Faz 12 dias que o Instituto Vida Livre apresentou Marcelinho para Marcelinha (e vice-versa), dois macacos-pregos que chegaram à sua sede “em momentos diferentes, mas com a mesma história que, infelizmente, sempre se repete”: ambos sofreram mutilações (ele perdeu os dois braços em setembro de 2022, ela, um, em fevereiro deste ano) devido a choques na rede elétrica da Light, no Rio de Janeiro.
Assim que chegaram ao Vida Livre, o trabalho dos veterinários ficou focado no tratamento dos ferimentos e na sua recuperação, de forma a garantir menos sofrimento, minimizando o estresse e oferecendo conforto físico e psicológico, além de muito amor.
Faz parte da recuperação o apoio de parceiros como a chef Roberta Sudbrack, que visita o instituto com frequência e, em dois desses momentos, cozinhou e fez um picolé para Marcelinho (Marcelinha não havia chegado ainda). Veja quanto mimo, aqui e aqui.
Os dois jovens macacos-prego já se recuperaram muito bem, mas estão condenados a viver em cativeiro. Por isso, estão sendo preparados para, de acordo com suas limitações, partir para uma nova vida, com dignidade e acessibilidade, num santuário, “o que é muito mais saudável para macacos que são animais que vivem em bando”.
Aproximá-los, portanto, faz parte desse processo. “A ideia é que eles se conheçam e possam viver juntos, em breve, num lugar mais confortável”, explica Roched Seba, fundador e diretor do instituto. “A aproximação dos dois é uma parte importante do manejo”.
“Namoro no Portão”
Foi com essa expressão carinhosa que o instituto iniciou post publicado no Instagram para mostrar como está sendo feita a aproximação entre Marcelinho e Marcelinha: suas gaiolas foram colocadas lado a lado. Assim que se viram, pelas grades, chegaram mais próximo e se observaram. Lindo demais!
A torcida para que eles se entendam, se gostem e vivam juntinhos em sua nova casa é enorme. E deu match! “A cada dia os dois macaquinhos ficam mais próximos e nós seguimos na esperança de vê-los juntos e felizes”, declarou o instituto há alguns dias. Mas, hoje, finalmente, eles se encontraram na gaiola de Marcelinha e foi lindo (foto acima).
Na semana passada, em novo vídeo, Seba aparece oferecendo o petisco favorito dos dois, também como forma de aproximá-los (assista aos dois registros no final deste post).
“Em breve, eles ficarão juntos e seguirão para um mantenedor de fauna autorizado pelos órgãos competentes e com toda assistência que o manejo de animais silvestres necessita”. E o instituto ainda ressalta:
“Macacos-pregos são animais que, em vida livre, percorrem longas distâncias, em grupos familiares com laços fortes durante a vida toda, por isso unir Marcelinho e Marcelinha é positivo para a qualidade de vida dos dois”.
Claro que ser privado da liberdade e ter que viver em cativeiro é cruel, mas, diante da tragédia sofrida pelos dois e à qual sobreviveram, a possibilidade de viverem num local que respeita a vida silvestre é uma benção. E, também, um exemplo para todos nós: afinal, animal silvestre não é pet, nem brinquedo!
Falta de diálogo
Desde maio de 2022 o Instituto Vida Livre vem tentando diálogo com a Light – sem sucesso! – para colocá-la a par de sua responsabilidade sobre os impactos que causa na fauna, além de obter suporte para cuidar dos animais que chegam à sua sede e propor caminhos possíveis para a prevenção de novos acidentes.
Em 12 meses – até maio deste ano -, o instituto socorreu 28 animais que se acidentaram nos fios da Light em função da eletrocussão: gambás, ouriços, preguiças, coruja, jiboia e macacos-prego e bugio.
A maioria não resistiu aos ferimentos e morreu (foram 22) – como uma fêmea de bugio, em 12 de abril -, dois animais foram recuperados e devolvidos à natureza, um resgatado no poste (a tempo de evitar o choque) foi tratado e liberado, um está em tratamento e dois – Marcelinho e Marcelinha – na fase final de recuperação e preparação não para retornar à natureza, mas viver em local restrito, mas saudável, como contamos.
O último a chegar ao instituto foi o jovem macaco-prego Nino, em 8 de maio (levado até lá pelo Corpo de Bombeiros), que sofreu queimaduras numa das pernas, na coxa e no pé.
