Fábio Nascimento é mineiro, de Ipatinga, mas sua cidade é o mundo. Não um mundo repleto apenas de belezas (como no retrato acima, feito pelo amigo Lunaé Parracho) e de música (sua paixão), mas também de muita dor e destruição. Talentoso fotógrafo e documentarista, ele mostra tudo isso nas páginas da revista National Geographic Brasil e também em trabalhos que desenvolve para o Greenpeace, o Instituto Sociambiental (ISA), Museu do Índio, Unesco, Amazon Watch, entre outras instituições.
Está sempre “na estrada”, pelas regiões norte e nordeste do país e em outros países da América do Sul, cobrindo temas urgentes como os impactos da extração dos recursos naturais por causa do agronegócio, da mineração, da construção de hidrelétricas… Por consequência, a saúde de povos vulneráveis como ribeirinhos e indígenas está sempre em sua pauta, junto com as ações médico-humanitárias.
É farto o material que ele reúne em seu portfólio. Eu poderia ficar aqui contando muitas histórias lindas de sua trajetória humanista, mas escolhi escrever sobre o Fábio agora por causa do vídeo Refugiados do Desenvolvimento (que você pode assistir no final deste post). Nele, o jornalista resumiu muito bem a realidade que os defensores do crescimento econômico a qualquer custo estão criando há tempos em nosso país.
É um registro precioso que deve ser assistido por todos os brasileiros, feito com belas e cruéis imagens, muito bem acompanhadas por um texto rico e firme – também de sua autoria -, generosamente narrado pelo músico e poeta Chico César, que ele conheceu em alguns contextos de resistência, entre eles a Mobilização Nacional Indígena, em 2015, em Brasília.
A escolha da narrativa
Foi no México, onde documentou a situação da doença de Chagas, que surgiu a oportunidade de criar esse vídeo. “Viajava com Jorge Pedro Martin, médico e grande ser humano, que há anos trabalha com a ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) e hoje é presidente da plataforma sobre essa doença na Drugs for Neglected Diseases Initiative (DNDi)”, conta. “Em nossas conversas, falei dos projetos que eu tinha feito e ele me convidou para participar de uma mesa de debates sobre os impactos sociais e ambientais da extração de recursos em nosso país, na Assembleia Latino-Americana da MSF. Eles queriam o ponto de vista de alguém que não fosse médico”.
Fábio aceitou o convite, mesmo com sua rotina maluca de viagens. Naquele período, trabalhava em vários países latinos e também na Amazônia. Não teve muito tempo para preparar o vídeo, mas desde o início da conversa com Martin sabia o que queria fazer. “Juntei várias histórias que eu presenciei ao longo dos últimos anos, depois que voltei a morar no Brasil. Histórias ligadas à mineração, às hidrelétricas, ao monocultivo, às invasões de terra, ao roubo de recursos em territórios indígenas… Naquele momento, eu relia Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, e me espantava com a atualidade de tudo que ele contou, em 1971. Agradeci a inspiração e lamentei que nada tivesse mudado. Ao contrário”.
Inúmeras histórias captadas pelo documentarista para a National Geographic Brasil, o Greenpeace, a Unesco e a LAG Noruega (Comitê de Solidariedade para a América Latina) estão selecionadas há um tempo para compor outros projetos, mas, naquele momento – e a partir da conversa com o médico -, rapidamente se encaixaram para compor a narrativa que ele queria apresentar no tal encontro. “Eu e Martin percebemos que estamos mais preocupados com o modelo vigente do que com cada caso isolado. Isso vale tanto para o socioambiental como para a saúde, a habitação… Queria falar do modelo de desenvolvimento que desrespeita modos de vida, populações inteiras e biomas”. E completou: “O convite da MSF serviu para me ajudar a condensar essas histórias em um curta e estrutura-las em um pensamento mais sistêmico”.
A riqueza da terra leva à pobreza… Que contradição!
O vídeo produzido para o debate ganhou narração em inglês, com legendas em espanhol. Mas, quando Fábio voltou ao Brasil, escreveu logo para Chico César para fazer-lhe um convite. “Queria ter uma versão em português e, por alguma razão, senti que ele deveria contar aquela história. Muito generoso, Chico rapidamente aceitou”. Não foram necessários mais do que dois encontros para que o trabalho fosse finalizado “porque a narração vinha do coração. Chico é um cara de muito amor!”.
