos, talvez sejamos obrigados a proteger o planeta de nós mesmos — da nossa própria espécie — de alguma maneira. A questão é: como controlar isso?”.

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O grupo ainda não havia decidido se essa discussão deve se tornar um artigo científico, uma declaração, uma sugestão à COP 21 ou se apenas continuariam conversando para propor ações mais à frente.

Paulo Artaxo, cientista do climaArtaxo explica que ainda não há governança, ou seja, meios de monitorar e a implementação das chamadas INDCs — a sigla para contribuições nacionais voluntárias que veio engrossar o cipoal de abreviações das negociações climáticas. O professor sugere um cenário. “Vamos imaginar que a China entre numa crise econômica e diga ‘olha, prometemos, mas não vamos conseguir cumprir’… aí os Estados Unidos dizem que, se a China não cumpre, também não cumprirão. Então, aí vai ser um país atrás do outro. E a nossa função como cientistas é pensar no que fazer se nada disso funcionar. Vamos deixar a temperatura subir 5, 6, 7 graus centígrados e destruir os ecossistemas? Não, né?”.

Num intervalo entre essas discussões na Itália, o professor Artaxo deu entrevista ao blog Clima 21. A seguir os principais trechos.

Professor, por que a pressa em pensar um Plano B para ações diante da mudança climática?
Há questões globais essenciais para implantar em curto prazo, em cinco ou dez anos. Se perdermos essa janela e a temperatura do planeta subir quatro ou cinco graus na metade deste século, estamos perdidos. Então, as perguntas são ‘o que a gente faz’, ‘como a gente faz’? É preciso definir com que tipo de governança vamos propor medidas que possam fazer intervenções no clima de maneira a não afetar os ecossistemas.

O que precisa ser feito agora e nas próximas décadas para garantir que cheguemos a 2050 com o acordo redondo, zerado e funcionando?
Em primeiro lugar, é importante saber que não existe garantia. A humanidade está passando por uma fase extremamente crucial. É a primeira vez, nos 4,5 bilhões de anos no nosso planeta, que uma única espécie consegue a capacidade de mudar a composição da atmosfera da Terra — o que estamos fazendo rapidamente e ao nosso bel prazer. Isso está causando perda de biodiversidade. Não é justo com as demais espécies com quem a gente compartilha o planeta. Causamos uma série de prejuízos socioeconômicos para nós mesmos. Temos uma chance relativamente pequena, menos de 10%, de conseguir estabilizar a temperatura de nosso planeta em 2 graus centígrados.

Não estamos falando de 2100 nem de 2050, certo?
Estamos falando de um processo que está acontecendo agora. Este é um ponto muito importante, para o qual muitos jornalistas não se atentam. Quando se fala para a população no aumento de 5 graus em 2100, alguém pode pensar, “Ah, mas em 2100 eu vou estar morto, meus filhos estarão mortos, então dane-se!”. Na verdade não é bem assim. Quando falamos do aquecimento estamos falando de hoje e ao longo deste século, porque são processos que já estão ocorrendo. A temperatura já aumentou um grau centígrado. Não vai aumentar no final do século. Já aumentou, já está aumentando e vai aumentar ainda mais.

O que pode acontecer no Brasil, por exemplo?
Se todos os compromissos voluntários de todos os países registrados na ONU forem cumpridos integralmente, a temperatura de nosso planeta, vai subir 2,7 graus centígrados, em média. Como nos oceanos a temperatura aumenta menos do que em áreas continentais – por que os oceanos absorvem muito mais calor -, isso significa um aumento de temperatura em áreas continentais, como, por exemplo, no centro do Brasil, alguma coisa da ordem de 3 graus a 3,5 graus, em média. Este é um aumento muito alto e, na melhor das hipóteses, vai causar alterações no padrão de chuva, no clima local, regional…Teremos muito mais dificuldades de produção de alimentos num clima menos ameno do que o que temos hoje, menos amigável para as atividades socioeconômicas de que a sociedade depende. Isso trará dificuldades adicionais para as futuras gerações. Nenhum cientista tem dúvida disso. A humanidade terá de se adaptar às mudanças climáticas e essa adaptação vai requerer uma quantidade de recursos financeiros, humanos e tecnológicos enormes. E quanto mais cedo nos adaptarmos às mudanças climáticas que já estão acontecendo, melhor pra todo mundo.

Como reduzir os danos?
Não há dúvida de que a única maneira de minorar os danos será reduzir as emissões, com a maior rapidez e na maior intensidade possível. Queremos dizer com isso que, se você rapidamente fizer programas globais para implementar energia solar e eólica, maneiras de produzir energia sem emissão de carbono, e implementar isso rapidamente — no máximo na próxima década ou na seguinte — e começar a desenvolver técnicas para retirar carbono na atmosfera, ou seja, a partir de 2040 ou 2050, você pode ter emissões negativas de carbono. Ao invés de emitir para a atmosfera, você promove as áreas que mitigam, que retiram esse carbono da atmosfera, aí você vai ter chance de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em níveis à ordem de 450 a 500 partes por milhão, ou que vai levar a um aquecimento médio entre 2 a 2,5 graus. 

Com esses programas não se chegará aos 2,7 graus?
Não. Vai estabilizar em até 2,5 graus. Então, a questão hoje é desenvolver políticas públicas que atendam a esse objetivo. Precisamos começar a ter um novo entendimento de que a atmosfera de nosso planeta tem uma capacidade máxima de receber poluentes e que nós estamos chegando muito próximos desse limite.

A soma de todas as contribuições voluntárias ainda está bem abaixo do esperado. Isso não mostra que ainda é muito difícil fazer um acordo envolvendo todos os países?
O conjunto das propostas de redução está, sim, muito aquém das necessidades, Entretanto, é a primeira vez depois de 30 anos de discussão das mudanças climáticas globais que os países concordam com um programa de redução de emissões que evolve todos os países do planeta. O que não é pouco. Isso é muito positivo. É o início da construção de um novo planeta Terra onde não teremos esse padrão de consumo absolutamente insustentável que temos hoje. Passaremos a utilizar os recursos naturais de maneira muito mais inteligente do que fazemos hoje.

O que podemos esperar de Paris?
Não tem como esperar algo diferente das contribuições voluntárias apresentadas pelos países. Agora, nós precisamos transformar essas reduções voluntárias em reduções obrigatórias. E, para isso, é preciso montar um sistema de governança global que possa monitorar se os países estão cumprindo sua meta ou não e, em caso negativo, que se possa aplicar penalidades a quem não está cumprindo suas metas… Quem pode, por exemplo, fiscalizar e, eventualmente, punir Estados Unidos e China? Tudo isso está totalmente em aberto e, sem isso, qualquer acordo fica meramente uma acordo de redução voluntária. Então, temos que estruturar um programa de governança global que possa acompanhar a implementação dessas reduções, que possa monitorar o avanço da implementação de políticas públicas que possa fazer com que essas metas sejam atingidas. Como tornar obrigatórias as contribuições voluntárias e como organizar essa governança são questões que sequer serão discutidas em Paris.

*Este texto foi originalmente publicado no blog Clima 21 do canal de Sustentabilidade do Estado Online, no dia 31/10/2015

Foto: domínio público/pixabay (abertura) e arquivo pessoal (Paulo Artaxo)

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