A edição deste ano da Festa Literária Internacional de Paraty, a FLIP 2021, que vai de 27 de novembro a 5 de dezembro, mantém o formato virtual devido à pandemia e em respeito às vítimas da covid-19.
“Seria impossível, e imprudente, minimizar a imensa tragédia vivida recentemente, desejando neste momento apenas uma volta ao “normal” – que foi uma das causas do problema. Não dá mais para ignorar: precisamos buscar outras maneiras de estar no mundo, imaginar outras formas de vida, sem a centralidade no “humano”, diz o texto de apresentação do evento.
E, olhando a partir da cidade de Paraty – que é um “lugar de encontros das águas com a terra”, onde a FLIP foi lançada, em 2003, e segue até hoje – foi buscar inspiração na floresta, porque “chegou a hora de pensar e aprender com as plantas“.
É preciso aprender com a diversidade das matas, com sua capacidade de cooperação e de regeneração. Com sua capacidade de se comunicar em rede, por ar e por terra – “entre as raízes das árvores e as hifas dos fungos” – e de fazer alianças como as que propõem “as águas, as pedras, as plantas, os ventos, os insetos, os pássaros e todos os seres viventes”.
Paraty está envolta por Nhe’éry (pronuncia-se nheeri). O cineasta e uma das lideranças do povo indígena Guarani Mbya, Carlos Papá, diz que essa palavra significa “onde as almas se banham”, é o lugar que conduz mensagens por meio de fios de palavras.
No final deste post, reproduzi o vídeo do Selvagem – Ciclo de Estudos, no qual Papá explica, em sua língua, o que é Nhe’éry. Aqui, a tradução: “Nhe’éry não é a Mata Atlântica, em si, mas, como falavam nossos anciãos, é onde os espíritos se banham. Por isso, nós devemos respeita-la e sempre estar em diálogo com ela. E, com isso, Nhe’éry pode nos mostrar como viver melhor, trazendo uma luz ao caminhar em direção ao bem viver (Teko Porã)”.
Por isso, essa mata norteia a programação da FLIP 2021, que reúne escritores e cientistas como Margaret Atwood, Ailton Krenak, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Itamar Vieira Jr., Stephano Mancuso, Emanuele Cocia, João Moreira Salles, Antonio Nobre, Evando Nascimento e Adriana Calcanhoto, entre outros. Acompanhe a programação aqui.
E, para atender a esta inspiração tão potente, a diversidade de talentos na curadoria era imprescindível, por isso, este ano, foi realizada por um grupo de curadores, ao qual foi dado o nome de Floresta Curatorial.
O antropólogo Hermano Vianna coordena o trabalho deste coletivo formado por Anna Dantes, colaboradora da Escola Viva Huni Kuin há mais de dez anos e uma das fundadoras do Selvagem – Ciclo de Estudos; Evando Nascimento, escritor e filósofo, pioneiro na reflexão sobre literatura e plantas no Brasil; João Paulo Lima Barreto, antropólogo do povo Tukano, do Alto Rio Negro, fundador do Centro de Medicina Indígena, em Manaus; e Pedro Meira Monteiro, professor da Princeton University e um dos fundadores da oficina Poéticas Amazônicas, no Brazil LAB da Universidade.
Cerimônia indígena para celebrar Nhe’éry
A abertura desta edição foi marcada por uma cerimônia do povo indígena Guarani Mbya, que homenageou Nhe’éry, realizada por Carlos Papá e a filósofa e educadora Cristine Takuá, ambos lideranças da aldeia Rio Silveira, em Bertioga.
“A reza é para que toda a sociedade perceba a importância do respeito com todas as formas de vida”, explicou ela. “As crianças Guarani seguem rezando todos os dias na opy, a casa de reza, para que esse conhecimento seja passado e conservado, para que nunca deixe de existir”.
Papá destacou que os guaranis cantam para “trazer força para o meio onde estão” e, neste caso, também para que as pessoas à volta conheçam melhor Nhe’éry e passem a defendê-la. “Estamos aqui em busca de uma vida melhor não somente para humanos, mas para os seres vivos que pertencem a Nhe’éry, à Mata Atlântica, onde existem insetos, pássaros, animais, água…”.
Corais das aldeias de Araponga e Itaxi Mirim, de Paraty, se apresentaram e, em seguida, Mauro Munhoz, diretor artístico da FLIP, também acrescentou: “Paraty está no centro de Nhe’éry, temos uma floresta preservada. E são esses valores têm que ser resgatados”.
Agora, assista Carlos Papá explicando o que é Nhe’éry, em sua língua:
Com informações da FLIP, Folha de São Paulo