Esta semana, em pronunciamento na TV e, no dia seguinte, na frente do Palacio do Planalto para jornalistas, o presidente Bolsonaro defendeu a volta ao trabalho e o isolamento apenas para idosos e doentes, que fazem parte do grupo de risco do COVID-19. E ainda destacou que, em geral, os mais velhos, que têm por volta de 80 anos, morrem porque têm outras doenças, “depois dizem que foi de coronavírus“.
Tais discursos eram apenas a preparação para a campanha O Brasil não pode parar bancada ontem para defender a retomada das atividades, inclusive a volta irresponsável das crianças às aulas. Em sua coluna, articulista do site G1 revelou que tal campanha vai custar 4,8 milhões e foi feita sem licitação, dinheiro que poderia ser aplicado em saneamento básico, por exemplo. Só pra lembrar uma deficiência do nosso país.
Ao contrário do que defende Bolsonaro, o isolamento total (ou quase) é a única forma de impedir que o avanço do contágio no mundo. Digo quase porque profissionais de saúde e de serviços essenciais – farmácias, mercados -, além dos entregadores de delivery “não podem” deixar de trabalhar, e quanto menos gente circulando pelas ruas e no transporte público, melhor. E se ele pensa que só os idosos e doentes é que correm o risco, precisa saber que, em alguns países, muitos jovens – inclusive crianças e bebês – estão morrendo vítimas da doença.
O que o presidente propõe, foi o que fez a Itália há mais de um mês: decisão irresponsável do governo que transformou o país em um dos epicentros da doença. Mesmo governantes defensores ferrenhos da economia, como Donald Trump, dos Estados Unidos e Boris Johnson, do Reino Unido, se comprometeram a respeitar as medidas da Organização Mundial de Saúde por, pelo menos, quinze dias, mantendo o isolamento social.
Esta semana, a morte rápida de um funcionário do Fundo Monetário Mundial (FMI), o paquistanês Rehman Shukr, de 26 anos, tornou-se simbólica neste debate.
Em 21 de março, o especialista em sistemas financeiros da instituição publicou post no Facebook (reproduzido no final deste post) no qual elogiava artigo do jornal New York Times – Nossa luta contra o coronavírus é pior que a doença?, que minimiza o perigo da transmissão fulminante do contágio pelo vírus e defende à volta à vida normal daqueles que não fazem parte do grupo de risco, veja:
“Esse foco em uma parcela muito menor da população permitiria que a maioria da sociedade voltasse à vida como de costume e talvez evitasse o colapso de vastos segmentos da economia. Crianças saudáveis podem voltar à escola e adultos saudáveis voltam ao trabalho. Teatros e restaurantes podem reabrir, embora possamos ser sábios para evitar grandes reuniões sociais como eventos esportivos e shows em estádios.
Enquanto estivéssemos protegendo os verdadeiramente vulneráveis, uma sensação de calma poderia ser restaurada à sociedade. Tão importante quanto a sociedade como um todo poderia desenvolver imunidade natural ao vírus. A grande maioria das pessoas desenvolveria infecções leves por coronavírus, enquanto os recursos médicos poderiam se concentrar naqueles que estavam gravemente doentes. Uma vez que a população em geral fosse exposta e, se infectada, se recuperasse e ganhasse imunidade natural, o risco para os mais vulneráveis cairia dramaticamente”.
Na rede social, o jovem Shukr comentou a respeito: “Artigo muito importante. Difícil decidir se o aspecto humano da doença é mais importante do que suas implicações na economia e em outras áreas importantes. É muito fácil deixar a emoção guiar a política, e vimos várias vezes por que é uma má ideia”. Trés dias depois, morreu por implicações respiratórias causadas pelo coronavírus.
A economia não vale mais do que a vida, não temos dúvida. Agora, devemos evitar que o contágio se expanda.