
Na terça-feira pela manhã (25), ao lado do presidente Lula, Nísia Trindade participou da cerimônia de assinatura de parcerias do Ministério da Saúde para o Fortalecimento da Produção e Inovação de Vacinas e Biofármacos – entre elas a que viabiliza a produção da vacina 100% nacional e de dose única contra a dengue (pelo Instituto Butantan). Um fato histórico, como contamos aqui.
Ontem (26), lançou a campanha de Carnaval focada na prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis. Com o tema Bora combinar? Prevenção no Carnaval é sucesso!, faz referência ao clássico carnavalesco Faraó e destaca diversas formas de prevenção oferecidas nas unidades de saúde.
Estes foram seus últimos atos antes de deixar, oficialmente, o cargo de ministra da Saúde, que assumiu no início do governo Lula, em janeiro de 2023.

contra dengue, 100% nacional e em dose única para 2026
Foto: Ricardo Stuckert / PR
O anúncio da demissão foi feito ontem à tarde, em reunião no Planalto, assim como o do nome de seu substituto, Alexandre Padilha, atual ministro de Relações Institucionais. Mas a imprensa vinha especulando sobre a saída de Nísia há algumas semanas – e “fritando a ministra”, além de criar um cenário de conspiração -, como parte de uma reforma ministerial que está sendo implementada “por etapas”.
Em entrevista a repórteres logo após sua saída, ela declarou que a demissão foi explicada por Lula como resultado “deste segundo momento de governo” e que “ele considera importante uma mudança de perfil à frente do Ministério da Saúde, me agradecendo pelo trabalho realizado”.
E prosseguiu: “Creio que o presidente entende que as dimensões técnico-políticas – [este é] meu entendimento do que ele me relatou – são importantes neste momento. É a avaliação do presidente. Disse pra ele e repito aqui: ele é o técnico de um time e faz parte da vivência de qualquer governo a substituição de ministros e isso em nada depõe em relação ao meu trabalho, estou consciente disso”.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Ao que tudo indica, as mudanças estão sendo realizadas com o intuito de fortalecer a posição do governo na relação com o Congresso Nacional e na recuperação da popularidade de Lula.
As trocas de comando dos dois ministérios – Saúde e Relações Internacionais – serão oficializadas durante cerimônia de posse marcada para 6 de março.
A escolha de Nísia e seu legado
Socióloga de formação, com doutorado nessa área e mestrado em Ciência Política, a pesquisadora e professora universitária Nísia Trindade se destacou, entre os anos de 2017 e 2022, na presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e, consequentemente, pelos esforços que empreendeu para mitigar os efeitos devastadores da pandemia de covid-19.
Lembremos que o país estava sob os mandos e desmandos de um presidente negacionista, que incentivava aglomerações e questionava – de forma incansável e truculenta – a vacinação.
A brilhante atuação de Nísia a levou a compor a equipe de transição do governo Lula e ao cargo de ministra da Saúde. A escolha da pesquisadora certamente foi uma forma de acolher a comunidade científica e marcar uma nova fase da pasta, muito diferente do governo anterior.
Festejada, ela reorganizou o ministério e fortaleceu (defendeu) o SUS (Sistema Único de Saúde) e o Calendário de Vacinação: a cobertura vacinal para crianças foi irretocável. Mas as críticas vieram.
Com Nísia, em 8 de abril de 2024, Lula lançou um de seus xodós, o Programa Mais Acesso a Especialistas (PMAE) que facilita o acesso a consultas especializadas pelo SUS. Ele desejava que este programa fosse uma das marcas de seu terceiro mandato e não estava satisfeito com os resultados. Para a ex-ministra, trata-se de um programa que demora para dar resultado, mas “a falta de apoio” dificultou conquistar a “visibilidade desejada”.
Além disso, há duas batalhas perdidas por ela em sua trajetória no ministério: o surto de dengue em 2024 e alguns problemas na gestão do programa de vacinas. Mas o mais crucial, que pode ter levado à decisão de seu afastamento, foi sua falta de “traquejo político”.
