A praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, foi, mais uma vez, cenário de protesto pela vida organizado pela ONG Rio da Paz em repúdio às mortes de quase quatro mil crianças palestinas na Faixa de Gaza.
Na última sexta-feira (3/11), a partir das 4h (madrugada), 120 tecidos brancos foram abertos e enfileirados na areia. Em seguida, os integrantes da organização usaram pás para jogar areia em cima deles, os enrolaram e pintaram partes com tinta vermelha para criar mortalhas, que representavam as crianças palestinas que morrem todos os dias devido aos ataques do governo de Israel.
Ao lado de cada mortalha, foram colocados o nome de uma criança morta, uma bandeira Palestina e uma rosa vermelha.
Às 6h, a instalação foi finalizada com uma grande faixa que dizia: “Why?”(Por que? em inglês). E, às 10h45, uma cova foi cavada na areia para o enterro simbólico das crianças (foto abaixo).
Quando o ritual terminou, todo o material foi recolhido pelos integrantes da ONG, encerrando o protesto.
Hoje, faz 29 dias desse terror imposto ao povo de Gaza com a justificativa de matar os terroristas do Hamas que atacaram Israel em 7 de outubro, mataram 1.422 pessoas, feriram 5.431 e levaram cerca de 200 reféns para os subterrâneos da Faixa.
Até ontem, foram contabilizados 9.488 palestinos mortos em Gaza, sendo quase 4 mil crianças, e mais 151 palestinos assassinados pelo exército israelense (por vezes, com a colaboração de colonos) na Cisjordânia.
Um ato contra a guerra
“Este ato não é um ato contra Israel. É contra a guerra!”, explicou Antônio Carlos Costa, fundador da Rio da Paz, a uma rede de TV internacional. “Porque não é possível que, em nome do direito de autodefesa você lance um míssil na direção de uma área densamente povoada, sabendo, de antemão, que vai despedaçar corpos de meninos e meninas!”.
“Nós julgamos que o caminho tomado por Israel não atende as demandas da Justiça e do Direito. É uma estranha forma de se defender porque está matando crianças, está causando comoção mundial, despertando indignação em todas as nações, destruindo a infraestrutura de uma nação pobre, expondo seus jovens soldados ao risco de morte, misturando sangue de terrorista com sangue de bebê, sem apresentar para o mundo uma solução para o problema”, diz ele em vídeo no Instagram.
“Então, nos estamos aqui num ato de solidariedade às famílias enlutadas e em memória das crianças que não têm nada a ver com essa história, que estão morrendo e, por motivos óbvios, não têm como exercer o direito de se defenderem. Quatro mil aproximadamente foram mortas desde que Israel começou a enviar essa chuva de mísseis sobre Gaza. Portanto, não somos contra o direito de autodefesa, mas contra o caminho empregado por Israel”, completa.
Caminho errado para a autodefesa
Por outro lado, Costa diz que não se pode considerar a ação do Hamas, em 7 de outubro, como a luta do oprimido contra o opressor. “Não é luta do oprimido contra o opressor praticar estupro, degolar crianças, executar famílias inteiras. Isso é barbárie!”, declarou à Agência Brasil.
Ele ainda lembra que a questão tem a ver com o Brasil porque o planeta é pequeno e o que ocorre lá reflete aqui. “Se houver uma terceira guerra mundial vai afetar todo o mundo”. E comparou as ações no Oriente Médio e as operações policiais no Rio de Janeiro:
“Nós enfrentamos um problema análogo aqui, no Rio de Janeiro. Muitos justificam as operações policiais usando o mesmo princípio que está sendo aplicado em Gaza, quer dizer, polícia pode entrar na comunidade e matar morador porque, afinal de contas, está caçando traficante. O que é isso? Não podemos elevar à condição de princípio essa espécie de autodefesa, que você na ânsia de matar o bandido – no caso de Israel, o terrorista -, você se esquece de civis inocentes”, observa.
Costa destaca também que o conflito tem dividido o próprio povo de Israel, pois há muitos israelenses radicalmente contrários ao confronto.
“Não consigo imaginar nada de pior que Israel pudesse fazer em detrimento da sua imagem do que essa guerra. As pessoas já não estão falando mais sobre o atentado terrorista sofrido por Israel, mas pelos crimes de guerra que Israel está praticando em Gaza. E essa decisão do Netanyahu [Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel] não representa a totalidade do povo israelense”.
E o ativista finaliza falando, mais uma vez, sobre as mortes de crianças:
“Isso é inaceitável. Isso é crime de guerra! Nós queremos o cessar fogo e não estamos sós, porque o Conselho de Segurança da ONU (com exceção dos Estados Unidos e de Israel), a Anistia Internacional, a Human Rights Watch, os Médicos sem Fronteiras, a Unicef, todo mundo quer o fim da guerra. Estamos aqui apenas nos juntando a essas nações, aos povos em movimento, a organizações humanitárias para pedir pelo óbvio: o cessar fogo imediato”.
Na próxima terça-feira (7/11), quando se completa um mês do ataque do Hamas a Israel e o início do massacre na Faixa de Gaza, a Rio de Paz realizará mais uma manifestação. “Vamos fazer um ato em repúdio ao atentado terrorista e em solidariedade ao povo de Israel, também para pedir a libertação dos reféns dessa facção terrorista”.
Em memória das vítimas da covid-19
Não é a primeira vez que a ONG Rio de Paz ocupa as areias da praia de Copacabana para protestar ou se solidarizar. Em junho de 2020, realizou ato em memória das vítimas da covid-19, mas também como protesto devido à condução da pandemia pelo governo Bolsonaro.
“Decidimos levar para as areias da Praia de Copacabana essa cena emblemática dos cemitérios brasileiros nos quais são enterrados cidadãos brasileiros em covas rasas. Essa é imagem que nos ajuda a entender que Brasil esta nu perante o mundo”, disse Costa ao G1, na época.
Na areia, seus integrantes espalharam 100 cruzes ao lado de covas para lembrar os mortos da pandemia, mas infelizmente a mobilização não transcorreu em paz.
A instalação foi atacada por um homem ensandecido, que removeu várias cruzes dizendo que a mobilização estava aterrorizando as pessoas.
Mas, enquanto ele tirava as cruzes da areia, um outro homem, o taxista Marcio Antônio – que perdeu o filho saudável para a doença, em apenas 16 dias -, as colocava de volta. “Gostaria, por favor, que as pessoas tivessem mais empatia e compaixão pelas pessoas, pelas vítimas, por todos nós”.
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A seguir, assista ao vídeo produzido pela Rio da Paz, no qual Antônio Carlos Costa explica o objetivo do protesto na praia de Copacabana; veja também como foi montada a instalação.
Foto (destaque): Tânia Rego/Agência Brasil