Durante a primeira noite de desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, no domingo (11/02), a Acadêmicos do Grande Rio apresentou ao público na Avenida Marquês de Sapucaí o enredo “Nosso destino é ser onça”. Inspirados no livro do mesmo nome, de Alberto Mussa, os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora revisitaram o mito indígena Tupinambá sobre a criação do mundo.
Pela mitologia, os Tupinambás viviam há pelo menos 11 mil anos na Amazônia, mas aos poucos foram indo para outras regiões do continente e também do Brasil, onde influenciaram a formação do povo brasileiro, seja com a sua língua, o tupi-guarani, seus conhecimentos e cultura.
O grito “Werá werá auê, nauru werá auê!”, que pode ser entendido como “Guerreiro e guardião com asas”, foi entoado pelos mais de 3 mil integrantes da Grande Rio. Ele seria uma saudação ao espírito dos antigos guerreiros da nação Tupinambá, guardiões indígenas que vestiam mantos de penas durante seus rituais.
O carro abre-alas, batizado de “Mundo inaugural, misterioso e obscuro”, introduzia a crença dos Tupinambá para a criação do mundo, onde reinava o caos.
Já na belíssima e surpreendente Comissão de Frente, “Trovejou, escureceu!”, era contada a história de como os mantos sagrados elevavam os guerreiros ao céu, durante os rituais de transformação em onça. Com a avenida com pouca luz, a Grande Rio trouxe um desses enormes felinos, iluminado, que rugia e mexia as patas, e dentro dele pulsava um coração, na verdade, um velho guerreiro tupinambá. Esses povos acreditavam que já teríamos vivido três vezes nesse mundo.
A onça gigante da Comissão de Frente
(Foto: Alex Ferro/Riotur)
Nas 25 alas e cinco carros alegóricos, a escola usa a metáfora da força da onça para representar a luta e a garra dos brasileiros. A rainha da bateria, a atriz Paolla Oliveira veio fantasiada do animal. Na cabeça ela vestia uma tiara, que ativada por um um sutil mecanismo, baixava uma máscara com os olhos iluminados do felino. Ela simboliza a força das mulheres.
Durante o desfile foi narrado ainda o mito de Sumé, transformado na estrela Jaguar, que perseguia Jaci, a Lua (descendente de Maíra, que derrotou uma aldeia de jaguares), no plano celeste.
“Se a Lua for comida por Sumé, o mundo será novamente destruído. Para adiar o fim do mundo, ritualizamos e nos transformamos em onça! Buscamos a eternidade do tempo mítico e do plano cósmico, saudando, ainda, o retorno do primeiro dos mantos Tupinambá roubados pela Europa ao Brasil – o culminar da epopeia transformada em desfile, quando todo brasileiro se transforma em onça e canta ao mundo que bravamente faz carnaval”, explicam os carnavalescos.
O velho Tupinambá, com o manto sagrado, na Comissão de Frente
(Foto: Alex Ferro/Riotur)
Abaixo o samba enredo da Grande Rio, que tem como compositores Dere, Marcelinho Júnior, Robson Moratelli, Rafael Ribeiro, Tony Vietnã e Eduardo Queiroz:
Trovejou, escureceu
O velho onça, senhor da criação
É homem-fera, é brilho celeste
Devora e se veste de constelação
Tudo acaba em fogaréu
E depois transborda em mar
A terceira humanidade Coaraci vem clarear
Ê, Sumé, nas garras da sua ira
Enfrentou Maíra, tanto perseguiu
Seus herdeiros vivem essa guerra
Povoando a Terra
A voz tupinambá rugiu
É preta, parda, é pintada, feita a mão
Suçuarana no sertão que vem e vai
Maracajá, jaguatirica ou jaguar
(É jaguarana), onça grande, mãe e pai
Yawalapiti, pankararu, apinajé
O ritual araweté, a flecha de kamaiurá
No tempo que pinta a pedra
Pajelança encantada
Onça-loba coroada na memória popular
Kiô, kiô, kiô, kiô, kiera
É cabocla, é mão-torta
Pé-de-boi que o chão recorta, travestida de pantera
Kiô, kiô, kiô, kiô, kiera
A folia em reverência
Onde a arte é resistência, sou Caxias, bicho-fera
Werám werá auê, naurú werá auê
A aldeia Grande Rio ganha a rua
No meu destino, a eternidade
Traz no manto a liberdade
Foto de abertura: Alex Ferro/Riotur