Em apresentações informais para os amigos, Fábio foi incentivado a compartilhar o vídeo nas redes sociais. “Fiquei com bastante dúvida por ser muito triste, mas a verdade é que vivemos muitas coisas tristes no modelo econômico e social atual…”. E foi por isso que descobri Refugiados do Desenvolvimento. Li post do Fábio sobre o vídeo em um grupo do qual fazemos parte no Facebook e fiquei apaixonada. Na hora, deu vontade de espalhar esse belíssimo trabalho, que é o que faço agora, com este post.
Nos conhecemos em 2012, quando cobrimos a Rio+20 (Conferência de Desenvolvimento Sustentável da ONU, realizada no Rio de Janeiro), mas confesso que não tinha ideia da dimensão (ou seria imensidão?) exata de seu trabalho. Fiquei feliz ao descobri-la por causa do vídeo (assisti a vários outros em seu canal) e também navegando pelo seu site (recomendo os dois porque são lindas viagens, principalmente pelo Brasil!) e, também, a partir de seus relatos emocionados.
“Muitas vezes, sinto um privilégio enorme por fazer este trabalho, por ter este ofício, ir a esses lugares para fotografar e filmar. Também sinto o peso de estar sempre em zonas de conflito por terra, água, dignidade e poder fazer tão pouco. Recentemente, estive no extremo sul da Bahia para cobrir as consequências do cultivo de eucalipto pela indústria de celulose e, também, fiz duas viagens ao longo do Rio Doce. É bastante grave! Chegamos a pontos avançados demais da destruição dos territórios”.
Como diz em seu texto narrado por Chico César no vídeo, “o progresso no Brasil não previu uma coisa: gente. Cada vez mais pessoas estão nas estradas, sem o trabalho do campo, onde o latifúndio reina” e “a riqueza da terra leva à pobreza os que nela vivem para nutrir a prosperidade de outros”. Os brasileiros que sofrem com essa exploração sem limite “são refugiados do desenvolvimento, que não encontram refúgio para sua alimentação, sua saúde, seu sustento, seu modo de vida, sua dignidade”.
Me sinto privilegiada por poder escrever sobre Fábio e seu trabalho inspirador, aqui. Agora, assista ao vídeo e veja se não tenho razão… Depois, espalhe o vídeo por aí. Ele merece ser visto por todos os brasileiros para que a voz de todos os que sofrem diretamente com a devastação seja cada vez mais ouvida.
Fotos: Lunaé Parracho (retrato do Fábio) / Reprodução do vídeo
O ser humano, o único ser autodestrutivo.
Monica, quantas lágrimas ainda lhe restam para chorar a estupidez desse mundo cheio de coisas medonhas? Seu trabalho é maravilhoso quanto ao deste anjo-de-guarda. Obrigado, amiga. Deus a guarde e ao planeta!
Parabéns por mais este aviso lindo, mas infelizmente a população esta destruída e o globo terrestre se afundou e todos nós somos responsáveis.
Olá Marcio!
Obrigada por seu comentário.
Sim, a situação é bem grave, como mostra o documentarista Fábio Nascimento, mas não podemos desistir desses povos. Por isso, pessoas como Fábio e nós do Conexão estão empenhadas em disseminar conhecimento e inspirar para a ação. Não desista! Procure encontrar uma forma de colaborar para mudar essa realidade tão injusta.
Grande abraço
Mônica, me desculpe a franqueza, mas acredito que você, tal qual a maioria das pessoas, deve ter ficado tocada pelas impactantes imagens registradas pelo Fábio Nascimento. Principalmente vindo estas acompanhadas de um texto trágico, lido pausadamente pela figura icônica de Chico César que endossa a narrativa de luta contra essa “hecatombe socioambiental”.
Infelizmente parece que neste clima acabaram esquecendo de fazer uma pequena, porém fundamental, análise:
Esse vídeo realmente retrata o contexto geral ou só mostra um lado da história? Categoricamente ele ficou somente com a segunda. E se figurou pela sua cabeça algo como – “Ah, então é isso que você quer, é sempre assim, desmerecer o lado do oprimido…” – já lhe adianto que não é nada disso. Sou Engenheiro e Mestre em Ciências Florestais por formação e acadêmico de Direito “por paixão”, o que aliás me leva sempre a buscar a dialética.
Existem sim muitas comunidades indígenas, comunidades quilombolas e outras tantas comunidades, reconhecidamente tradicionais ou não, que têm seus direitos muitas vezes desrespeitados “em nome do progresso”, o que eu nunca concordei e jamais concordarei. Penso que estes devem ser ouvidos, uma vez que fazem parte do tecido social e merecem o mesmo respeito que qualquer outra pessoa.