Para se ter ideia do que isso significava, basta lembrar que, em fevereiro do ano passado, o deputado federal Arthur Lira, então presidente da Câmara, liderou o envio de um requerimento formal à ex-ministra cobrando a “liberação de emendas parlamentares da Saúde”, com um detalhe: este é o ministério com o maior orçamento da Esplanada dos Ministérios. A resposta? “A pasta” segue “critérios técnicos” para a liberação de tais emendas. Imagine a reação dos deputados à tamanha petulância!
É evidente que Nísia não tinha traquejo para conchavos e acertos políticos a que estão acostumados parlamentares como Lira, que chegou a exigir que o Ministério da Saúde fosse entregue a um deputado do “Centrão”.
Representatividade feminina
A repercussão da saída da pesquisadora do Ministério da Saúde foi grande. Muitos foram os que lamentaram – entre eles, as ministras Marina Silva e Sonia Guajajara e a deputada federal Jandira Feghali, que divulgaram posts muito carinhosos em seus perfis no Instagram. Ficamos abaladas aqui no Conexão Planeta, também. Mas, por outro lado, quem assume em seu lugar não é só um político, mas alguém “do ramo”: Alexandre Padilha é médico infectologista e já esteve à frente desse ministério.
Falo dele mais adiante, mas antes quero destacar outro ponto desconcertante da demissão de Nísia. Ela é a 4ª mulher em cargo de confiança a “cair” num governo cujo presidente defende a representatividade feminina, e será substituída por um homem.
A primeira foi Daniela Carneiro, ministra do Turismo, em julho de 2023. A segunda foi Ana Moser, ministra dos Exportes, em setembro do mesmo ano. E a terceira foi Rita Serrano, primeira presidenta da Caixa Econômica Federal. Todas substituídas por homens de confiança de Arthur Lira: Celso Sabino (União/Pará), André Fufuca (PP/Maranhão) e o economista Carlos Antônio Vieira Fernandes, respectivamente.
Nos dois primeiros mandatos, o presidente Lula teve dez ministras. Hoje, tem nove, mais duas presidentas em empresas estatais (Petrobras e Banco do Brasil). A ex-presidente Dilma Rousseff escolheu mais mulheres para ocupar ministérios: 14.
Mas claro que não posso esquecer que, em maio de 2024, Lula trocou Jean Paul Prates, presidente da Petrobras, por uma mulher: Magda Chambriard. Mas suspeito que tenha sido devido a seu negacionismo climático, que a torna ideal para defender novas explorações de petróleo e desqualificar a crise do clima.
E, em setembro do ano passado, para substituir Silvio Almeida, então ministro dos Direitos Humanos acusado de assédio sexual, o presidente escolheu uma mulher negra: a deputada estadual mineira Macaé Evaristo.
A sorte grande
No final de 2022, o deputado federal Alexandre Padilha foi escolhido por Lula para ser o responsável pela articulação do Planalto junto ao Congresso Nacional. Ele é ministro das Relações Institucionais e, em março, volta a ocupar o cargo de ministro da Saúde.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Médico infectologista, doutor em Saúde Pública e professor universitário, ele esteve à frente dessa pasta no governo de Dilma Rousseff (2011 a 2014).
Uma das iniciativas mais marcantes da gestão de Padilha foi o programa Mais Médicos, odiado por Bolsonaro, pelo seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e seus correligionários (Acabar com esse programa tão potente e necessário foi uma das primeiras medidas nefastas desse governo. O SUS ia pelo mesmo caminho, o que só não aconteceu devido à pandemia da covid-19).
De 2015 a 2016, Padilha trabalhou com o prefeito Fernando Haddad, na cidade de São Paulo, em duas ocasiões: como secretário de relações governamentais e secretário municipal de saúde.
Como Nísia, também tem sofrido críticas na mediação entre governo e Congresso, devido às dificuldades de diálogo, que depende integralmente dos partidos do famigerado ‘Centrão’. Diante desse cenário, a mudança para o ministério da Saúde é a sorte grande.
José Guimarães, deputado federal pelo Ceará e líder do governo na Câmara dos Deputado, pode substituir Padilha, mas ainda não está certo.
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Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
Com informações da Agência Brasil e do G1