Gato de ‘Flow’ – animação vencedora do Oscar e do Globo de Ouro – vira “febre” na Letônia

O filme de animação Flow é um fenômeno na Letônia, pequeno país situado na região do Mar Báltico, entre a Lituânia e a Estônia, onde vivem cerca de 1,8 milhão de pessoas, pouco mais que em Curitiba. O gato que o simboliza está por toda parte!

Dirigido por Gints Zilbalodis, 30 anos (com produção da Letônia, França e Bélgica), Flow tem sido elogiado pela crítica internacional desde que começou a circular pelos festivais de cinema, a partir de Cannes, em 22 de maio de 2024.  

A animação conta a história de um gato e seus companheiros (uma garça, um cachorro, uma capivara e um lêmure) se aventuram num cenário pós-apocalíptico inundado por águas misteriosas, no qual a humanidade desapareceu (contamos aqui).

É a maior bilheteria da história do país, tendo vendido mais de 300 mil ingressos e arrecadou US$ 1,8 milhão, superando Avatar e Titanic, de James Cameron. Com um detalhe: é uma produção independente, realizada com o software Blinder – de código aberto e gratuito – e assim tem desbancado produções de grandes estúdios como Disney e Pixar. 

Ao jornal O Globo, Gints contou: “É louco porque Flow não é um blockbuster típico. Como em muitas partes do mundo, na Letônia o público geralmente prefere os grandes filmes de Hollywood, sem espaço para esse cinema independente de animação”. 

“O filme se tornou uma espécie de embaixador cultural do país. Nenhum longa da Letônia teve sucesso semelhante. Para muitos, é a primeira vez que escutam falar do nosso país”.

“Pensei que iria participar de alguns festivais, mas jamais imaginei que faria sucesso nos Estados Unidos, na França, no México… Eu só queria contar a minha história e fazer um filme a que eu gostaria de assistir”, completou o diretor.

Em janeiro, a animação ganhou o Globo de Ouro e, no último domingo (2), o Oscar (na foto abaixo, o diretor exibe a estatueta), ambos na categoria de Melhor Longa de Animação. Em nove meses, foram 51 prêmios (confira aqui).

Para celebrar a conquista do maior prêmio de cinema do mundo, Gints redesenhou uma cena do filme em que o gatinho foge de uma matilha de cães com um peixe na boca: substituiu o peixe pela estatueta dourada e ficou ótimo! É a imagem que escolhi para o destaque deste post.

No Oscar, Flow disputou as duas estatuetas douradas com feras. Na categoria de Melhor Longa de Animação, enfrentou as animações  Divertidamente 2, Robô selvagem, Wallace & Gromit: Avengança e Memórias de um caracol. Já na categoria de Melhor Filme Internacional concorreu com Ainda Estou Aqui (ele amou o filme e admira muito Walter Salles), Emilia Pérez, A Garota da Agulha e A Semente do Fruto Sagrado.

Em seu discurso de agradecimento, já com o Oscar nas mãos, Gints fez uma analogia da história de Flow com a vida na Terra: “Estamos todos no mesmo barco, devemos superar nossas diferenças e encontrar maneiras de trabalhar juntos”.

Numa entrevista à AFP antes da cerimônia, o criador de Flow disse que a história do gato reflete sua própria experiência: a de um individualista – ele fez seu primeiro filme sozinho – aprendendo a trabalhar em equipe. “Esta é uma história sobre um personagem que começa sendo muito independente e então tem que aprender a confiar nos outros e a colaborar“. A cooperação move a trama.

Reconhecidos como celebridades, Gints e sua equipe receberam do governo letão honrarias que, antes, eram entregues somente a medalhistas olímpicos. 

Escultura, grafite e pôsteres 

O sucesso do desenho animado despertou o orgulho de letões e letãs, por isso o gato – símbolo da obra – tem recebido homenagens constantes no país, em especial em Riga, capital do país. 

Lá, sobre a letra A do letreiro da cidade – localizado em frente ao Monumento da Liberdade, uma das principais obras de arte pública de Riga – foi instalada uma escultura 3D do gato, que celebra a primeira vez que uma produção letã foi indicada ao Oscar e, ainda, em duas categorias, como contei acima.

Produzida pelo escultor Kristaps Andersons, a obra é uma iniciativa da prefeitura em parceria com o diretor de Flow e fica nesse local até 1º de abril, seguindo para a praça principal da cidade – Praça da Prefeitura de Riga (Ratslaukums) -, onde permanece até o fim de 2025.

O gato também se transformou em tema de artes de rua (veja grafite abaixo). Só dá ele e Flow em Riga e provavelmente no resto do país. “Há pôsteres do filme por todo lugar e pessoas fazendo grafite de gato”, contou Gints ao site Deadline.

E a estatueta do Globo de Ouro ganhou espaço especial no Museu Nacional de Arte da Letônia, também em Riga, “guardada” por duas esculturas de gatos, que remetem ao protagonista de Flow. 

No primeiro dia, ela foi vista por mais de 16 mil pessoas que, segundo Gints, passaram até uma hora de pé na fila para entrar no museu. A estatueta do Oscar deve integrar essa exposição em breve. 

Os sons reais dos animais encantam o público

Para Gints Zilbalodis um dos motivos do sucesso do filme por todos os lugares onde foi exibido, é o fato de não ter diálogos. Não há humanos, então não há falas. Os animais se movimentam e se comunicam como na realidade: o gato mia, o cão late, a garça canta, o lêmure e a capivara vocalizam. 

Os personagens (todos considerados protagonistas por Gints) emitem sons próprios, que foram gravados de animais silvestres reais.

“Queria que os animais se comportassem como animais reais, com movimentos naturais. Vemos o filme imaginando nossos próprios pets, o que torna o filme mais impactante”, destaca.

A obtenção dos sons emitidos pelo gato (contamos aqui) e pelo cachorro foi mais fácil porque são pets. Para as vocalizações da garça, do lêmure e da capivara, foi necessário estudo para evitar caracterizações fora da realidade. Mas a capivara foi uma exceção. 

Ela precisou de “assistência extra”, contou Gints. Para gravar seu som natural, a equipe do filme visitou um zoológico, mas descobriu as capivaras são silenciosas. “Um tratador teve que entrar no recinto e fazer cócegas na capivara para que ela emitisse som” e o resultado foi aquém do esperado: ela emitiu um som agudo que os técnicos julgaram incompatível com a descontração da capivara de Flow.

O que fazer? Procurar um “ator de som alternativo” para dublá-la. E encontraram: um camelo bebê! O resultado você pode ver no vídeo publicado por Gints no Instagram, que reproduzimos a seguir.

 

 

 

 

 

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Com informações de Gints Zilbalodis, O Globo (aqui e aqui), Deadline e The Academy

Foto (destaque): Instagram de Gints Zilbalodis