O lindo filhote de anta da foto é o Levi. Ele tem um irmão, o Theo. Eles são gêmeos, o que é raro. Foram descobertos por pesquisadores, em dezembro do ano passado, na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Trápaga, que fica em São Miguel Arcanjo, interior de São Paulo, próximo a Sorocaba.
É a primeira vez que filhotes gêmeos de anta (Tapirus terrestris) são avistados na natureza, em seu habitat. Há dois outros registros no Brasil, mas ambos em cativeiro: “um num criadouro em Itaipu e outro no Zoológico de Rio Preto, que é bem recente, do mês passado”, conta Mariana Landis, bióloga e diretora executiva do Instituto Manacá.
O instituto fica sediado na RPPN Trápaga e desenvolve o Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar, um dos maiores monitoramentos de mamíferos de grande porte na Mata Atlântica.
Confirmando a descoberta
Os animais foram vistos com a mãe por um grupo de cinco pesquisadores do programa. Inicialmente, em um vídeo registrado por armadilha fotográfica instalada na reserva. Em seguida, por outros registros de imagem e também por observação direta, in loco.
Para se assegurar de que se tratava de gêmeos, os pesquisadores ainda analisaram marcas naturais – formato e tamanho do corpo, da cabeça, do rabo, da genitália, cor do pelo, presença de pintas brancas nas pernas e na barriga e cicatrizes – para identificar cada indivíduo.
“Eles são bem diferentes!”, conta Mariana. “O Theo, tem um pequeno corte na orelha esquerda e uma pinta na ponta da cauda. Já Levi tem uma pequena pinta na testa, bem visível de frente, e uma pinta no membro anterior esquerdo”.
Veja o detalhamento feito por Hiago Ermenegildo, biólogo de campo do Instituto Manacá, para facilitar a identificação dos dois filhotes, que reproduzo a seguir:
Só depois desse trabalho minucioso, a descoberta pode ser confirmada, e foi divulgada ontem, na véspera do Dia Mundial da Anta (27 de abril).
“Analisamos diversos aspectos, como a idade, identificando que se tratava de uma fêmea adulta e dois jovens. Também observamos que os jovens passavam boa parte do tempo com a fêmea. E ainda calculamos o tempo de gestação da anta (13 meses) e o tamanho igual dos dois jovens. Então, é impossível que sejam filhos de gestações diferentes”, explicou a pesquisadora.
No final deste post, assista a um vídeo curtinho com um dos registros das três antas passeando, juntas, pela reserva. Abaixo, reproduzo um fotograma, no qual é possível ver um dos filhotes e seu irmão logo atrás (orelhas e parte da cabeça), que seguiam a mãe.
Mariana destaca, também, que os filhotes de antas dependem da mãe por um longo período, até que se tornem independentes. Isso acontece por volta dos 15 meses de idade. “No início, dão pequenas escapadas e voltam”, mantendo-se nas imediações. Depois, começam a explorar locais mais distantes, até que estabelecem seu próprio território.
Foi justamente nessa fase que a família de antas foi identificada: os filhotes continuavam próximos da mãe, ao mesmo tempo que exploravam o espaço à volta. “Esse tipo de diagnóstico é possível com base no amplo conhecimento que as pesquisas ecológicas e comportamentais trazem”.
Mamãe e ambiente saudáveis
Os filhotes já estão com cerca de um ano e meio. Certamente, em vias de seguir seu caminho independente da mãe.
A questão para os pesquisadores do Instituto Manacá é que, mesmo sendo o maior mamífero terrestre da América do Sul, a anta – por sua constituição física e pelas características da gestação – tem o corpo preparado para gerar apenas um filhote, que, depois de 13 meses, nasce com seis quilos.
O fato de uma fêmea anta ter parido dois filhotes e estes terem sobrevivido bem, até agora, significa não só que o ambiente é propício, mas que ela é bastante saudável.
Na Mata Atlântica, é um grande desafio um filhote de anta resistir diante do ciclo da natureza. Como no Cerrado, a espécie sofre com ameaças produzidas pelos seres humanos como desmatamento, incêndios, atropelamentos, perseguições de cães domésticos, caça e agrotóxicos.
Mas na região onde os filhotes foram descobertos, há uma maior proteção contra essas ameaças. E, certamente, o ambiente da reserva, que é mais controlado, foi importante para que os pequenos sobrevivessem.
Observação de antas ou ‘tapirwatching’
A descoberta e a observação de Levi e Theo se deram durante o período mais intenso de monitoramento realizado pelo Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar do Instituto Manacá, que vai de dezembro a março.
Esse período é definido pela produção de ameixas do local, que atrai as antas. “A safra de ameixas acabou há cerca de duas semanas, e isso já dispersou as antas. Até então, havia dez delas explorando o local intensamente, comendo as ameixas. Por isso, descobrimos a fêmea e seus filhotes”, relata Mariana.
Devido a essa peculiaridade do local, o Programa também promove a observação de antas na natureza – ou tapirwatching, inspirada na prática de birdwatching – para sensibilizar o público em relação à espécie (as visitas podem
“Aqui, as pessoas têm a oportunidade de conhecer as antas mais de perto. Elas ficam disponíveis, tranquilas, devorando ameixas, descansando, então é possível vê-las bem”, acrescenta Mariana.
“Mas, agora, só em novembro teremos nova safra de ameixas e tapirwatching“, avisa. As visitas podem ser agendadas por telefone (11) 99714-5135 ou por e-mail: contato@institutomanaca.org.br
Essa é uma das frentes de atuação do Programa Grandes Mamíferos da Serra do Mar na RPPN Trápaga, que, além da anta, abriga espécies como onça-parda, macaco bugio-ruivo, gato-mourisco, jaguatirica, irara, gato-maracajá, paca, queixada, cateto, cotia, veado e tamanduá-bandeira, além de grande variedade de aves.
Foto: Gabriel Marchi, Divulgação/Instituto Manacá