A água que escorre farta na maior bacia hidrográfica do mundo cruza montanhas, sem enxergar fronteiras. Uma imensidão chamada de Cordilheira dos Andes está relacionada à chuva que despenca sobre a Amazônia.
A ciência estuda agora o ciclo que a natureza há milênios repete: todas as massas de ar que vêm da Amazônia baixa do Brasil e Peru são as que chocam com os Andes e provocam grandes quantidades de chuva.
Um processo sincronizado sustenta um ciclo hidrológico essencial, responsável por um quinto da água doce do planeta. Tão antigo, tão necessário e tão ameaçado. O topo da cordilheira já não é tão branco como no passado.
O Chile tem uma das maiores reservas de água doce do mundo fora dos polos norte e sul. Uma riqueza que desafia a gravidade, congelada no alto das montanhas. Porém, as abundantes geleiras, fonte desse tesouro guardado pela natureza, estão derretendo rapidamente, a olhos vistos.
Um desastre ecológico de proporções inimagináveis, como revela a foto de Adriano Gambarini, no destaque deste post.
Qualquer alteração ambiental já afeta as populações e a sobrevivência de gente, bicho e planta na região, um dilema econômico e político para o governo de um dos países mais ricos e desenvolvidos da América Latina.
Além da cordilheira que preserva a água, o Chile é reconhecido por abrigar o deserto mais árido do planeta. O calor que assola o Atacama agrava a seca em todo o território. A reserva gelada construída ao longo de milhares de anos tem recuado, em média, um metro por ano.
O alerta dos pesquisadores é assombroso: em menos de 20 anos, algumas geleiras serão riscadas do mapa. Mais de 7 milhões de pessoas que moram na região metropolitana da capital Santiago dependem das geleiras para a maior parte de seu abastecimento.
A pecuária e a agricultura sofrem na mesma proporção.
E como se já não fosse grave o bastante, o Chile é o único país do mundo que tem 90% de sua água privatizada. A fonte da vida, declarada direito fundamental pela Organização das Nações Unidas, por lá não é direito. É bem.
O Código de Águas autoriza a compra e venda de recursos hídricos como qualquer mercadoria mediante transações financeiras, além da própria gestão do saneamento, desde a década de 1970.
Empresas internacionais reforçam a superexploração dos rios e lagos para comercializar com indústrias e residências. E as comunidades tradicionais, abrigadas pela natureza geração após geração, agora veem-se vítimas do ‘saque’ da água.
O cume da Cordilheira dos Andes já não é branco como antigamente. Culpa e prejuízo de todos nós.
Fotos: Adriano Gambarini
Edição: Mônica Nunes