O erro crasso que este vídeo comete, ao menos na minha opinião, é somente retratar um lado. E pior, veicular “pseudoinformações”, de possíveis lideranças, sem qualquer tipo de embasamento ou ponderação. Aqui chamo mais a atenção sobre a questão do setor de silvicultura, o qual possuo um pouco mais de domínio e tenho condições de opinar.
Quando por volta de 02:30 min. um senhor da comunidade fala que “…Aqui é o que restou do rio Santa Cruz. Um rio que já foi inclusive navegável. Hoje, o que resta aqui é isso. Sem contar que essa água aí ela não tem utilidade nenhuma para uso. É uma água que está totalmente contaminada, porque a carga de agrotóxico que é jogada no eucalipto aí para cima é é é… incalculável!”.
1º O INPE e outros institutos estudam há décadas fenômenos como da desertificação, rios aéreos, desregularização dos regime pluviométricos e tantos outros para nada. Sim, porque este senhor tem “a resposta cabal para a diminuição de vazão do rio: o eucalipto!” (desculpe o tom jocoso, mas é que essa foi muita apelação).
2º A água está contaminada de quê? Qual a base dele para afirmar isso ou mesmo que se aplica uma quantidade de agrotóxicos “incalculável”? Uma afirmação dessas beira as raias da loucura. Ou do sensacionalismo que tanto gostam muitas pessoas de mau-caráter;
3º Se essa contaminação de fato aconteceu, por favor, façam uma denunciem o Ministério Público Estadual, a Secretaria de Meio Ambiente e outros órgãos responsáveis da Bahia, porque não estão nem de longe cumprindo seu papel.
Este vídeo me causou indignação porque desconsidera que, embora existam sim muitos conflitos e outros problemas oriundo do uso de recursos naturais, há também muita gente séria trabalhando para equalizar a situação e propiciar um desenvolvimento que seja o mais sustentável possível.
No Setor Florestal mesmo, me sinto privilegiado por poder trabalhar com Certificação FSC e PEFC, que são sistemas internacionais que levam em consideração todos os aspectos de sustentabilidade (econômico, ambiental e social), o qual recomendo se inteirar:
https://br.fsc.org/pt-br
http://www.pefc.org/
Além desses, há ainda o “DIÁLOGO FLORESTAL” (http://theforestsdialogue.org/), que é um programa internacional para aumentar o engajamento entre organizações e partes interessadas (stakeholders), gerando excelentes resultados na solução de conflitos e adequação das práticas de manejo florestal, tanto de áreas de florestas nativas quanto plantadas (como eucalipto e pinus, por exemplo).
Peço desculpas se de alguma forma soei ofensivo, pois não era essa a minha intenção.
Apenas faço aqui uma crítica construtiva e me coloco inclusive a disposição para participar de discussões ou mesmo compartilhar materiais e experiências, de forma que pensemos como edificar de fato melhores relações nesse delicado e tão complexo equilíbrio entre “produção x conservação”.
Somente como curiosidade e demonstração de que é possível sim produzir e conservar ao mesmo tempo, a Sociedade de Investigações Florestais (SIF), uma divisão de pesquisas da Unidade Federal de Viçosa (UFV), divulgou recentemente um estudo que comprova que o setor da Indústria Floresta protege 5,6 milhões de hectares de áreas naturais no Brasil. Em outras palavras, para cada 100 hectares de florestas plantadas, esse setor conserva 70 hectares de áreas naturais, cifra que dificilmente encontrarão em setores como agropecuária, mineração ou construção.
Segue o link para leitura:
http://www.sif.org.br/noticia/industria-florestal-protege-56-milhoes-de-hectares-de-areas-naturais
André, tudo bem?
Obrigada pelo comentário com tantas informações. Assim, o debate fica rico. :-)
E não precisa se desculpar, não! Você não sabe a alegria que é ler um comentário tão bem embasado como o seu.
Consideramos muito importante trocar experiências e impressões e este espaço é democrático: acolhe todos que estão a favor da vida, que fazem a diferença com suas ideias e ações, e ajudam a proteger recursos naturais, os brasileiros e o Brasil.
