Um novo mundo em Marajó

A neblina ainda nem havia sumido direito e o sol quente já prenunciava o que iríamos encontrar na aventura um tanto ousada pelas águas do Pará: sair remando de Belém em caiaques oceânicos, cruzar a temida Baia de Marajó e seguir pelo Rio Arari, que corta praticamente de sul a norte toda a ilha.

Já no extremo norte, cruzar o Canal do Sul, um dos braços violentos da Foz do Rio Amazonas, e terminar a viagem na Ilha Mexiana, exatamente no Marco Zero da Linha do Equador. Uma viagem prevista para durar 15 dias, e nada menos do que 350 km de remada!

Ao todo foram cinco caiaques, sendo um duplo; uma pequena traineira de apoio propiciava um pouco mais de mobilidade para minha documentação fotográfica, carregando parte dos equipamentos, apesar de que, durante todo tempo em que remei, trabalhei com câmera de mergulho. Uma jornada arriscada o suficiente para pescadores incrédulos balbuciarem: “Com estes casquinhos não chegam nem em Cotijuba!” (25 km dali).

A dificuldade já conhecida pelo povo local está principalmente na travessia do Rio Pará, na Baia do Marajó, famosa por seu ‘mau humor’ e que os pescadores locais só enfrentam com muita cautela. O Arquipélago do Marajó é considerado o maior arquipélago flúvio-marítimo do mundo, sendo que a ilha tem uma área que ultrapassa os 40 mil km2.

Mais de 2 mil ilhas e ilhotas se espalham pelos meandros insulares. Extremamente plana, possui alguns montes considerados artificiais, chamados de ‘tesos’, cuja origem, dizem, remonta à época pré-colombiana feitos pelos índios locais.

Quanto a fisionomia da paisagem, Marajó está longe de ser apenas feita de charcos habitados por búfalos. Em todo o percurso da expedição pude notar uma grande variedade de ecossistemas, que vão de floresta ombrófila densa, passando por campos mistos alagados e campos de várzea, até manguezais e Cerrado. As tempestades foram uma constante; mas, da mesma forma como surgiam, desapareciam.

Nos beneficiamos muito dos famosos ‘furos’ – pequenos atalhos entre a vegetação rasteira dos campos – que cortam, e confundem, os caminhos. Na linha d’água tudo é absolutamente igual, e é fantástica a capacidade dos moradores de se localizarem naquele mar de água, pasto e flores aquáticas.

Muitos destes “furos” são formados com as movimentações dos búfalos, que pesadamente formam trilhos nos campos na época seca, e canais nos períodos de chuva. Dizem até que toda essa movimentação durante as décadas de criação bufalina vêm alterando consideravelmente a hidrologia da ilha.

Não demorou muito e os calos e as micoses começaram a mostrar sinais de vitalidade.

Após trechos longos de fazendas, com direito a capatazes armados nos acompanhando a cavalos, seguimos pelo Rio Egito que trouxe de volta o mistério natural que ronda esta ilha, com águas negras e frias, estreito, pouco ensolarado, com grandes extensões de mururés (espécie de planta aquática) fechando e dificultando a remada, e aumentando a chance de um encontro às escuras com alguma sucuri moradora.

Chegamos à Ilha Mexiana no Marco Zero da Linha do Equador com a certeza de que o Brasil é, antes de tudo, um mundo a ser explorado. E cuidadosamente cuidado, antes que acabe…

Um comentário em “Um novo mundo em Marajó

  • 17 de abril de 2017 em 4:13 PM
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    Êta, Monica! Mas só esta palhinha da expedição? Cadê o miolo? Só deu vontade de ler mais! ;) Abração Renato Rizzaro.

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Adriano Gambarini

Geólogo formado pela USP e especializado em Espeleologia, é fotógrafo e escritor desde 1992 e um dos mais ativos profissionais na documentação de projetos conservacionistas e etnográficos da atualidade. Autor de 13 livros fotográficos, dois de poesia e centenas de reportagens publicadas em revistas nacionais e estrangeiras. Ministra palestras e encontros sobre fotografia, conservação e filosofia de viagem.