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Tocandira: a formiga usada em rituais indígenas que causa dores alucinantes

Após navegar por duas horas pelo rio Cristalino, no Mato Grosso, entramos em uma trilha no meio da floresta amazônica. Foi em 2011. Eu guiava um grupo de oito turistas junto com Jaime, um índio da tribo Juruna. Ele ia na frente, mostrando o caminho. Olhava para o chão o tempo todo, observando com cuidado para que nenhuma pessoa fosse picada por uma cobra. Mas, conforme eu iria descobrir, havia também o medo de insetos.

O sol era forte, ainda assim, devido a proteção da copa das árvores, poucos raios de luz penetravam a mata densa. Paramos em frente a uma castanheira de 50 metros de altura. A árvore gigantesca se destacava das demais. Oito pessoas com os braços abertos não eram suficientes para dar a volta completa na base espessa do tronco. Macacos-aranha balançavam pelos galhos enquanto o uirapuru cantava para atrair uma parceira. Tudo ali impressionava. Mas a atenção de Jaime estava inteiramente voltada para um inseto que andava pelo chão.”Cuidado! Essa formiga é uma tocandira (foto de abertura). Se você for picado vai conhecer a pior dor que já sentiu na vida.” E completou em seguida: “Ela também é chamada de 24 horas. Esse é o tempo que leva para passar a dor.”

A tocandira, também conhecida como tucandeira, é uma formiga encontrada nas florestas tropicais brasileiras. Ela é facilmente reconhecida pelo tamanho: com 2 cm de comprimento, é oito vezes maior do que uma saúva operária (aquela formiga que carrega folhas para o ninho). Sua picada é tão dolorosa que algumas pessoas dizem ser pior do que um ferimento a bala. Esse fato lhe rendeu o nome de hormiga bala em espanhol e bullet ant em inglês (formiga bala na tradução literal)

Já tinha ouvido histórias de tocandiras usadas pela tribo Sateré-mawé em ritos de passagem nos quais os jovens devem vestir luvas cheias de formigas e aguentar por mais de 10 minutos. A cada picada, a neurotoxina das tocandiras ataca o sistema nervoso e causa uma dor lancinante, capaz de gerar alucinações. Quando as luvas são retiradas vem a sensação de que o corpo está queimando e as mãos começam a inchar. O ritual prossegue com danças de roda por 11 horas. Para se tornar um guerreiro, os jovens Sateré-mawé devem passar por esse ritual 20 vezes (veja o vídeo no final do post).

Jaime mostrando aos turistas como fazer uma corda usando fibras do tronco de uma árvore
Foto: Fábio Paschoal

Na tribo de Jaime as formigas eram usadas com outro propósito. Para um índio casar com uma mulher era necessário provar sua coragem e resistência. Os pretendentes eram reunidos e enfiavam a mão em um buraco cheio de tocandiras. O último a tirar a mão seria o escolhido. “Só casei depois que saí de lá”, me contou Jaime, com bom humor.

Até os 18 anos de idade ele viveu na mata, junto de seu povo. Foi morar em Alta Floresta, no Mato Grosso, para trabalhar com mineração. Tornou-se piloteiro de barco de pesca e depois guia de ecoturismo. Foi professor e amigo durante o ano que morei na Amazônia. Entre as muitas coisas que aprendi com ele, estão o poder de fogo das tocandiras e o quanto é necessário estar atento a essas formigas. Com ou sem a mão picada em um ritual de passagem, Jaime ensinou-me a respeitá-las.

Foto de abertura: A temida tocandira (Paraponera clavata) em foto de Geoff Galice/Creative Commons

 

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