Por Claudio Ângelo*
A extrema-direita foi à loucura neste fim de semana com os dados do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que mostraram recorde de focos de queimada no bioma Amazônia em junho. O número, 3.075, é o maior desde 2007 e representa um aumento de 20% em relação ao ano passado.
Perfis bolsonaristas nas redes sociais brandiram o dado, questionando o “silêncio” nas redações. A revista Oeste – revelada por investigação da Agência Pública e do NetLab-URFJ como um dos principais veículos de desinformação ambiental do país – destacou o número, atribuindo os piores recordes de queimadas na Amazônia desde o início da série histórica ao governo Lula.
A alta no início da estação seca traz mau presságio para o segundo semestre; segundo Alberto Setzer, coordenador do programa Queimadas, do Inpe, junho costuma ter um número de focos 12 vezes menor que setembro, o auge da temporada de fogo.
Um El Niño forte já atua no oceano Pacífico, o que permite antecipar um segundo semestre muito seco e com muito fogo – mesmo com as taxas de desmatamento em queda. Fenômeno semelhante já aconteceu em 2007, também de El Niño forte, quando o número de queimadas no bioma Amazônia cresceu 29%, enquanto o desmatamento caiu 18%.
Uma análise dos dados de fogo feita pelo próprio Inpe dá uma pista do que está acontecendo.
Segundo a Sala de Situação do portal TerraBrasilis, a maior parte dos focos de queimada detectados entre 3 de junho e 2 de julho está em Mato Grosso: 64% (1.982 focos). O Pará ocupa um distante segundo lugar, como 624 focos.
Fogo em propriedades rurais = fazendeiros
Em Mato Grosso, 81% das queimadas aconteceram em áreas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) – ou seja, em propriedades rurais. Na Amazônia inteira, 68% dos focos aconteceram em propriedades rurais. O fogo está sendo ateado por fazendeiros.
Análises do Inpe também mostram queimadass extensas em propriedades no médio-norte e nordeste de Mato Grosso, duas das principais regiões produtoras de grãos e carne da Amazônia.
Em Querência, no nordeste mato-grossense, a equipe de Setzer detectou uma única queima de área desmatada de 3.200 hectares entre os dias 24 e 25 de junho. Em Nova Maringá, centro-oeste do estado, uma outra grande queima de vegetação desmatada, de 1.500 hectares, foi detectada em 28 de junho.
Setzer diz ainda ser cedo para tirar conclusões, já que a temporada de fogo está apenas começando. Uma hipótese é que os produtores anteciparam a queima das áreas desmatadas para junho, de forma a não correrem risco de fiscalização a partir de 1o de julho, quando começou a vigorar o período de proibição de fogo em Mato Grosso.
“Chamam atenção as queimadas nas regiões de Feliz Natal [médio-norte] e Peixoto de Azevedo [norte], que foram as campeãs de alertas de desmatamento neste ano em Mato Grosso, juntamente com os municípios do noroeste do estado, que ainda não estão queimando porque a vegetação derrubada ainda não secou totalmente”, diz Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.
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* Este texto foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima, em 3/7/2023
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil