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Mais de 7 mil indígenas de 200 povos ocupam Brasília com o ‘Acampamento Terra Livre’ para exigir a demarcação dos territórios e ‘aldear a política’

Faltam três dias para terminar o 18º Acampamento Terra Livre (ATL2022) que, desde 4 de abril, ocupa a capital federal com a presença pujante de cerca de sete mil indígenas de 200 povos de todas as regiões do Brasil. 

Eles estão reunidos no complexo da Funarte – Fundação Nacional de Artes, no Eixo Monumental, avenida que desemboca na Praça dos Três Poderes, para debater o tema Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política até 14 de abril.

Apesar de praticamente ignorada pela grande imprensa, esta mobilização indígena já está sendo considerada a maior do país e do mundo e tem uma programação intensa de debates em plenária e marchas, que têm sido divulgados diariamente nas redes sociais, a partir dos perfis da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, de lideranças e participantes indígenas e não indígenas, e da imprensa alternativa.  

Este é o primeiro acampamento presencial depois do início da pandemia. Em 2020 e 2021, foi realizado virtualmente. Quem quiser apoia-los com doações em dinheiro – para manutenção no acampamento e também o retorno, no dia 15 – pode fazê-lo pelo site da APIB.

Plenárias, audiências e marchas

A data para realização do ATL2022 foi definida pela APIB para coincidir com a agenda do Congresso Nacional que nesse período pode votar projetos de lei que violam os direitos dos povos originários, como o PL 191/2020, que libera a mineração em terras indígenas.

No primeiro dia, Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB, declarou que os indígenas já estão se preparando para voltar à Brasília em junho e acompanhar a continuidade do julgamento sobre o marco temporal no STF – suspenso em setembro de 2021 pelo pedido de vista do ministro Nunes Marques -, que definirá o futuro das demarcações de terras no Brasil.

Foto: Mídia Ninja

Essa tese inconstitucional restringe o direito das comunidades às terras que ocupam. E ainda é reforçada pelo PL 490/2007 – que desobriga o governo de demarcar terras indígenas e anula as que já foram homologadas – aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara dos Deputados, em junho de 2021.

Integram a programação (que você pode consultar aqui), três plenárias diárias que debatem temas urgentes como ameaças, demarcação, projetos de lei, políticas públicas, economia e saúde indígena, povos isolados, candidaturas das mulheres indígenas, a juventude, mobilização nacional, campanhas e aliança de movimentos sociais e a criação da Bancada do Cocar pelas mulheres.

Em plenária, lideranças conversaram com integrantes do Parlamento Europeu e da ONU, confraternizaram e dividiram preocupações e planos com parentes. 

Paralelamente, Sonia Guajajara, Eloy e Mauricio Terena, Txai Suruí, Alessandra Korap e Elisa Pankararu, entre outras lideranças, têm participado de audiências com representantes do Supremo Tribunal Federal para tratar das pautas indígenas em trâmite na Corte – com Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e assessor de Dias Tóffoli -, com as embaixadas da Alemanha e da Noruega para cobrar compromissos dos dois países em relação a seus bancos, que investem em projetos desmatadores, e também promessas feitas na COP26, em Glasgow, e, ainda, com o Ministério Público Federal para clamar pelos Yanomami, cujas terras têm sido destruídas de forma avassaladora pelos garimpeiros, com este governo.  

Maurício Terena, Sonia Guajajara e Eloy Terena em frente ao STF, antes de reunião com ministros / Foto: Andre Cohneh’tyhc Guajajara/ APIB
Eloy Terena e Sonia Guajajara ao chegar para a audiência na Embaixada da Alemanha / Foto: Mae Gavião/APIB

O PL 191 e a carta aberta para Lira: assine!

Na última sessão em que o PL foi incluído na pauta da Câmara dos Deputados, às pressas – no mesmo dia do Ato pela Terra, liderado por Caetano Veloso -, Arthur Lira, seu presidente, anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir o texto e declarou que ele voltaria ao plenário para votação até 14 de abril.

