Na primeira reunião deste ano, realizada em 10/2, o Conselho Universitário (Consu) da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc) aprovou a concessão do título de Doutor Honoris Causa a duas lideranças indígenas da Bahia: a cacica Jamopoty (Maria Valdelice Amaral de Jesus), do povo Tupinambá de Olivença, e Maura Rosa Vieira Titiah, do povo Pataxó Hãhãhãe.
O governador Jerônimo Rodrigues (autodeclarado indígena Tupinambá), o canoísta olímpico Isaquias Queiroz dos Santos e o médico Sílvio Porto de Oliveira também estão na lista de homenageados deste ano.
De acordo com o site da instituição, “a outorga do título é a mais alta honraria concedida pela instituição e visa reconhecer personalidades que tenham prestado serviços notáveis à sociedade, seja na área acadêmica, científica, cultural ou social”.
A data da cerimônia oficial de entrega dos títulos ainda não foi marcada.
Cultura e identidade
Jamopoty nasceu em 1961, em Olivença, bairro de Ilhéus, e foi eleita a primeira cacica de seu povo em 21 de dezembro de 1999, quando se tornou a segunda do Brasil (a primeira é Maria Lourdes da Conceição Alves, também conhecida como cacique Pequena, líder do povo Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz, no Ceará, em 1995).
Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil
Ao longo dos anos, Jamopoty tem sido criminalizada e perseguida devido à defesa do território e dos direitos de seu povo, “carregando na pele as marcas da resistência”, conta o Conselho Indígena Tupinambá de Olivença. “Desbravou lutas que apenas uma Cacica consegue compreender”.
Referência na luta pelos direitos indígenas e na preservação da cultura de seu povo, foi pioneira na retomada da consciência Tupinambá e tem sido essencial também no resgate de sua identidade, com a revitalização de rituais sagrados e o uso de ervas medicinais.
A cacica foi uma das lideranças que lutaram pelo retorno do Manto Tupinambá, “nosso sagrado ancião”, ao Brasil. Ele estava “guardado” ao lado de outros quatro mantos no Museu Nacional da Dinamarca (contamos aqui). Chegou a Copenhague em 1689; foi levado à Europa na primeira viagem portuguesa ao país.
Seu paradeiro foi descoberto em maio de 2000, na exposição Brasil + 500 Mostra do Redescobrimento, realizada em São Paulo. A mãe de Jamopoty, Cy Amotara, reconheceu o manto e declarou ao jornal Folha de SP: “Somos Tupinambás. Queremos o Manto de Volta”.
A devolução – que os noruegueses chamaram de “doação” – foi anunciada em junho de 2023 e a peça chegou ao Brasil em julho de 2024 (veja aqui), sendo recebida e guardada pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro, o que gerou revolta entre os indígenas.
Somente em setembro de 2024, foi realizada no Museu Nacional a cerimônia oficial de retorno do manto, que contou com as presenças do presidente Lula, da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Jamopoty estava lá (foto acima; contamos aqui).
Resistência inspiradora
Maura Rosa Vieira Titiah, 74 anos, tem atuado de maneira especial para fortalecer a memória, a identidade e os direitos dos povos originários, combatendo a violência e promovendo a autonomia das mulheres indígenas, conduta que a transformou num exemplo de resistência, que inspira futuras gerações.
É reconhecida por seu conhecimento ancestral em plantas e práticas curativas – éGuardiã dos Saberes –, e por fundar o movimento de mulheres indígenas na Bahia, sendo uma das principais representantes da Liderança Feminina Indígena.
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Fotos (destaque): Fernando Frazão / Agência Brasil (Jamopoty) e arquivo pessoal (Maura Titah)
