Sede de terra

imagem do lago iraniano seco na matéria "Sede de terra"

Vivo de ouvido aberto, à procura de gritos. Gente que grita, lugares que berram, ainda que seja sem eco, sem som, sem ar para reverberar a gravidade. Pior, talvez. Doi de ouvir. E, então, me saem as palavras na intenção de socorro. Sei que não é muito, mas é minha tentativa, é meu grão de areia, minha gota de suor, minha lágrima sentida na secura salgada que transtorna uma  população que diminui mais e mais.

Os moradores das localidades ao redor do Lago Úrmia, no noroeste do Irã, entre as duas principais províncias do Azerbaijão Ocidental e Azerbaijão Oriental, vivem entre o sentimento de amor pelo local e a impossibilidade  de permanecer.

Vinte anos atrás, quando se falava em Úrmia, pensava-se em frases como “o maior lago de sal no Oriente Médio e o sexto maior lago de água salgada na Terra”. Hoje esses títulos provavelmente devem ter sido substituídos pelo “lago que mais secou nos últimos anos: restaram 5% da quantidade de água”.

Por quê? Por várias razões…

Em 2008, dividiram o lado ao meio para fazer uma passagem. Que ideia de megalomaníaco! Só me vem essa palavra para classificar quem acha que pode controlar a natureza dessa maneira.

Em 2012, apareceram dados impressionantes. A mudança climática tinha diminuído em 65% o lago. Outros 25% sumiram graças a barragens e 10% por diminuição na precipitação.

Esses registros, que estão neste post, da fotógrafa iraniana Solmaz Daryani não são apenas fotos. São marcas gravadas nela mesma. A fotógrafa passou a infância no porto Sharafkhaneh, uma vila cada vez menos povoada. O avô de Solmaz costumava descansar numa casa de chá menos vazia. O hotel dele agora anda deserto, assim como o comércio de várias pessoas que dependiam do turismo na região.

Os cisnes do hotel de Seyed Agha Ghasemi permanecem no seco, sem turistas, sem viagens, sem água

O navio enferruja a carcaça ao sabor do sal, do sol, do céu que não deve hesitar em mandar
tempestade de sal logo, logo

Que triste ironia! No lugar dos banhos salinos de lama curativa vamos ver surgir chuvas que produzem doenças respiratórias, oculares…

Olhos da Terra é o nome que Solmaz deu à sua exposição. O que mais se enxerga com esses olhos que a terra a de comer? Narges Ghasempour só enxerga a lembrança das quintas-feiras de reunião com a família para almoçar à beira do cais. Teve que se mudar. Toda vez que volta ao litoral, faz questão de fazer o mesmo caminho, como que dizendo para a sua Terra, para si mesma que o passado vive impregnado tristemente nas lágrimas derramadas no chão que bebe ávido a parca contribuição dos seus moradores para a sobrevivência do lago.

Quanto mais dessa dolorosa e silenciosa contribuição terá que ser dada para restituir a água que é devida ao lugar? Difícil de ouvir esse choro mudo, esse grito encabulado de quem não sabe como lutar para mudar esse destino que alguns se alvoraram o direito de traçar.

Fotos: divulgação Solmaz Daryani

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Karen Monteiro

Com arte, tá tudo bem. Se as exposições, peças de teatro, shows, filmes, livros servirem de gancho para falar de questões sociais e ambientais, tanto melhor. Jornalista, tradutora, cronista e assessora de imprensa, já colaborou com reportagens para grandes jornais, revistas e TVs.