Esse PL é um dos principais temas do acampamento, por isso, no terceiro dia, foi realizado debate com integrantes da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI), do Congresso Nacional, que resultou numa carta aberta trilíngue (português, inglês e espanhol), que pode ser assinada neste link.

A meta é alcançar um milhão de assinaturas para que a carta pública seja entregue à Arthur Lira, com um pedido para que o PL não seja pautado (assine e compartilhe!). 

Para convencê-lo, o texto destaca que “o PL 191/2020 apresenta evidentes problemas jurídicos e de inconstitucionalidade, desconsidera tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e afronta o próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados”. 

O documento se baseia em dados do estudo do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que apontou que a justificativa do governo (falta de potássio para fertilizantes) para apressar a exploração mineral nas terras indígenas não procede. 

 “Cerca de 2/3 das reservas nacionais de potássio estão localizadas em Sergipe, São Paulo e Minas Gerais, ou seja, fora da Amazônia Legal, onde estão 98% das terras indígenas homologadas no país”. Apenas 11% das jazidas se sobrepõe a esses territórios. 

E o documento ainda faz um apelo: “A atual legislatura não pode passar para a História como incentivadora da destruição dos povos e das terras indígenas. Vamos ouvir o clamor da floresta. Todos nós, deputadas, deputados, senadoras e senadores, independentemente de posições políticas e ideológicas, devemos lutar para não carregar essa nódoa indelével”.

Demarcação Já, violência e petição 

Foto: Rodrigo Duarte / APIB

Para pedir ‘Demarcação Já’ e protestar contra a agenda anti-ambiental do governo Bolsonaro, os indígenas fizeram sua primeira marcha na quarta-feira, 6/4, em direção ao Congresso Nacional e ao Ministério da Justiça, na Praça dos Três Poderes.

Foto: Mídia Ninja

No dia seguinte, 7/4, foi a vez de gritar ‘Basta de Violência’ contra os povos indígenas, em nova marcha, que também percorreu o eixo monumental com destino ao Ministério da Justiça.

Lá foi protocolada petição com mais de 500 mil assinaturas, clamando pela devolução de direitos dos povos indígenas e a celeridade dos processos demarcatórios

O ato contou com as presenças dos músicos Chico César, Thelminha e Carlos Rennó.

Foto Kamikia Kisidje / Mídia Índia

A Bancada do Cocar e as mulheres indígenas

Na sexta-feira, 8/4, foi a vez das mulheres se reunirem para debater a ocupação dos espaços que lhes têm sido negados, como na política, atendendo a um dos objetivos do ATL 2022: “aldear a política”. 

A Bancada do Cocar / Foto: Mídia Ninja

Assim, lançaram pré-candidaturas à Câmara dos Deputados (deputadas federais) e às Assembleias Legislativas em diversos estados (deputadas estaduais), com a Bancada do Cocar, para derrotar o lobby da mineração e a bancada ruralista.

Na política, poderão participar da construção de políticas públicas voltadas para os povos indígenas e a manutenção de seus direitos. 

“Nossos territórios não estão à venda”

O dia terminou com nova marcha até a Praça dos Três Poderes, que foi marcada por um ato potente e muito simbólico: indígenas subiram até o topo do mastro que exibe a bandeira do Brasil, ao som de gritos e maracás, para exibir uma bandeira na qual se lia: “Nossos territórios não estão à venda”. 

A imagem abaixo, da Mídia Ninja, se espalhou rapidamente pelas redes sociais. 

Foto: Mídia Índia

“Fora Bolsonaro”

No dia seguinte, 9/4, a cena se repetiu, mas com uma nova bandeira. Depois de circular pela avenida até o Congresso Nacional com uma “bandeira do Brasil suja de sangue” – produzida por Clarissa Beretz para os atos contra Bolsonaro -, um representante do povo Enawenê Nawê “escalou” o mastro para ”demarcar o território da democracia”.  

