A lista de nomes é imensa. No site Buzzfeed, encontrei uma matéria com 85 apelidos para a vulva feminina. Vão desde xoxota, prexeca, perereca até aranha, perseguida e bacurinha. O que mais me chocou, confesso, é que quando busquei o significado da palavra vulva no dicionário Michaelis, uma fonte considerada séria, diversos desses nomes populares também estavam lá.
Enquanto a parte externa dos órgãos sexuais femininos recebe todos esses nomes chulos e depreciativos, o pênis masculino é chamado por apelidos fortes e viris: pau, mastro, espada, pistola…
O alarme já soa aí. Ao mesmo tempo em que meninas crescem ouvindo nomes jocosos sobre suas partes íntimas, os meninos têm seus egos inflados ao bradar sobre seus “instrumentos de reprodução”.
Papo de feminista?! Talvez. O mais interessante, vou revelar aqui, é que a ideia para escrever esta matéria surgiu do meu marido. Ele leu a reportagem publicada no jornal britânico The Guardian sobre o trabalho da fotógrafa e escritora Laura Dodsworth e me mandou o link com a mensagem “Interessante manifesto feminista para o Conexão Planeta”.
Certamente é. Para quem não sabe, nosso site foi fundado por três mulheres. Todas as pautas que falam sobre o universo feminino nos interessam.
E a obra de Laura é realmente instigante. Já passou da hora de falarmos, sem vergonha e sem pudor, sobre nossas partes íntimas. É preciso quebrar o tabu. Parar de reprimir as mulheres através de seu corpo e da vergonha imposta a ele.
Para seu livro “Womanhood: The Bare Reality” (Feminilidade: A Realidade Desnuda”, em tradução livre), da editora Pinter & Martin), ela entrevistou 100 mulheres e fotografou suas vulvas.
Os relatos são interessantíssimos. E dos mais diversos. Contam histórias de mulheres com vergonha da aparência de suas vulvas, mas também, daquelas que descobriram o prazer e o poder de seus órgãos genitais.
“Fotografar e entrevistar essas mulheres sobre suas vulvas, vaginas e o que signifca ser mulher têm sido fascinante. A maioria delas nunca viu o que está “lá embaixo”. No entanto, nenhuma parte do corpo, como essa, inspira amor e ódio, medo e luxúria da mesma maneira”, diz Laura. “É hora das mulheres verem como elas realmente parecem e descobrirem a verdade sobre a experiência feminina. É hora de recuperar nossa feminilidade, com os nossos termos e as nossas palavras“.
Esta já é a terceira obra da artista. Em 2015, ela lançou o livro Bare Reality: 100 Women (Realidade Desnuda: 100 Mulheres), em que o foco eram os seios femininos (foram necessários dois anos para ela conseguir convencer 100 mulheres a mostrá-los).
Dois anos mais tarde, cheia de coragem, fez um trabalho ainda mais audacioso – Manhood: The Bare Reality (Masculinidade, na tradução para o português). Nele, Laura centrou suas lentes nos pênis de 100 homens e em suas histórias. Ali ela também encontraria confissões de vergonha e frustrações.
Em entrevista exclusiva ao Conexão Planeta, a fotógrafa e escritora britânica fala mais sobre seu novo livro, o poder da mídia sobre a concepção do corpo das mulheres e ainda, como precisamos e devemos ter prazer em fantasiar sobre a realidade.
Qual é o poder que a mídia tem sobre a auto-estima e a percepção de beleza que temos de nossos corpos?
A mídia é, logicamente, muito influente sobre a maneira como percebemos nossos corpos. Quando olho para trás para tentar lembrar a primeira imagem que me fez questionar o que seria me tornar uma mulher, ela foi de uma modelo glamurosa. Foi a primeira vez que senti um desconforto, de que eu não me encaixava, literalmente, naquele padrão.
Em sua palestra no TEDx, você cita “a grande lacuna entre fantasia e realidade”. Quão prejudicial isso é para as pessoas, e em especial, para as mulheres?
