O Brasil pode zerar em 2030 suas emissões de gases de efeito estufa causadas pelo desmatamento da Amazônia se o Código Florestal for cumprido.
A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com colegas dos Institutos de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Internacional para Análises de Sistemas Aplicados (IIASA, na sigla em inglês), da Áustria, além do Centro para Monitoramento da Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP-WCMC).
Os resultados do estudo contribuíram para embasar as metas de redução voluntária de emissões de gases de efeito estufa (INDC, na sigla em inglês) que o Brasil levará à COP21, apresentadas pela presidente Dilma Rousseff no final de setembro, em Nova York, durante a Conferência das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015.
“O Código Florestal poderá ajudar a zerar as emissões de gases de efeito estufa pelo desmatamento da Amazônia se for cumprido. O Brasil não precisa mais de legislação ambiental para conter o desmatamento da Amazônia. Só precisa cumprir a que já tem”, disse Gilberto Câmara, pesquisador do Inpe e coordenador do projeto, durante o encontro.
Os pesquisadores fizeram projeções sobre como o novo Código Florestal poderá influenciar o uso futuro da terra no país, levando em contas políticas internas e a demanda mundial e nacional por produtos agropecuários brasileiros, além do potencial produtivo de cada região e as restrições ambientais.
Para isso, eles adaptaram um modelo econômico global, chamado GLOBIOM – desenvolvido pela IIASA para fazer projeções de mudanças de uso da terra no mundo causadas pela competição entre agricultura, pecuária e bioenergia –, para construir um mapa de uso da terra no Brasil no ano 2000.
O mapa combina informações sobre vegetação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com dados fornecidos pela Fundação SOS Mata Atlântica, além de mapas de cobertura de terra fornecidos pelo sensor MODIS, do Inpe, e estatísticas de produção agropecuária e de florestas plantadas do IBGE. Com base nessa combinação de dados, o modelo fez projeções do uso da terra no Brasil até 2050.
A fim de validar o modelo, os pesquisadores compararam as projeções de taxas de desmatamento e de produção agrícola no Brasil no período de 2000 a 2010 com dados oficiais do IBGE. As diferenças entre os dados do IBGE e as projeções feitas por meio do modelo foram menores do que 10%, afirmou Câmara, que é membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) .
“O Prodes [projeto do Inpe que realiza o monitoramento por satélites do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal] calculou que, em 2010, foram desmatados 16,5 milhões de hectares na Amazônia Legal, enquanto o modelo estimou que foram 16,9 milhões de hectares”, comparou.
Projeções até 2050
A fim de estimar como o novo Código Florestal pode influenciar o uso da terra no Brasil entre 2020 e 2050, os pesquisadores fizeram projeções de diferentes cenários.
Um dos cenários não considerou a aplicação do Código Florestal. O segundo cenário foi concebido levando em conta a plena aplicação do Código, que estabelece que não poderá haver mais desmatamento ilegal no país e prevê a recuperação de áreas de reserva legal, assim como o repasse de quotas de reserva ambiental por quem tem mais quotas de florestas do que reserva legal, além da anistia de pequenas fazendas e a obrigatoriedade do cadastro rural ambiental para regularizar as propriedades rurais.
Num terceiro cenário, considerou-se que somente produtores agrícolas poderiam comprar quotas de reserva ambiental. O quarto cenário, também com o Código Florestal, foi projetado supondo que somente os pequenos produtores agrícolas teriam que recuperar suas reservas legais. E, no quinto cenário, excluiram-se as quotas de reserva ambiental.
As projeções indicaram que, em um cenário de plena aplicação do Código Florestal, o reflorestamento no Brasil poderá chegar a 11 milhões de hectares até 2050. “O número mais conservador seria da ordem de 10 a 12 milhões de hectares recuperados. Não por acaso, foi esse último número que o Brasil apresentou em sua INDC”, disse Câmara.
Em relação à produção agropecuária, em todos os cinco cenários projetados a área cultivada no Brasil crescerá nas próximas décadas, saltando de 56 milhões de hectares em 2010 para 92 milhões de hectares em 2030, podendo chegar a 114 milhões de hectares em 2050.