Foto: Mídia Ninja

O protesto emocionante – registrado pelo fotógrafo Ricardo Stuckert – integrou a manifestação popular Fora Bolsonaro, realizada em Brasilia (e diversas cidades pelo país), à qual se juntaram os indígenas acampados na cidade. 

Foto: Ricardo Stuckert

“É o povo do urucum, do jenipapo, da pena e do cocar! Ao som dos maracás vamos varrer Bolsonaro da história!”, gritavam.

Vale registrar que a polícia criou uma barreira para revistar e intimidar principalmente os indígenas (foto abaixo) ou quem estava com eles.

Foto: André Leite

LGBTQI+, pela primeira vez no ATL 

Hoje começou a segunda semana de acampamento com debates da juventude indígena sobre o futuro e o primeiro debate, em 18 anos, a cerca dos indígenas LGBTQIA+, que falam de “diversidade e a nossa força ancestral”.

Foto: Alass Derivas/APIB

Com o tema ‘Colorindo a luta em defesa do território‘, as intervenções foram acompanhadas de bandeiras do arco-íris. Indígenas de todos os biomas participaram e lançaram um manifesto “pelo reconhecimento e respeito aos corpos-territórios“, que foi entregue à coordenação executiva da APIB. E destacaram: “Tirem seu preconceito do caminho que eu quero passar com meu cocar”.

O Instagram da APIB conta: “Evocando a memória de Timbira Tupinambá, o primeiro caso de homofobia contra os indígenas, registrado no século XVII, denunciaram a situação dos jovens que se assumem nas aldeias, e que muitos recorrem ao suicídio“.

Marcha contra o garimpo que mata e desmata!

Foto: Matheus Alves/APIB

A marcha que marcou o dia de hoje, 11/4, destacou a mineração em terras indígenas e o PL 191 que, ao que tudo indica, deixou de ser foco de Arthur Lira, que, agora, quer debater o Código da Mineração -, com o objetivo de pressionar o poder público (no início do ATL 2022, foi divulgada uma carta aberta a ser enviada à Lira: assine!).

Sujos de lama e de sangue coreográfico, indígenas, lideranças e apoiadores representaram toda violência, destruição e sofrimento que advém desta atividade ilegal e marcharam até o Ministério de Minas e Energia. Barras de ouro gigantes enfileiradas formavam a palavra ‘crime’ (acima).

Foto: Matheus Alves/APIB

O ato forte e pacífico acontece nesta semana em que relatório elaborado pela Hutukara Associação Yanomami foi divulgado e declara que 273 comunidades e 56% dos 27 mil habitantes da reserva dessa etnia são ameaçados diretamente pelo garimpo. Crime organizado, aliciamento de jovens para o garimpo ou crime, violência sexual e estupro de menores, assassinatos e graves problemas de saúde como desnutrição e malária são alguns dos impactos causados por essa atividade.

A votação do PL 191 estava prevista para esta semana – daí escolha da data do ATL 2022, como contei acima -, no entanto, o grupo de trabalho que avaliaria o texto não foi formado. A pressão dos indígenas e da sociedade, além do momento delicado do setor da mineração para o Brasil na conjuntura internacional.

Alessandra Korap durante a marcha / Foto: Matheus Alves/APIB
Kretá Kaingang e Sonia Guajajara, entre outras lideranças / Foto: Matheus Alves/APIB

O Greenpeace Brasil publicou reportagem muito bacana a respeito deste protesto, com as fotos sempre maravilhosas de Tuane Fernandes, que reproduzimos aqui, no Conexão Planeta.

_______________________

Na terça, a APIB lança a ‘campanha indígena’ (ainda não revelou detalhes) e, na quarta, as últimas plenárias se dedicam à educação indígena: o Sistema Nacional de Educação e a Educação Escolar Indígena; a Lei Cotas e a o Programa Bolsa Permanência.

Foto (destaque): Edgar Kaynako/APIB

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