
Em meio à pandemia, gradativamente retomo a paixão pela busca de histórias e imagens que revelem os encantos do mundo natural. Mantendo os protocolos de biossegurança e de distanciamento social, fui sozinho ao rio Olho d’Água, em Jardim, Mato Grosso do Sul.
A ideia era fotografar e gravar pequenos vídeos que mostrassem a importância da vegetação das margens do rio para algumas espécies de peixes. Só não contava com a chuva forte, que veio bem mais intensa do que aquela prevista pela meteorologia.
Ciência pode errar, mas felizmente não tem dogmas para corrigir seus erros. Ainda bem que, ao final, deu tudo certo.
A proteção da mata

Área de Preservação Permanente-APP) e o fato de o rio Olho d’Água estar dentro de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) / Foto: José Sabino/Natureza em Foco
A chuva ajudou a mostrar o papel protetor que a mata ciliar desempenha sobre rios e riachos: a densa copa das árvores, combinada com raízes profundas, protege o solo do impacto direto da água, evitando a erosão.
Ao desacelerar e reter o fluxo da água, a mata ciliar contribui, ainda, para a manutenção do ciclo hidrológico.
Em Jardim e Bonito, há também uma função extra, que é ajudar a manter as águas transparentes, sem a qual não é possível fazer a atividade mais desejada pelos turistas que visitam a região: a flutuação nos rios cristalinos.
A “parceria” entre o ambiente terrestre e os rios não termina aí.
A mata ciliar fornece alimento para várias espécies de peixes dos rios da Serra da Bodoquena. Frutos, folhas e insetos compõem o cardápio de itens que caem na água e são aproveitados como alimento pelos peixes.

na imagem acima. Foi lá que flagrei o pulo do peixe para pegar o fruto e
a água cristalina do rio, apesar da chuva intensa
Salto vital
Entre os peixes que têm profunda relação com a mata ciliar, a piraputanga (Brycon hilarii) é destaque.
Além de pegar frutos que caem na água, ela apresenta um incrível comportamento de saltar em busca de frutos pendentes dessa mata.
Esse curioso comportamento já foi registrado no passado em pesquisas do Projeto Peixes de Bonito.
O peixe posiciona o corpo perpendicularmente à superfície e – “apoiado” com as nadadeiras peitorais e caudal – dá um vigoroso salto para fora d’água, abocanhando o alimento avistado na superfície. Em geral, elas comem frutos e, às vezes, folhas tenras da vegetação marginal.
A seguir, o flagrante do salto de um piraputanga para pegar o fruto no pé, em fotogramas do vídeo que registrei nesta viagem.






para dentro da água, ainda no galho, até que este se quebre
Jardineira do rio
Entre abril e junho, é comum que a planta popularmente conhecida como cafeeiro-da-mata (Psychotria carthagenensis), frutifique nas matas ciliares dos rios da RPPN Fazenda Cabeceira do Prata. Esse grupo possui plantas com substâncias bioativas, incluindo a Psychotria viridis da Amazônia, com a qual se prepara o chá para o ritual do Santo Daime.
Além de alimentar o peixe, há também o potencial de que as sementes sejam dispersadas e ajudem na recomposição da mata ciliar.
Incrível! As piraputangas atuam como jardineiras do rio!
Agora, veja os fotogramas do vídeo que produzi no rio Olho d’Água, no Recanto Ecológico Rio da Prata (publicado em seu perfil no Facebook) durante a chuva intensa: veja como suas águas permanecem cristalinas!
Isso é graças à conservação da mata ciliar em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) sobre a qual comentei acima.

no fundo, a tranquilidade e a transparência continuam intactos


Fonte: REYS, P.; SABINO, J.; GALETTI, M., 2008 Frugivory by the fish Brycon hilarii (Characidae) in western Brazil. Acta Oecologica (Montrouge), v. 10, p. 1016- 1022.
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Edição: Mônica Nunes
Foto (destaque): José Sabino/Natureza em Foco