Fiquei muito apaixonada pelo vídeo do Fábio Nascimento, é verdade. Não só pelas lindas imagens que produziu, nem pelo texto ou pela fala melódica do Chico César, mas por seu conteúdo, por dar voz a quem nunca tem e é ameaçado todos os dias pela ganância de poucos. E também porque o assisti logo depois que voltei de uma viagem às terras dos índios Krahô, no Tocantins. Lá, vi muito do que Fábio contou com o vídeo. Aquela etnia está ameaçada, perdendo sua identidade e o pouco que lhe resta de dignidade.
Sabemos que a devastação avança, todos os dias, e que, se depender dos interesses da maioria das empresas e do Congresso, isso não terá fim. Hoje, mesmo, o Senado está votando um Programa para tirar mais direitos desses povos e a pouca proteção que o meio ambiente ainda tem.
Não cabia no vídeo de oito minutos do Fábio – realizado para acompanhar sua palestra em uma conferência dos Médicos Sem Fronteiras – apresentar iniciativas que estão dando certo e não cometem atrocidades como as que ele apresentou. Afinal, o trabalho dele é mostrar aquilo que os interesses econômicos querem esconder: a situação pela qual passa a maioria dos povos tradicionais e o que acontece com a natureza quando se resolve investir, por exemplo, na mineração ou em uma floresta inteira de eucaliptos. Ou seja, quando não se planeja ou não se tem interesse em estudar a fundo o que é possível fazer para crescer e preservar ao mesmo tempo, e também não liquidar com a identidade e a tradição – nem com a saúde e o bem estar – de quem vive naquelas terras.
Mas é claro que sei que conservação e desenvolvimento podem conviver e que existem boas iniciativas nesse sentido, como vc bem apontou. Já divulgamos inúmeras delas aqui, inclusive por intermédio de alguns colaboradores (jornalistas, especialistas etc), que integram o Conexão.
Trabalho disseminando notícias sobre sustentabilidade ambiental, social, econômica e cultural há quase dez anos e, por isso, quando eu e duas amigas jornalistas (trabalhamos juntas) criamos o Conexão Planeta, definimos como missão disseminar não só as más noticias, mas boas histórias e narrativas positivas. No caso do texto que escrevi sobre o Fábio, a boa história é a dele, o documentarista que ajuda a apresentar o que está acontecendo pelo país e sensibilizar o brasileiro para a ação positiva, também.
Gostei muito de suas indicações e agradeço muito ter dedicado tempo para compartilhá-las com a gente.
Escrevi sobre o Diálogo Florestal – versão brasileira do The Forests Dialogue – em agosto. Eis o link:
http://conexaoplaneta.com.br/blog/animacao-mostra-como-superar-conflitos-usando-o-dialogo-como-inovacao-dialogo-florestal/
Realmente, é uma iniciativa muito interessante, que deve ser disseminada e adotada.
Conhecemos as certificações que vc cita e reconhecemos a importância desse trabalho.
Também gostei muito de saber do estudo sobre o qual comenta.
Vou ler esse material e voltamos a falar em breve, ok?
Muito obrigada por seu comentário, pelo interesse em nosso trabalho e por compartilhar tanta informação.
Grande abraço
Na verdade o que o Fábio fez foi mostrar o lado esquecido, o elo mais fraco que é atropelado, jogado ao esquecimento em nome do progresso. Não entendo que ele foi injusto ao mostrar somente um lado. Na verdade ele mostrou apenas o lado que ninguém ver, ou quase ninguém, afinal o que é uma comunidade ribeirinha em comparação com a Usina Belo Monte? Quem gera mais emprego? Afinal o que é um rio em comparação com o eucalipto que produz enorme quantidade de celulose e desencadeia empregos e renda na nossa sociedade? Se mensura o quanto gera mas pouco se calcula o quanto degenera. Entropicamente quanto se perde ao produzir o progresso? Aqui cabe aquele verso de uma música do Gessinger: “Desde quando poluição é progresso, desde quando o progresso é melhor?” Que lado ouvir? O que nos dá conforto no dia-a-dia em troca de algo nefasto no futuro, talvez o futuro já seja presente, ou o “papo ambientalista”, hipponga anti-progresso? Enquanto isso vamos “caminhando e cantando a canção”… Não, cuidar do planeta, da vida, da natureza (não esqueçamos que nós somos naturais, ao menos eu acho) não é algo apenas para as ongs, ambientalistas etc… Cuidar para que tenhamos um futuro é obrigação, dever de todos. Enquanto esperamos deus vir fazer o julgamento final esquecemos que nós, seus filhos, estamos destruindo tudo na maior tranquilidade. Vivemos em um planeta com elos e em que nós seres humanos estamos ligados e dependentes. Não fechemos os olhos para isto…