Transgredir é preciso

O Carnaval é uma expressão importante da cultura brasileira. Recém terminado, ainda estamos as percepções que provocou frescas na memória: os sons, as cores, as brincadeiras, as fantasias. Seja nas principais capitais ícones desta festa, seja nas pequenas cidades do interior, esse é um período em que reina a alegria e todos podem sair do convencional, fantasiando-se como quiser, cantando e se divertindo.

Nas cidades pequenas, há também muitos espaços para as crianças, que desde cedo entendem e se integram a essa grande festa. Nas grandes cidades, a volta do Carnaval também levou muitas famílias para as ruas, criando uma grande festa de confraternização e ocupando os espaços públicos.

De uma maneira geral, desde suas origens e em toda parte do mundo, esta é a grande festa da transgressão, em que a subversão dos papéis sociais e a suspensão das normas de comportamento podem imperar. É o tempo de ser outro, inverter papeis, criar personagens.

A experiência da transgressão como parte importante da vida social nos levou a reflexões que extrapolam o âmbito da festa propriamente dita: a transgressão é um movimento importante para que todos possam ter uma vida ética, ou seja, considerar seriamente os aspectos da vida em sociedade, acatar aqueles com os quais concorda e rejeitar ou transgredir as normas com as quais não se concorda, assumindo, assim, todas as consequências.

Isso é o que aprendemos em Filosofia. A Ética, pode-se dizer, é a liberdade de transgredir as regras sociais que, submetidas a profunda e sincera verificação e reflexão, foram consideradas inaceitáveis pelo indivíduo.

Trazendo essa reflexão para o nosso tema, o tema deste blog e da nossa iniciativa, defender a ideia de que o convívio sensorial direto das crianças com a natureza pode ser visto como um ato de transgressão das regras sociais vigentes.

Olhemos ao nosso redor. Observemos a sociedade. O que impera, em termos numéricos, são as crianças vivendo entre quatro paredes, ou sobre quatro rodas, ou hipnotizadas por telas eletrônicas. Com brinquedos (materiais sintéticos e carregados de estereótipos), com cinto de segurança e grama plástica, trajados de roupas e adereços que são características do mundo adulto. Por isso, sugerir que vistam as crianças com roupas mais simples, mais à vontade, deixem-nas descalças, brincando livres e sem supervisão, parece extremamente transgressor.

A sociedade só evolui quando observamos séria e amorosamente as regras sociais existentes e temos a coragem de transgredi-las quando percebemos que elas não servem mais.

Deixar as crianças brincarem com a natureza é, portanto, não é um movimento conservador de retorno às origens, mas um movimento evolutivo, que compreende e deseja superar as limitações de uma educação centrada em apenas um dos múltiplos aspectos da natureza humana, o racional. É querer avançar na direção da formação de um ser humano cada vez mais pleno, que conhece e sabe desfrutar dos inúmeros atributos que a natureza lhe oferece.

Uma infância sem natureza é uma prisão, em que se lhes oferece apenas o que foi criado pela sociedade, as coloca à frente de sistemas repetitivos, de ações e recompensas, privando-lhes da experiência direta com a integralidade que o conjunto dos seres humanos e não humanos formam.

É no contato e convívio com esse universo mais que humano que se formam as bases internas para o desenvolvimento de indivíduos plenos e capazes de, no futuro, criar mundos em que sua verdadeira natureza possa se expressar.

Foto: Domínio Público/Pixabay

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Ana Carolina Thomé e Rita Mendonça

Ana Carolina é pedagoga, especialista em psicomotricidade e educação lúdica, e trabalha com primeira infância. Rita é bióloga e socióloga, ministra cursos, vivências e palestras para aproximar crianças e adultos da natureza. Quando se conheceram, em 2014, criaram o projeto "Ser Criança é Natural" para desenvolver atividades com o público. Neste blog, mostram como transformar a convivência com os pequenos em momentos inesquecíveis.