Na semana passada, o amor da cachorrinha vira-lata Lucimara por seu dono comoveu todos que circularam pela Santa Casa de São Paulo, durante dois dias.
Seu dono – deficiente visual em situação de rua – chegou ao pronto-socorro, em sua companhia, com escoriações pelo corpo e dores no tórax e na cabeça, logo depois de ser atropelado.
Foi atendido na emergência, mas ela teve que ficar do lado de fora. Lucimara fixou o focinho na porta de aço, que se fechou assim que o amigo entrou. E logo começou a latir, inquieta.
“Chegou um paciente vítima de um trauma e a dificuldade é que ele é deficiente visual, mas veio junto com ele uma cachorrinha. Aí foi uma comoção entre todos da equipe”, contou Fábio Agostini do Amaral Gomes, gestor-médico dos prontos-socorros da Santa Casa de São Paulo, ao G1.
Assim que identificaram o motivo que a desesperava, funcionários do hospital levaram um cobertor para que ela pudesse se aninhar, tornando a espera menos desconfortável.
Sabiam que o paciente permaneceria um bom tempo em observação e fazendo exames, então, se uniram para comprar comida e oferecer água para sua fiel companheira. Tudo ajudava a acalmá-la por breves momentos, mas logo vinha o desespero.
Lucimara ganhou um crachá de visitante – que aparece grudado em seu corpo, na foto. Mas, “no decorrer da história, o administrativo resolveu identificar a cachorrinha como pertencente ao paciente, e então colocaram uma pulseira no pescoço”, contou o médico.
Ela se acalmou um pouco quando deram à ela uma peça de roupa do dono para que pudesse sentir seu cheiro. Deu certo, mas por pouco tempo. E ela parou de comer a ração e a comida (‘quentinhas’ que os funcionários dividiam com ela) que lhe ofereciam.
Ela voltou a latir, como se fizesse um apelo. E médicos e equipe decidiram deixá-la entrar.
“Há outras pessoas e pacientes no pronto-socorro. A gente tentou fazer de tudo de maneira que não atrapalhasse ninguém e que ela ficasse menos assustada, porque a Lucimara teria que entrar num setor movimentado”, explicou Gomes.
“Tinha uma dificuldade: será que ela vai avançar no técnico de enfermagem quando chegar perto do dono? Só que no final, quando eles se encontraram, foi muito emocionante”.
E, assim, Lucimara conquistou o direito de ficar ao lado da cama de seu amigo, quietinha, e, sem saber, provocou um feito inédito na Santa Casa de SP.
Para o médico, não há qualquer dúvida sobre o direito de o paciente deficiente visual ter o direito à companhia de seu animal. “O momento é de muita fragilidade, tanto para a pessoa, quanto para o animal. Essa separação é ruim para ambos”, ressaltou.
Isso sem falar no apoio emocional que essa presença representa: uma grande ajuda na recuperação.
“E, neste caso, de um deficiente visual em um hospital, um local barulhento, ter a companheira ao lado dele diminuiu a ansiedade, tirou a tensão. Trouxe uma preocupação para toda a equipe, mas gerou muita felicidade. A gente sabe – quem tem cachorro ou gato pelo qual tem afeto -, que sua família acaba sendo o animal”.
Em tempos de tanto desamor e falta de empatia e de solidariedade, esta história é um alento. Nos faz refletir sobre os limites que impomos aos outros e a falta de um olhar mais compassivo não só para os humanos, como para os animais, que são seres sencientes, como comprova a Ciência.
Lucimara queria ficar perto de seu dono. Integrou-se às condições locais, não deu trabalho e ainda encantou todos que ali trabalhavam. Quando o amigo teve alta, a despedida foi uma alegria, recebeu a atenção e o carinho da equipe médica.
Fotos: Fábio Agostini do Amaral Gomes, médico da Santa Casa de SP/arquivo pessoal
Fontes: G1, Folha de SP