A estiagem intensa que castiga a Amazônia tem origem na combinação de dois fenômenos: o famoso El Niño e o aquecimento das águas do oceano Atlântico Tropical Norte, que afeta principalmente o sudoeste do bioma, onde está a bacia do Rio Madeira. Essa combinação pode estar sendo fatal para um dos animais mais emblemáticos da Amazônia: o boto.
Desde 23 de setembro, o Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá de Desenvolvimento Sustentável já contou 110 botos cor-de-rosa e tucuxis mortos no Lago de Tefé, no Amazonas.
O boto cor-de-rosa, também chamado de vermelho, é o maior golfinho de água doce do mundo. O tucuxi, acinzentado, é o menor. A última contagem desses animais indicava cerca de 900 botos vermelhos e 500 tucuxis na região.
Como as duas espécies se reproduzem lentamente, o número de mortes registrado agora é preocupante.
Se a situação climática persistir, os botos poderão ser classificados em sério risco de extinção e chegar ao ponto de não retorno (o que pode acontecer com a Amazônia): se ultrapassado, se tornará irreversível e condenará os botos.

De acordo com os pesquisadores do Grupo, ainda não se pode determinar a causa das mortes, mas o mais certo é que sejam resultado da estiagem severa, que ocorre na região e, também, causou a mortandade de peixes, como contamos aqui.
O que é um fato inédito. Em entrevista à Rádio Nacional da Amazônia (um dos veículos da EBC – Empresa Brasil de Comunicação), Miriam Marmontel, líder dos pesquisadores do Instituto Mamirauá, explicou:
“A situação é muito crítica, é emergencial, é uma coisa inusitada. Nunca tínhamos visto algo semelhante, embora já tenhamos passado por várias secas grandes na Amazônia, aqui na região de Tefé. Mas este ano, além da seca, da diminuição da superfície dos rios, da dificuldade de os ribeirinhos conseguirem água, de se deslocarem de suas casas até o rio principal, nós tivemos essa mortalidade muito grande de botos”.
E completou: “O lago, normalmente, é cheio de vida, cheio de água e os animais estão encalhados na praia ou boiando ao longo do lago”.
Segundo o Instituto Mamirauá, a água do Lago de Tefé chegou a 40ºC, em uma profundidade de três metros, ultrapassando a média histórica mais alta, até então, de 32ºC.
Animais saudáveis
A maioria dos botos vermelhos mortos era de fêmeas e filhotes. Numa segunda etapa, pesquisadores encontraram também, tucuxis machos.
À reportagem do G1, Miriam Marmontel contou que a necropsia dos animais não identificou uma causa aparente, pois todos estavam saudáveis: com peso adequado e sem lesões (geralmente provocadas por redes de pesca).
Por isso, a hipótese mais viável é a do aquecimento da água, que pode ter provocado proliferação de patógenos, adoecendo os botos. A pesquisadora ainda levantou a possibilidade de danos neurológicos, visto que os animais encontrados com vida aparentavam estarem confusos.
À rádio, a pesquisadora destacou que os botos atuam como sentinelas da qualidade da água e são os primeiros afetados com mudanças provocadas no ambiente.
“Eles nos deram o alerta e agora a gente tem que ficar atento a isso. A tendência, se não mudarmos os nossos hábitos, é que esses eventos vão continuar acontecendo, mais aquecimento global, mudança nos parâmetros climáticos”.
E completou: “A água é primordial para os amazônidas e essa água, que atualmente não está propícia para o boto, também não é propícia para o humano. Tanto para nadar, como para consumir. Então, que a gente fique muito alerta quanto a isso”.
Retirar os mortos e salvar os vivos
No sábado e no domingo (30/9 e 1/10) equipes de pesquisadores de outros estados (veja a lista no final deste post) chegaram ao Amazonas para coletar amostras e auxiliar nos cuidados e na retirada dos animais que ainda estão vivos, o que não é tarefa fácil.
Em entrevista ao G1, André Coelho do Instituto Mamirauá explicou que “o primeiro esforço é retirar os corpos dos animais mortos da água, mas, com o grande número, isso se tornou impossível. O translado dos botos vivos para outros rios não é seguro, pois além da qualidade da água é preciso verificar se há alguma toxina ou vírus. Por isso, estamos mobilizando parceiros para coleta e análise e outras instituições que possuem expertise em resgate de animais”.
O ICMBio enviou equipes de veterinários e servidores do seu Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA) e da Divisão de Emergência Ambiental, além de instituições parceiras.
Em seu site, o órgão informou que “protocolos sanitários foram adotados para a destinação das carcaças. Também seguimos reforçando as ações para identificar as causas e, com isso, adotar medidas para proteger as demais espécies”.
O resgate dos animais vivos é imprescindível para analisar saúde, sangue e outros parâmetros vitais dos animais para que se possa identificar, com mais precisão, a causa das mortes.
“A partir daí”, explicou Miriam, “podemos tomar decisões do que fazer com esses animais, como melhorar a situação deles, se é que é possível fazer alguma coisa para que eles não continuem perecendo aqui no lago”.
Apoio e parcerias
Diante desse terrível cenário, no sábado, 30/10, o Instituto Mamirauá voltou a alertar a população que mora nas proximidades do Lago Tefé para evitar contato com as águas do lago, também recreativo.
Em nota (veja abaixo), a organização declarou que vem trabalhando para identificar as causas da mortandade extrema desses animais, realizando ações de monitoramento dos animais ainda vivos, busca e recolhimento de carcaças, coletas de amostras para análises de doenças e da água, e “monitoramento das águas do lago, incluindo a temperatura da água e batimetria dos trechos críticos.”
Todas as ações têm o apoio do ICMBio, da prefeitura e da Defesa Civil de Tefé. E agora contam com a parceria de diversas organizações: além do Instituto Mamirauá, do Projeto Baleia Jubarte, da ONG Aquasis, da Associação R3-Animal, Sea Shepard Brasil, GRAD Brasil – Grupo de Resgate de Animais em Desastres, Instituto Aqualie, WWF-Brasil, Lapcom/USP – Laboratório de Patologia Comparada de Animais Selvagens e da Universidade Nilton Lins.
Leia também:
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Fontes: Instituto Mamirauá, G1, Agência Brasil
Foto (destaque): Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá