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“Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam”, diria Walter Salles em discurso no Oscar 

Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam”, diria Walter Salles em discurso no Oscar 

Quem assistiu a um dos momentos mais aguardados pelos brasileiros na cerimônia do Oscar – a premiação de Ainda Estou Aqui como Melhor Filme Internacional – notou que o diretor Walter Salles, logo após colocou os óculos, certamente para ler o texto do discurso que havia preparado para a ocasião, mas, em seguida, segurando a estatueta dourada, olhou por cima deles e falou de improviso.

“Em nome do cinema brasileiro, é uma honra tão grande receber isto [e olhou para a estatueta], num grupo tão extraordinário de cineastas. Isto vai para uma mulher que, depois de uma perda tão grande em um regime tão autoritário, decidiu não se dobrar e resistir… Este prêmio vai para ela: o nome dela é Eunice Paiva. E também vai para as mulheres extraordinárias que deram vida à ela: Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. Tom, Bernard e Michael [diretores da Sony Pictures Classic], vocês são os melhores. Muito obrigado por isso, é algo extraordinário!”.

Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam”, diria Walter Salles em discurso no Oscar 
Após receber a estatueta das mãos de Penélope Cruz, Walter Salles procura os óculos e,
em seguida, o texto preparado para o discurso tão aguardado pelos brasileiros
Foto: reprodução de vídeo

Ontem à noite (3), em coletiva com a imprensa brasileira, Walter confirmou que perdeu o papel e improvisou. “Andando para o palco, tentei achar as notas que eu tinha escrito e não encontrei. Então fiquei com o óculos sem ter o que ler”, contou, provocando risos.

E revelou: “Eu terminava dizendo ‘viva a democracia, ditadura nunca mais’. Essa parte era a única que seria em português, mas que precisava ser dita, então fico muito feliz de fazer isso hoje”. Em seguida, distribuiu uma cópia do discurso (leia o texto e veja a foto da cópia abaixo) a cada um dos jornalistas

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Obrigado, em nome do Cinema Brasileiro.

Agradeço à Academia por reconhecer a história de uma mulher que, diante de uma tragédia causada pela ditadura militar, optou por resistir para proteger sua família. Em um tempo em que tais regimes estão se tornando cada vez menos abstratos, dedico este prêmio à Eunice Paiva e a todas as mães que, diante de tamanha adversidade, têm a coragem de resistir. Que nos ensinam a lutar sem perder a capacidade de sorrir, mesmo quando elas se sentem frágeis.

Este prêmio também pertence a duas mulheres extraordinárias, Fernanda Torres e Fernanda Montenegro. Elas não apenas elevaram nosso filme, mas representam o fato de que a arte resistiu no Brasil.

Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam conosco… Obrigado a todos, em nome do cinema brasileiro e latino-americano!!

Viva a Democracia! Ditadura Nunca Mais!“.

Governos autoritários surgem e desaparecem no esgoto da história, enquanto livros, canções e filmes ficam”, diria Walter Salles em discurso no Oscar 
A cópia do discurso original distribuida aos jornalsitas
Foto: reprodução Instagram

Polifonia democrática

“A gente está vivendo um processo de fragilização crescente da democracia, um processo que está se acelerando cada vez mais. O filme se tornou próximo de quem o viu nos Estados Unidos. Isso explica a maneira crescente com que ele foi abraçado [neste país]”, acrescentou o diretor.

“O filme ecoa o perigo autoritário que grassa no mundo todo. A gente está vivendo um momento de extrema crueldade, da prática da crueldade como forma de exercício de poder. Estamos no meio disso e é profundamente inquietante. Numa hora como essa, o jornalismo investigativo, a literatura, a música, o cinema, todas as formas de expressão se tornam fundamentais para combater isso. Para trazer uma polifonia democrática“.

Walter Salles também destacou a importância da memória, que é um dos temas do filme: “Vivemos um momento em que a memória está sendo apagada como um projeto de poder, então criar memória é extremamente importante”.

“A democracia está se tornando frágil em todos os lugares do mundo. Nunca pensei que seria tão frágil mesmo nos Estados Unidos. Portanto, o que aconteceu no Brasil no passado parece muito próximo do nosso presente hoje em dia”, considerou.

Para Walter, ao dar o Oscar de Melhor Filme Internacional para Ainda Estou Aqui, a Academia não só reconheceu um filme brasileiro, mas a nossa cultura. “É a cultura brasileira em geral que está sendo reconhecida. É a maneira como fazemos cinema no Brasil que foi reconhecida”, assim como a literatura – “representada pelo livro do Marcelo Rubens Paiva” -, a música brasileira. “O filme é liderado por Caetano Veloso, Erasmo Carlos e tantos outros cantores extraordinários cuja música realmente deu um sentido a muitas de suas cenas”.

Transmissão e resistência

A atriz Fernanda Torres, que também participou da coletiva junto com Selton Mello, contou: “Eu gosto de pensar que este filme foi feito por duas crianças, que eram o Marcelo Rubens Paiva e o Walter, que estavam naquela casa e que sofreram por tabela uma violência de Estado e que, décadas depois, criaram algo para que nunca mais aquela história fosse esquecida. Então, eu me sinto assim também com relação à mamãe”.

“Eu acho que, de certa forma, eu levo o legado da minha mãe adiante e fico pensando nas crianças que estão vivas hoje, em que filmes eles farão daqui a 50 anos sobre a nossa resistência ao autoritarismo, aos movimentos antidemocráticos, à anti-cultura. Ainda Estou Aqui é um filme sobre transmissão e resistência ao longo do tempo”, finalizou.

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Foto: reprodução de vídeo

Com informações da Folha de SP (aqui e aqui) e G1

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