“É um absurdo e uma vergonha que o país que tem a maior biodiversidade do planeta não disponha de uma legislação que obrigue as empresas a se responsabilizarem pelas ameaças e impactos que causam à fauna!”, escreveu a organização em 16 de maio, em seu Instagram. “Se Marcelinho fosse uma geladeira que queimasse num pico de energia, o dono seria ressarcido!”, completa a ONG.
Projetos de lei: um parado, o outro avançando
Em setembro, completam-se 12 anos do projeto de lei de autoria do prefeito Eduardo Paes, quando era deputado estadual, que determinava que toda a rede de fiação deveria ser subterrânea. O texto dava prazo de cinco anos para que a Light (responsável por 15% dos 390 mil postes da cidade) e concessionárias aterrassem seus fios e cabos.
Em 2021, Paes tornou-se prefeito pela segunda vez e a cidade continua com sua fiação inteiramente aérea. Logo depois da vitória, questionado pelo G1 sobre essa situação, ele respondeu:
“As leis são aprovadas, o decreto é feito, mas elas (concessionárias) vão sempre alegar que a concessão federal, o direito de explorar aquele serviço, não previa essa ou aquela obrigação, entre elas o aterramento. Então, a gente precisa de uma percepção do governo federal que a vida acontece nas cidades e que o governo federal, quando fizer uma concessão que seja de sua atribuição, deve pensar naquilo que acontece nas cidades”.
Em 2021, o decreto foi judicializado e levado ao Supremo Tribunal Federal, que defendeu as empresas, determinando, ainda, que não cabia recurso. Na ocasião, a Light divulgou nota na qual declarou que “a conversão de toda a rede aérea do município seria de R$57 bilhões” e que, tal custo, seria repassado para o consumidor com aumento estimado de 80% no valor da conta de luz.
No mesmo ano, o deputado federal Paulo Ramos (PDT/RJ) apresentou projeto de lei na Câmara – PL 88/2021 – que fixa prazo de dez anos para que concessionárias de rede elétrica e de telefonia, troquem (com consentimento do município) as instalações aéreas por fiações subterrâneas, nas vias públicas, assumindo os custos e não os repassando para os consumidores.
O projeto está em tramitação na Câmara: em 26 de maio, a Comissão de Minas e Energia reabriu o prazo para emendas dos parlamentares, encerrando-o em 7 de junho, sem nenhuma proposta.
Política de Prevenção
Por fim, em 15 de fevereiro deste ano, o deputado federal Marcelo Queiroz (PP/RJ) apresentou o Projeto de Lei (PL) 564/23, que institui Política de Prevenção de Acidentes Elétricos com Animais Silvestres que, além de obrigar as concessionárias de energia a fazer adaptações e melhorias nas redes, as responsabiliza pelo custeio, resgate e treinamento de animais feridos.
Em resposta, a Light divulgou nota declarando que contribui para a preservação do meio ambiente e a prevenção do risco de eletrocussão de animais silvestres fazendo podas em árvores! Leia a íntegra:
“A Light acredita na importância de zelar pela preservação do meio ambiente e prevenir o risco de eletrocussão de animais silvestres. Para isso, a companhia realiza planos cíclicos de poda de árvores, o que afasta os animais da rede elétrica. Anualmente, são podadas mais de 60 mil árvores na cidade do Rio e 150 mil árvores na sua área de concessão”.
E completou: “Também são implementados, estrategicamente, protetores e mantas para minimizar o contato direto dos animais com pontos energizados da rede”.
O PL 564/23 está sendo analisado pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Minas e Energia, Finanças e Tributação, Constituição e Justiça, e Cidadania.
Se tudo caminhar bem, em breve teremos uma legislação que obrigará as concessionárias de energia a respeitarem e serem responsáveis pela fauna que convive com a gente nas grandes cidades porque invadimos seu habitat (saiba mais detalhes do PL 564/23 aqui).
Agora, assista aos vídeos publicados pelo Instituto Vida Livre com Marcelinho e Marcelinha:
Apoio
O Instituto Vida Livre é uma organização não-governamental que trabalha na reabilitação e soltura de animais em situação de risco no Rio de Janeiro.
Apoiado por personalidades como Ney Matogrosso, Glória Pires e Marisa Monte – que já participaram de diversas solturas – também depende da doação do público (qualquer quantia!) para manter sua estrutura e os atendimentos.
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Fotos: Instituto Vida Livre