Todas as paredes podem ser vivas com o concreto verde

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Além de serem sinais de sofisticação e consciência ambiental, atualmente telhados verdes e jardins verticais são alvos de políticas públicas e subsídios nas grandes cidades globais. É o caso em São Paulo, Nova York e Paris, onde já há lei que obriga os prédios comerciais a instalarem essas estruturas, além de placas solares, como parte do esforço para uma transição energética sustentável. As vantagens nisso são mais que estéticas e vão desde a mitigação da poluição atmosférica até a redução do consumo de energia com ar condicionado por conta do resfriamento natural das edificações. Um telhado verde, por exemplo, pode diminuir a temperatura interna de um projeto em até 30%.

O futuro em certa medida é otimista e a tendência é que a natureza seja cada vez mais incorporada ou introduzida nas skylines. Mas o que está sendo desenvolvido hoje na vanguarda da arquitetura e da engenharia civil é ainda mais promissor. Grupos multidisciplinares de pesquisa na Espanha e na Inglaterra estão numa corrida para lançar materiais de construção biorreceptivos, que, graças à sua composição física, são capazes de receber e estimular o crescimento de musgos, microalgas e fungos liquenizados em seus interiores, tornando qualquer estrutura em um jardim vertical.

“O que acontece normalmente é que as pessoas gastam muito dinheiro com soluções anti-musgo e afins, pois relacionam o seu surgimento com sujeira e decadência. Mas o contrário é mais interessante, quando, na verdade, poderiam abraçar essas espécies insurgentes no concreto como uma pintura ecológica ou adorno natural. Nossa ideia é aproveitar e integrar a função desses seres vivos como filtros naturais do CO2 e controladores térmicos nas construções urbanas”, conta Ignácio Segura  Pérez, chefe de pesquisa do Grupo de Tecnologia Estrutural da Universidade Politécnica da Catalunha. Desde 2010, ele e sua equipe trabalham na criação de painéis de “concreto verde”.

Os pesquisadores estão utilizando a combinação de dois tipos de materiais conhecidos na construção civil para obter no concreto verde as propriedades necessárias de pH, porosidade e rugosidade que facilitam o crescimento das espécies. O primeiro é um concreto composto de fosfato de magnésio, o MPC, geralmente usado em reparos estruturais dos prédios por secar rapidamente. O segundo, por sua vez, é o concreto tradicional de cimento Portland, com o diferencial de ser tratado com dióxido de carbono (CO2) em um ambiente controlado com 65% de umidade relativa do ar. “Essa composição é feita para deixar o concreto verde menos ácido, o que acelera o crescimento dos musgos, líquens e fungos. Feito isso, nós aplicamos o material nos painéis, que possuem três camadas específicas para suportar o sistema vegetativo. A primeira é impermeável para impedir a entrada de umidade no material estrutural. A segunda capta água para criar um ambiente apropriado para a colonização das plantas e fungos, enquanto a terceira faz a impermeabilização inversa, ou seja, evita que a água escape para nutrir esse pequeno habitat dentro do material”, explica Ignacio.

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Segundo o pesquisador, o apelo da nova tecnologia vai além da sustentabilidade, a intenção é permitir que arquitetos, designers e artistas plásticos possam personalizar suas construções, novas e antigas, com padrões ecológicos que podem variar conforme o clima, a época do ano e os tipos de organismo e vegetação desejados. “Isso vai  estimular a adoção por paisagistas e arquitetos, criando novos conceitos de jardins verticais. Já mandamos amostras do material para diversas universidades e pesquisadores, inclusive no Brasil, para ser testado com espécies locais de plantas e fungos. O próximo passo é lançar o concreto verde comercialmente, o que não deve passar de 2016”, comenta o pesquisador. Em 2015, o projeto foi premiado no Beyond Building Barcelona-Construmat, que reconhece tecnologias inovadoras em construção.

Com o mesmo propósito dos catalães, o BiotA Lab, um laboratório de pesquisa em arquitetura, engenharia e microbiologia da London College University, está trabalhando no conceito de materiais biorreceptivos. “Jardins verticais e paredes vivas precisam de sistemas mecânicos de irrigação e manutenção, que tornam sua instalação inacessível para a maioria das pessoas. Nossa ideia é que a própria natureza cuide do sistema fotossintético sem a necessidade de interferência”, afirma Richard Beckett, um dos diretores do projeto. “Há um potencial gigantesco para aplicações e ganho de escala neste momento. A proposta, além de ser mais barata a longo prazo, é uma resposta para a demanda crescente nas cidades por mais verde e qualidade de vida no contexto do combate à poluição e às mudanças climáticas”, ressalta ele.

O Biota Lab está trabalhando com “concreto verde” semelhante ao espanhol, mas a composição utilizada varia para receber diferentes espécies, que crescem dentro de desenhos geométricos pré-determinados (foto abaixo) e tornam as futuras fachadas e paredes mais bonitas e biodiversas. “Esse aspecto certamente torna mais complexa a nossa pesquisa. Como controlar musgos e fungos que crescem de maneira caótica? Queremos que os arquitetos e também as pessoas parem de ver essas espécies como elementos de prédios mal cuidados ou abandonados”, comenta ele, que compara o concreto verde com a casca dos troncos das árvores. “A casca é mais que uma proteção, é um hospedeiro. Ela permite que outras espécies cresçam e se integrem a ela. Qualquer parede pode se tornar um potencial receptáculo da natureza com essa tecnologia, uma casca protetora”, diz Beckett.

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Fotos: Wikimedia commons / Musée du Quai Branly, All Things Plants e Divulgação

5 comentários em “Todas as paredes podem ser vivas com o concreto verde

  • 29 de dezembro de 2015 em 9:34 PM
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    Gostaria de saber se foram feitos estudos acerca de insetos que podem se beneficiar desse tipo de revestimento. Existem estudos sobre animais, sobretudo, mosquitos, baratas e aranhas neste novo tipo de revestimento, existe algum tipo de controle ou previsão sobre isso?

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Julio Lamas

É repórter e escreve sobre sustentabilidade desde 2012.