Em contrapartida, as terras destinadas à pastagem poderão ter uma diminuição significativa nas próximas décadas, caindo de 10 milhões de hectares em 2030 comparado com 2010 e mais 20 milhões de hectares até 2050, indicaram as projeções.
O modelo considerou dados do Ministério da Agricultura que estimam, a cada ano, a redução de, aproximadamente, 1 milhão de hectares destinados à pecuária como consequência da melhoria das práticas e aumento da produtividade. “O Código Florestal e a legislação ambiental não são fatores limitantes ao crescimento da agropecuária brasileira”, avaliou Câmara.
De acordo com as projeções, a aplicação plena do Código Florestal também poderá contribuir para uma maior redução das emissões totais de gases de efeito estufa pelo Brasil.
A combinação de reflorestamento com redução do desmatamento, por força do Código Florestal, poderá fazer com que as emissões por desmatamento no Brasil cheguem a 110 milhões de toneladas de CO2 em 2030 – uma queda de 92% em relação a 2000 quando dois terços das emissões de CO2 do país eram provenientes, principalmente, do desmatamento da Amazônia.
Com isso, o país passaria a zerar suas emissões por desmatamento a partir de 2030, apontou Câmara. “A redução do desmatamento está comprando o tempo para o Brasil tornar sua matriz energética mais limpa e conseguir descarbonizar sua economia. A diminuição das emissões de gases de efeito estufa pelo país depende, agora, do uso de combustíveis renováveis, e não mais da Amazônia ”, avaliou Câmara.
Matriz Energética
Na avaliação de Glaucia Mendes Souza, professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), a meta estipulada na INDC brasileira de aumentar a participação da bioenergia na matriz energética brasileira para, aproximadamente, 18% até 2030, com o objetivo de diminuir as emissões do setor de energia, é muito conservadora e pouco ambiciosa.
“Só de etanol de cana-de-açúcar o Brasil já produz 18% e estamos com um potencial ocioso no setor, com várias usinas falindo por terem se endividado com a sinalização de que o etanol poderia aumentar sua participação na matriz energética brasileira”, disse Souza durante um workshop sobre a COP21 para jornalistas, realizado no dia 6 de outubro, na FAPESP.
“Não há desculpa para o Brasil, país reconhecido como pioneiro no uso de bioenergia, não estar usando mais combustível renovável – principalmente etanol de cana-de-açúcar – em sua matriz energética”, afirmou.
Biodiversidade
O estudo coordenado por Câmara também avaliou o impacto da implantação do novo Código Florestal na diminuição da perda de biodiversidade no Brasil.
De acordo com as projeções dos pesquisadores, o Código pode contribuir para reduzir o número de espécies ameaçadas no Brasil e de perda de habitats.
As principais áreas sob ameaça de perda de habitats, segundo o estudo, são a Caatinga – que poderá perder até 2050 mais de 51% de suas florestas intocadas e importantes para biodiversidade, mas que atualmente não estão protegidas – e o Cerrado, que poderá perder mais de 20% de sua área total também de grande importância para a biodiversidade, aponta o estudo.
“Temos muito mais incertezas do que certezas em relação a como a biodiversidade, em toda a sua complexidade, será afetada pelas mudanças climáticas”, disse Luciano Verdade, professor da USP e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA), durante o evento sobre a COP21 realizado na FAPESP no dia 7 de outubro.
“Mas já sabemos que não só as mudanças climáticas, como também o uso da terra, causam alterações no padrão de distribuição e de abundância de espécies selvagens. O que é difícil avaliar, ainda, são os impactos da interação desses dois fatores – as mudanças climáticas e de uso da terra – na biodiversidade”, afirmou Verdade.
*O relatório “Modelling land use changes in Brazil: 2000-2050”, resultado do projeto REDD-PAC, pode ser acessado aqui.
*Texto publicado originalmente por Elton Alisson no site da agência de notícias da Fapesp. A versão na íntegra com diversos vídeos pode ser acessada neste link.