Fantasiar é maravilhoso. Eu só acho que precisamos de uma dose saudável de realidade junto. Quando eu era uma adolescente, era possível ver protuberâncias e poros em cartazes de celebridades. Atualmente, todo mundo é retocado (digitalmente) por uma visão de impecabilidade inalcançável – nos comparamos ao impossível.
O que é a “cultura da vergonha”? Como podemos nos livrar dela?
Essa é uma ótima pergunta! Acredito que a cultura da vergonha vem da religião, da mídia, da publicidade e de todas as outras influências ao nosso redor. Como uma mulher, você faz a “caminhada da vergonha” no supermercado, por exemplo, ao ir até o corredor dos produtos íntimos femininos – onde há uma série de itens criados para fazer você se sentir muito peluda, muito mal cheirosa, muito feminina… Há uma necessidade de esterilização, higienização… Não tenho a resposta para como podemos nos livrar da cultura da vergonha, exceto, pensar criticamente sobre as imagens e as histórias que consumimos diariamente. Precisamos dar um tempo na mídia e nas redes sociais e nos engajarmos com a arte e os movimentos que desafiam o status quo.
Foi muito difícil convencer as 100 mulheres a mostrar sua partes íntimas?
Nunca quis convencer ninguém. Eu queria que as pessoas quisessem fazer parte e ficassem orgulhosas de seu envolvimento. Foi relativamente fácil recrutar mulheres para Womanhood. Acho que, talvez, porque esse já era meu terceiro projeto e livro e elas sabiam o que eu estava fazendo e podiam confiar em mim. E também, porque há uma vontade latente nas mulheres em reivindicar seus corpos.
Por que as mulheres devem conhecer melhor suas vulvas?
Para seu prazer sexual e sua saúde.
Como a Ciência e a Medicina negligenciaram a vulva nos últimos séculos?
O clitóris foi retirado de Gray’s Anatomy (obra clássica em inglês sobre o corpo humano) na década de 40 e depois, colocado novamente nos anos 70. Por que? Vamos perguntar a Gray’s Anatomy! O prazer feminino é insignificante? Ou… é muito poderoso? A vulva, o clitóris, a vagina, a reprodução e a saúde femininas são todos negligenciados. Mais do que isso, 200 milhões de mulheres tiveram seus clitóris mutilados para provar a seus maridos que elas eram “puras”.
Por que as mulheres deveriam se orgulhar de suas vulvas?
Primeiro, elas deveriam, ao menos, estar familiarizadas com elas. É uma parte magnífica do corpo que nos dá prazer, dá a nossos amantes prazer e é vital para a reprodução. Acho que isso já é muito para nos dar orgulho.
Qual é a sua opinião sobre a labioplastia (procedimento cirúrgico para a remoção da pele extra nos lábios vaginais) ?
Raramente ela é necessária e mesmo assim, é uma das cirurgias cosméticas que mais cresce no mundo todo. Uma reportagem da BBC revelou que, no Reino Unido, meninas de apenas 9 anos estão fazendo labioplastia. Fiquei horrorizada com isso.
No Brasil, as partes íntimas do homens têm apelidos poderosos e viris, enquanto as femininas, muitas vezes, são depreciadas. Qual o impacto disso sobre a vida das mulheres?
De eufemismos açucarados como “foofoo” e “lady garden”, passando pelo sexualizado “pussy”, até termos violentos como “axe wound” e o pejorativo “cunt”, em inglês, também nos debatemos para nomear o que está “lá embaixo”. Vagina é usada por engano para descrever toda a genitália feminina, e o termo, em si, significa “envoltura por uma espada”. Como a linguagem molda nossa compreensão de nossos corpos, nossa experiência de sensação e nossa identidade? A diferença entre a linguagem para descrever pênis e vulvas e vaginas enfraquece e envergonha as mulheres. Precisamos recuperar nossas palavras e nossa imagem.
Assista abaixo, a palestra (em inglês) de Laura Dodsworth no TEDx Talks:
*O livro Womanhood: The Bare Reality também foi transformado em um documentário, produzido pelo canal britânico Channel 4. Acompanhe o trabalho de Laura Dodsworth no Twitter @barereality
Fotos: divulgação Paula Beetlestone/Channel 4 (abertura) e Laura Dodsworth