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Slowbirding ou a arte de contemplar aves

beija-flor

Lembro como se fosse hoje: em meados de 2001, ainda no início da popularização da internet no país, lancei um projeto que se tornaria uma das maiores revoluções no mundo da observação de aves. O Facebook, o Skype e o Whatsapp sequer haviam sido pensados e alguns observadores de aves vagavam sozinhos e isolados por suas cidades.

No dia 25 de agosto, em uma tarde comum, sem nada de especial, criei a lista digital Ornitobr, o primeiro grande projeto de ciência cidadã e divulgação científica em nível nacional. Contando com a colaboração especial de pesquisadores de renome como Fernando Straube, Martha Argel e Vitor Piacentini como coordenadores dessa lista, defini um objetivo claro para ela: ser o primeiro canal de comunicação entre observadores e pesquisadores de aves do Brasil. Em pouco tempo, chegamos a reunir 500 membros, um recorde impressionante para a época.

E tivemos alguns aliados: não só o avanço da internet, como também a invasão de milhares de câmeras digitais no país, que baratearam os preços dos equipamentos fotográficos, tornando-os acessíveis à nova geração de observadores de aves que, com a plataforma Ornitobr, podiam também colecionar e compartilhar fotos na internet.

Assim, posso afirmar que a Ornitobr foi fundamental para a popularização da observação de aves no Brasil. Também posso dizer que os avanços na tecnologia acompanharam este novo “exército” de observadores de forma tão profunda que, atualmente, os praticantes da atividade têm um vínculo maior com a fotografia do que com as próprias aves.

Isso parece algo impossível de se imaginar. Afinal, se alguém passa seus dias fotografando aves, como poderia não ter vínculo estreito com esses belos animais? Estranho, não? Mas é exatamente isso o que acontece com esta nova geração de observadores de aves: eles deixaram de observar para, simplesmente, fotografar.

Muitos praticantes desenvolvem o que chamo de Transtorno de Déficit de Aves (DDA), que se expressa quando a relação entre o observador e as aves ocorre quase que, apenas, por meio digital ou seja, das lentes, visores e telas das câmeras, celulares e computadores, podendo progredir para um estágio avançado – ou DDA+ -, no qual o observador deixa de enxergar as aves ao seu redor e passa a buscar apenas espécies raras.

A boa notícia é que esse “transtorno” tem cura. Para isso, estou fundando um novo movimento para impulsionar uma nova forma de se observar aves: a observação contemplativa de aves ou slowbirding. Basta esquecer a câmera fotográfica e admirar as aves. Simples assim! Contemplar as aves com grande prazer, apenas.

Como fazer? Comece com pequenas práticas todos os dias, observando as espécies que vivem próximo da sua casa ou do seu trabalho, aquelas que voam livres pelo quintal ou cantam bem em frente a sua janela. Observe as aves sem pressa e com total desprendimento e, a cada dia, busque encontrar um novo e pequeno diferente detalhe para admirar. Se hoje você focar nas diferentes cores das aves, amanhã observe as interações que ocorrem entre aves de uma mesma espécie.

Assim é a observação de aves contemplativa, na qual o observador deixa de fotografar uma ave para se aproximar mais dela, um ser vivo ao mesmo tempo tão diferente e tão similar a nós humanos. Com essa prática, você passa a perceber que aquela pequena ave na sua janela tem sentimentos, enfrenta obstáculos e dificuldades tão desafiadoras quanto as nossas e as supera todos os dias.

O observador de aves que se arriscar nesse mundo abrirá uma ‘janela’ que o levará muito além da percepção, em uma jornada de desenvolvimento humano na qual, em pouco tempo, começará não só a admirar as aves como a refletir sobre si mesmo.

Mas aqui vai um aviso importante: o processo envolve alguns riscos, já que você pode ser taxado de rebelde ou, até mesmo, de doido. Se isso acontecer, parabéns! Você está no caminho certo.

Alguns observadores que viajam comigo, no início da prática estranham o fato de eu não carregar uma máquina fotográfica o tempo todo. Na verdade, fico tão à vontade com a prática do slowbirding que, em momentos especiais – como quando vi pela a fêmea do Pato-Mergulhão (Mergus octosetaceus) com seus filhotes -, mesmo se estou com minha câmera, prefiro manter o equipamento na mochila e contemplar este momento único com meus próprios olhos, sem intermediários digitais, com todos os meus sentidos, captando não apenas uma imagem, mas vivenciando ‘a experiência’ que será guardada para sempre na minha memória.

E mais: com essa prática, seu olhar fica mais afiado e melhora sua forma de observar as aves e de fotografar. Ou seja, seus próximos registros, com certeza, vão ser muito mais interessantes e de qualidade.

Quer embarcar nesta nova jornada comigo? Você é meu convidado especial para participar do movimento Slowbirding Brasil. É só visitar o site do Instituto Passarinhar ou a página no Facebook para aderir. Vai ser ótimo ter sua companhia.

Na foto que ilustra este post, toda a felicidade do beija-flor-de-garganta-verde (Amazilia fimbriata), aproveitando a chuva fina para se refrescar.

Foto: Sandro von Matter

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Márcia
Márcia
8 anos atrás

Puxa, eu faço isso aqui em casa. Tenho uma relação amistosa com vários passarinhos que vêm se alimentar e passar um tempinho por entre os arbustos e árvores do meu pátio. Até registrei algumas aparições, mas confesso que o que me dá mais prazer e alegria é ver o vai e vem da passarada. Fico quietinha e eles já parecem me conhecer.

Fernando Borges
Fernando Borges
6 anos atrás

Olá, Sandro. Sou muito slowbirding, como podemos nos comunicar ?

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