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Turismo de Base Comunitária se desenvolve no extremo sul do município de São Paulo

Conhecer a zona rural do extremo sul do município de São Paulo é uma experiência e tanto, principalmente para quem vive na área urbana da capital. E por várias razões. Porque é área remanescente de Mata Atlântica. Porque abriga cursos d’água ainda limpos, que abastecem a cidade. Porque é uma área de produção agrícola dentro dos limites do município de São Paulo. E por último, falando aqui de um pedaço que muito me interessa, porque lá está baseada a Cooperapas, cooperativa de produção agrícola orgânica sobre a qual já falei aqui no blog, em junho de 2016.

Passei os últimos dias naquela região, ouvindo histórias de agricultores e agricultoras familiares. E entre uma prosa e outra, comendo jabuticaba do pé e tomando suco de morango com caldo de cana da Dona Massui. Conversando com o seu Owaldo do Caqui, sentada com ele e a esposa, Edna, na varanda da casa deles, com vista para centenas de pés de caqui e uma chuvinha boa de fundo, no Parque da Serra do Mar. E partilhando conversas longas com Valéria Macoratti, presidente da Cooperapas, e Vania Maria Ferreira dos Santos, que prepara comidas muito gostosas usando ingredientes saudáveis e misturas inesperadas.

Foi Valéria quem me contou do Projeto Acolhida, que está em desenvolvimento por oito agricultores/as da Cooperapas. O grupo está consolidando aos poucos a possibilidade de promover Turismo de Base Comunitária na zona rural sul de São Paulo, a partir de uma parceria com a Escola Schumacher Brasil e inspirado pela experiência de Santa Catarina – o programa Acolhida na Colônia, que oferece roteiros com hospedagem em casas de agricultores/as orgânicos e entende o agroturismo como parte integrante das atividades das unidades produtivas e como fator de desenvolvimento local.

A Acolhida na Colônia é uma associação criada em 1999, composta por cerca de 180 famílias de agricultores/as, integrada à Rede Accueil Paysan, atuante na França desde 1987. Está localizada no município de Santa Rosa de Lima, em Santa Catarina, e seus integrantes abrem suas casas para o convívio no dia a dia. Assim, compartilham saberes e fazeres, culturas, paisagens, oferecendo hospedagem simples, com direito a conversas na beira de fogões a lenha, fartura à mesa, alimentos frescos colhidos na horta e passeios pelo campo.

A ideia desse grupo de agricultores/as orgânicos da Cooperapas, em São Paulo, é desenvolver projeto semelhante. A primeira fase já foi completada, e incluiu visitas às propriedades dos participantes, nas quais o grupo apontava o que era bom na acolhida e o que poderia ser melhorado. Assim, cada propriedade seguinte a ser visitada já melhorava aspectos apontados no encontro anterior, até que na última delas tudo já estava redondo para receber hóspedes. Ou minimamente todos já sabiam o que será preciso melhorar em suas casas para receber as pessoas. O próximo passo acontece agora, quando o grupo viaja até Santa Catarina para conhecer pessoalmente o Acolhida e trocar experiências.

“Estamos fazendo um projeto piloto com a Escola Schumacher Brasil, o IBEAC e a Cooperapas. Fizemos oficinas sobre decoração, apontamos pequenas coisas que podem ser melhoradas sem grandes gastos, para receber bem os hóspedes. E agora vamos conhecer o Acolhida em Santa Catarina. Lá eles tinham muito êxodo rural, e hoje tudo o que eles produzem é vendido nas propriedades, dentro do programa de agroturismo. Fazem queijos, pães, geleias, têm uma lojinha. E um programa de turismo pedagógico também, acolhendo crianças. Lá era uma região de produção de fumo. Hoje produz alimentos orgânicos. Dentro desse raciocínio, de fazer pequenos ajustes para receber os hóspedes, um quarto que antes era usado para secagem de fumo vira uma sauna, por exemplo”, diz Valéria.

Nesses dias que passei na zona rural no extremo sul de São Paulo, já pude experimentar a acolhida de Valéria e Vania, que vivem numa propriedade cheia de animais e produzem alimentos orgânicos. As refeições são sempre preparadas com o que vem da horta, e o cardápio é determinado por isso. Comida muito saborosa, preparada com hortaliças e legumes frescos: torta cremosa de maxixe, quibe de abóbora com ora-pro-nobis, quiabo, arroz com feijão delícia, saladas revigorantes, abóbora recheada com peixinho, geleias, pesto com cambuci e molhos de pimenta caseiros. No café da manhã, comi pão fresco com azedinha e com ora-pro-nobis.

Acompanhei também algumas vezes a preparação das refeições, elaboradas por Vania. Os braços carregados de alimentos orgânicos vindos da horta é uma visão e tanto. “Alimento vivo”, como diz Valéria, porque acaba de ser colhido da terra. E há muita versatilidade e criatividade na escolha de receitas com os ingredientes disponíveis.

Conheci a rotina diária da dupla, que inclui alimentar os animais que vivem na propriedade – galinhas, jumentos, cães, gatos e até um ganso. Os dois primeiros ajudam no enriquecimento da terra para a produção dos orgânicos. Quanto aos outros, as duas são protetoras de animais e cuidam de dezenas deles em terreno ao lado da casa. Os bichos têm abrigo, espaço para se movimentar, alimentação e muito cuidado.

Ainda tive um bônus nesta estadia – a companhia de Valéria para percorrer a região. Dando início ao trabalho de campo para o projeto Ligue os Pontos, ouvi muitas histórias, dela e de todas as pessoas que lidam com a terra por aquelas bandas. É um privilégio para o município de São Paulo ter uma zona rural em seus limites, tão pertinho do centro urbanizado.

Agricultores/as familiares são responsáveis pelo fornecimento de cerca de 70% do que vai para a nossa mesa. E eles trabalham de domingo a domingo pra isso. Essa vivência, de “calçar seus sapatos”, ouvir e partilhar do seu dia a dia, pisar a terra, conhecer as rotinas, comer o que comem, ter acesso às suas visões de mundo, é uma experiência transformadora.

Afinal, comer pode ser um ato revolucionário!

Fotos: Mônica C. Ribeiro 

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Francisco Neto
6 anos atrás

Excelente reportagem, Mônica. Faz a gente sonhar com ações desse tipo. Há previsão para o início das atividades de hospedagem?

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