Árvore do esquecimento

obra do artista mineiro Tiago Gualberto

Não há escuridão para o olho na cidade que nunca apaga. Para noite estrelada. Para lua cheia. Para lâmpada que joga luz sobre um raio de preconceito, sobre um feixe intrincado de acomodações históricas que não podem continuar anestesiando o país.

O  filamento genético é cerne, incrusta-se na nossa formação, no nosso espaço social que não pode mais continuar tendo autonomia para invisibilizar uma maioria.

Tiago Gualberto, Árvore do Esquecimento, 2012 , Técnica mista, Coleção particular

Acendam-se mais e mais chamas da indignação. Cada invisível muna-se de energia de luta para sair dando choque de realidade nesse pessoal que nunca sabe o que fazer com um inesperado fio desencapado; que não pega no rodo se vê chão molhado. Que não está nem aí para quem carrega nas costas a dor secular do chicote para açoitado.

Os fósforos riscados, o princípio desarmado, a luz extinta, a falta de tinta. Vidas escurecidas. Identidades que provavelmente prefeririam se diluir nos oceanos a ser obrigadas a navegar na insensatez do destino. Essa sina que no rastro espumante da embarcação fez nascer um rastilho de castigo e cicatriz. É como ficar à mercê da sorte. Como ter que jogar palitinho para ganhar a condição de fazer parte do painel das gerações.

Como correr o risco de ver a árvore genealógica obscurecida por um incêndio na floresta tomada pela colonização escravizante.

Como ficar sem pai, nem mãe.

Tiago Gualberto, Sem título, Xilogravuras sobre filtro de coador de café, Acervo Museu Afro

Como acordar no dia seguinte e não saber nem onde está o coador de café.

Como ter as digitais queimadas pela água fervente.

Como viver gerações engolindo as mesmas frases preconceituosas.

Isso tudo que se enxerga no trabalho do mineiro Tiago Gualberto, no Museu Afro Brasil, em São Paulo, e que causa mal-estar a quem tem um mínimo de consciência social. Tem que ser lembrado sempre para ver se esse desconforto chega às elites.

Cito aqui a opinião da socióloga Elisa Pereira Reis sobre a situação desigual que vivemos: “Às vezes, os trabalhos históricos são lidos como se fossem testemunhos de que temos um destino manifesto autoritário. E não temos. Escolhemos as coisas. É comum escutar que, no Brasil, há desigualdade de cor hoje porque tivemos a escravidão no passado. Concordo que a origem do problema é essa, mas a desigualdade e aspectos discriminatórios e elitistas da nossa sociedade são recriados e reativados constantemente. A situação não permanece igual espontaneamente. Precisamos saber explicar por que ela não muda.”

MUSEU AFRO BRASIL
Endereço:
Avenida Pedro Álvares Cabral, Portão 10, s/n – Parque Ibirapuera, São Paulo
Horário de funcionamento: terça-feira a domingo, das 10h às 17h (permanência até às 18h)
Ingresso: entrada Inteira: R$ 6,00 e meia entrada: R$ 3,00
Grátis aos sábados
Fone: (11) 3320-8900

Fotos: divulgação/Flickr do artista

Um comentário em “Árvore do esquecimento

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Karen Monteiro

Com arte, tá tudo bem. Se as exposições, peças de teatro, shows, filmes, livros servirem de gancho para falar de questões sociais e ambientais, tanto melhor. Jornalista, tradutora, cronista e assessora de imprensa, já colaborou com reportagens para grandes jornais, revistas e TVs.