PUBLICIDADE

Venda de estátuas de negros escravos acorrentados em loja do aeroporto de Salvador provoca indignação e protestos

Venda de estátuas de negros escravos acorrentados em loja do aeroporto de Salvador provoca indignação e reforça a presença do racismo velado no Brasil

Milhares, se não, milhões de pessoas, sejam elas turistas, funcionários ou moradores locais, devem passar diariamente pelo corredores do aeroporto de Salvador, uma das cidades do Brasil onde há a maior população negra do país. Mas até então ninguém tinha notado, ou melhor, se indignado, pelo menos publicamente, com as estátuas dos escravos, negros, acorrentados, expostas na vitrine da loja Hangard das Artes e à venda por “R$ 99,90” cada.

Não fosse o historiador carioca Paulo Cruz, também negro, ter trazido o assunto à tona em seu perfil no Instagram, talvez os “objetos de decoração” continuassem expostos na prateleira. Mais uma lembrancinha para levar da viagem à capital baiana.

Mas a postagem de Cruz reverberou nas redes sociais e provocou revolta e protestos nas redes sociais. Ele escreveu: “Último dia de viagem. Cidade mais preta das Américas. No aeroporto internacional de Salvador a loja @hangardasartes exibe em sua prateleira figuras de escravos à venda. ACORRENTADOS. No porto de entrada e saída da cidade, repito, mais preta da América. O preço da nossa história, genocídio e dor? R$99,90. Vamos lá perguntar se eles são racistas? COMPARTILHEM ESTE POST. E, por favor, encham o saco da loja até que eles peçam desculpas por esse CRIME“.

Depois da repercussão do caso nas redes sociais, a loja Hangar das Artes foi obrigada a se pronunciar. Divulgou a nota de retratação abaixo:

“… Todas as obras que exibimos são voltadas para a exaltação da cultura e história baiana e brasileira. Nossa loja está localizada no Aeroporto de Salvador e sempre exaltou as diversas culturas, com ênfase na cultura africana, já que temos orgulho de demarcar que somos, provavelmente, a cidade mais negra fora de África. Sempre com muito respeito e admiração.

As imagens que estão circulando, de algumas de nossas esculturas, tratam-se da imagem do Preto(a) Velho(a) – espíritos que se apresentam sob o arquétipo de velhos africanos que viveram nas senzalas, majoritariamente como escravizados, entidades essas que trabalham com a caridade e cuidam de todas as pessoas que os procuram para melhorar a saúde, abrir caminhos e ter proteção no dia a dia. Por isso, algumas das peças possuem correntes, na tentativa (ERRÔNEA) de retratar a história dessa entidade de maneira literal. Erramos na forma em que as peças foram expostas e em descrevê-los apenas como escravos, apagando, de certa forma, a história que carrega.

Pedimos nossas mais sinceras desculpas a todos que se sentiram feridos e menosprezados pela maneira como conduzimos às coisas. Nossa intenção JAMAIS foi menosprezar, ferir ou destituir da imagem de uma entidade tão importante e a potência de sua história…. E não queremos de maneira alguma trazer de volta memórias desse passado tenebroso e vergonhoso.

Por isso, retiramos todas as peças de circulação afim de minimamente nos retratar diante do ocorrido. Sabemos que não se apaga o que foi feito, mas reconhecemos a nossa falha e não tornaremos a repeti-la, não só pela repercussão que houve e sim por não condizer com a nossa verdade. Nossas sinceras desculpas pelo ocorrido”.

Depois da publicação da nota de retratação pela loja, o historiador que divulgou a imagem dos negros acorrentados para todo o Brasil voltou a comentar o episódio. “Esclareço aqui que um pedido de desculpas é sempre válido. Porém, um pedido de desculpas precisa ser honesto, sincero e vir acompanhado de políticas afirmativas para além de simplesmente retirar as imagens do ar e das prateleiras e esperar que tudo fique bem. No caso, a tal “retratação” dos lojistas alega que as imagens representam pretos e pretas velhas, que – nas palavras deles – tradicionalmente são retratados em correntes, e que qualificá-los como “escravos” foi um equívoco”.

Todavia, Cruz diz que ele nunca viu imagens de “pretos e pretas velhas” acorrentados ou algemados em centros de umbanda ou candomblé. “O porquê é muito simples (e qualquer pessoa que de fato entende a religiosidade afrodiaspórica pode apontar): essas entidades são, assim se crê, espíritos desencarnados de pretos e pretas muito sábios e sábias, que voltam à terra para aconselhar seus filhos em momentos de dificuldade e apreensão. Nesses momentos, enquanto incorporados, esses espíritos gostam de ter contato com aquilo que lhes dava prazer enquanto encarnados, normalmente o marafo (qualquer bebida alcóolica mas, muito frequentemente, vinho com café) e o pito (cachimbo, charuto ou cigarrilha de palha), que compartilham com seus filhos que vão lhe pedir conselhos”.

O historiador afirma ainda que a desculpa da loja é pouco convincente e desrespeitosa. Em seu Instagram, ele reproduziu uma foto, tirada em Ouro Preto, Minas Gerais, que reproduz um panfleto do século passado, que mostra como os negros eram vendidos a peso de ouro.

“Para lembrar a todos que talvez ainda não consigam alcançar o porquê de tanta indignação que as imagens de uma pessoa preta acorrentada à venda no saguão de um aeroporto causa a todos os pretos (e deveria causar a todos os não-pretos) que as vêem. Em Salvador, no ano de 2022, reproduz-se o que essa banner relatava acontecer no século XVIII. Pretos são vendidos. “Escravos, R$99,90”, relata indignado Cruz.

Venda de estátuas de negros escravos acorrentados em loja do aeroporto de Salvador provoca indignação e protestos

Leia também:
Uma das mais respeitadas sociedades de conservação ambiental dos EUA muda de nome devido a passado escravagista de fundador
Após protestos do movimento #VidasNegrasImportam, empresas reveem seu marketing e o uso da imagem de negros
Campanha pede que Machado de Assis seja retratado como ele era: um escritor genial e negro
Marca de móveis tira o termo ‘criado-mudo’ do catálogo devido à sua origem racista
Dinamarca ganha primeira estátua de uma mulher negra, que liderou revolta contra escravidão

Foto: reprodução Instagram Paulo Cruz

Comentários
guest

1 Comentário
Oldest
Newest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Sandra
Sandra
2 anos atrás

Gente do Céu! Não creio que a intenção da loja tenha sido ofender a comunidade negra, embora o equívoco de correntes nas imagens dos pretos velhos, entidades benditas, benfeitoras e livres. Ou então se teria que destruir todas as obras de arte que se reportam à essa fase ignóbil da História, quadros e esculturas exibindo o sofrimento destes irmãos, justamente para enfatizar a que ponto chega a insensatez humana, capaz de tais atrocidades e injustiças, a fim de que jamais se repitam. Há que se ponderar, também, que, por conta de sua compreensível revolta, a comunidade negra, muitas vezes, tenha para com “os brancos” a mesma atitude preconceituosa de separatividade e exclusão, que já deveria ter sido erradicada do Planeta, mas onde irmãos continuam sublinhando diferenças e estabelecendo discórdias incompatíveis com os filhos de Deus.

Notícias Relacionadas
Sobre o autor
PUBLICIDADE
Receba notícias por e-mail

Digite seu endereço eletrônico abaixo para receber notificações das novas publicações do Conexão Planeta.

  • PUBLICIDADE

    Mais lidas

    PUBLICIDADE