Esta semana, o Instituto Espaço Silvestre anunciou, com muito entusiasmo, mais uma soltura de papagaios-de-peito-roxo no Parque Nacional das Araucárias, no município de Passos Mais, em Santa Catarina. “Após longo período de reabilitação, 36 papagaios serão levados para o parque para a sétima soltura que ocorrerá na região onde a espécie estava extinta”.
No entanto, por falta de segurança no local, essa operação corre risco de não se realizar, e isso é muito grave: pode eliminar a chance de esses bichos tão singelos viverem em liberdade e “condená-los a passar o resto de suas vidas em cativeiro”, como alerta a bióloga Vanessa Kanaan, diretora técnica do instituto e membro da Comissão de Especialistas em Conservação de Translocação da IUCN.
Esse projeto lindo, realizado pelo Instituto Espaço Silvestredesde 2010, tem reintroduzido essa espécie na região da qual estava extinta, principalmente por causa do tráfico ilegal. Até agora, já foram soltos 153 papagaios-de-peito-roxo e há mais 36 no viveiro instalado no parque, esperando para viverem livres na natureza.
Mas a missão do instituto desta vez está ameaçada porque, na noite de quarta (12/3) para quinta (13), foram roubados todos os equipamentos de proteção e monitoramento do viveiro. Câmeras que funcionam como armadilhas fotográficas, muito usadas por pesquisadores, e também ajudam a monitorar as plataformas de alimentação, além de todos os cadeados e correntes que as protegiam e mantinham a porta fechada.
“De manhã, as duas biólogas que estão em campo encontraram a porta aberta. Entram no viveiro para verificar se os papagaios estavam bem e, em seguida, perceberam que as câmeras tinham sumido”, conta Vanessa. “Não acredito que quem roubou os equipamentos tinha intenção de levar os papagaios. Já poderiam ter feito isso, mas tiveram o cuidado de fechar a porta com uma tranca externa”. E completa: “O sistema é seguro. Isso nunca aconteceu. Por isso, agora, estamos apreensivas”.
Assim que foi avisada do ocorrido, Vanessa acionou, por whatsapp, o que o grupo chama de Rede de Proteção ao Papagaio-de-peito-roxo, formada por instituições locais, regionais e nacionais como órgãos ambientais – como ICMBio (instituição que faz a gestão do parque já que é uma unidade de conservação federal),Ibama -, pessoas-chave no processo de soltura, e as polícias ambiental, militar e civil.
Ela conta que essa rede foi criada após reunião que definiu a competência exata de cada instituição para agilizar ações em casos desse tipo. Foi o que aconteceu agora. Lá estiveram integrantes da polícia civil e militar e do ICMBio e foi feito um B.O. (boletim de ocorrência). “Todos comprometidos e engajados. A partir de hoje (14) estão nos apoiando na fiscalização”, explica a Vanessa.
A mídia local foi avisada para que noticiasse o roubo e comunicasse o oferecimento de uma recompensa “para quem tiver informações que nos levem às armadilhas, aos equipamentos roubados. Nossa estratégia é fazer barulho localmente porque, quanto mais a comunidade souber, mas fiscalizadores a gente tem e maior segurança”.
Vale destacar que os equipamentos roubados são caríssimos e foram doados recentemente pelo Parque das Avese pelo ornitólogo Adrian Rupp, guia de observação de aves que atua na região.
“Faz quase um ano que eu comecei a negociar o patrocínio desses equipamentos. E conseguimos. O Parque das Aves doou as câmeras, o cartão de memória e as pilhas. E o Adrian, as caixas de proteção, as correntes e os cadeados. Essa é a tristeza! Um material tão batalhado, ir embora, assim, em menos de uma semana de uso”.
Além de prejudicar o trabalho do instituto, o roubo também impede que a parceria linda com o Parque das Aves e Adrian se complete já que envolvia o compartilhamento das informações obtidas a partir desse monitoramento. Conhecimento científico se expande assim também, com essas parcerias. Quem cometeu esse crime não faz ideia do tamanho do estrago que causou e continua causando.
E se a soltura não puder ser feita?
A priori, a soltura dos 36 papagaios-de-peito-roxo está marcada para amanhã, 16/3, mas tudo depende do que acontecerá nas próximas horas.
Há pouco, Vanessa me deu uma boa notícia: ninguém esteve no viveiro durante esta madrugada. Mas, caso não seja possível dar andamento à missão, as consequências serão terríveis, como ela explica:
“Se os papagaios tiverem que voltar ao centro de triagem de animais silvestres do instituto, não teremos como fazer uma soltura em curto prazo porque teremos que recomeçar o processo de reabilitação de saúde. Além de demorado, este processo é muito caro porque cada papagaio precisa passar por 20 exames. E mais: tudo isso pode inviabilizar a continuidade do projeto, que tanto depende de apoio financeiro, de parceiros, voluntários…. Por causa de um ato de vandalismo”.
Estamos torcendo para que o projeto pode seguir seu curso, mesmo com as adversidades. E que a rede proteção ajude a impedir que mais atos como esse aconteçam e que a comunidade continue ajudando este grupo de biólogas dedicadas à vida silvestre a realizar sua missão.
Se tudo correr bem – e vai! – semana que vem conto mais detalhes desta soltura e também do trabalho lindo desenvolvido pelo Instituto Espaço Silvestre. Quero ver os 36 papagaios-de-peito-roxo, como o dos flagrantes bacanas publicados neste post (registrados pela Vanessa), vivendo livres na natureza.
Fotos: Vanessa Kanaan/Instituto Espaço Silvestre (papagaios) e Divulgação (viveiro)