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Violência contra os indígenas e desmonte da Funai mobiliza brasileiros no país e no mundo

Ontem, 31/1, muitos brasileiros se uniram em mais de 60 atos em 22 cidades e dez países para protestar contra as arbitrariedades anunciadas e estimuladas pelo governo Bolsonaro que ferem os povos indígenas. A retirada de direitos já conquistados e a impossibilidade de avançar nesse sentido, com esta gestão, está declarada desde sua campanha presidencial, e foi intensificada no mesmo dia em que tomou posse. Nesse dia, o presidente anunciou  as alterações na estrutura do governo com a Medida Provisória (MP) 870/2019, que inclui a transferência da Funai para o Ministério da Agricultura.

Somam-se a isso, o genocídio legitimado pelas declarações recorrentes de Bolsonaro que promovem a violência contra esses povos, a municipalização da saúde e alterações na demarcação de terras, com o consequente aumento na invasão das mesmas. Escrevi um pouco sobre isso, ontem. E também sobre a mobilização.

A marcha Sangue Indígena – Nenhuma Gota a Menos marcou o encerramento das atividades do Janeiro Vermelho, promovidas e incentivadas pela Apib – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

Entre os atos espalhados pelo país, alguns foram bastante representativos como em São Paulo, que paralisou parte da Avenida Paulista, e outros tiveram concentrações menores ou foram engajados na prática, chegando a protocolar documentos na justiça. Mas todos tiveram pontos em comum: a união de povos de etnias diversas, que habitam a região, a cidade e o estado, e os rituais que permearam as falas dos líderes, com danças, cantos e maracás. Além da riqueza de desenhos pintados em seus rostos e corpos.

Por direitos e pela natureza

Em São Paulo, o encontro aconteceu no MASP, local ícone da cidade para mobilizações de qualquer natureza. Em seu vão gigante, indígenas de inúmeras etnias – Guarani, Kanindé, Pancaruru, Tapajós, Xavante… – de São Paulo e de outros estados, se reuniram vestidos com roupas originais ou “roupas de branco”, adultos, jovens e crianças integraram o movimento com os rostos pintados e, em alguns casos, os corpos também, e usando cocares dos mais simples aos mais poderosos (como o jovem papai indígena da foto abaixo).

Mulheres pintavam os rostos umas das outras e de quem lhes pedisse, enquanto alguns pais se encarregavam de preparar as crianças (foto de Matheus Akio Rossi Kumagai). 

Antes, durante e depois dos discursos das lideranças, entoavam cantos de amor e paz, tocavam maracás, dançavam, fumavam cachimbos… (foto abaixo: FotoAtivismo).

O sincretismo cultural estava presente: afrodescendentes e indígenas cantaram e dançaram juntos, misturando sons e movimentos, provando que somos todos um só.

Assim, receberam participantes e interessados no espaço generoso do Masp, e depois acompanharam a marcha até o prédio da Presidência da República, na esquina com a famosa Rua Augusta. Uma caminhada alegre, emocionante e muito pacífica.

Um indígena da etnia Kanindé liderou os pronunciamentos em frente ao Masp (ele aparece à direita, na foto abaixo, de Deborah Lobo), em cima de um carro de som, e assim foi até o destino final, onde chegamos quando já passava das 21h, horário previsto para o término.

Em suas falas e na de seus convidados a indignação pelo posicionamento deste e de outros governos sobre os direitos dos povos originários, a declaração da força que os move para lutar sempre e o convite a todos os presentes para integrar esse movimento, “já que se trata também da preservação da natureza e todos precisam dela”.  Sim, não há melhores guardiões das florestas do que os indígenas, e, por isso, tanta ganância sobre suas terras.

Entre os indígenas que falaram durante o percurso pela Avenida Paulista estavam Christine Takuá, educadora e filósofa, e Davi Guarani, um dos líderes dos Guarani Mbya, do Jaraguá, em São Paulo, e um dos mais importantes da atualidade. Muito articulado, foi ovacionado em vários momentos de sua fala. Não passaria vergonha em Davos, como aconteceu com Bolsonaro.

Quase no final do encontro, Davi ressaltou “estamos todos aqui, hoje, porque sempre foi uma luta pra defender nossa existência. 519 anos depois a história se repete, como foi no Brasil Imperial”. E completou: “Sabe como é que se quebra a riqueza concentrada? o capitalismo selvagem, genocida, desumano? Protegendo a natureza!”.

Todos os indígenas, não importa onde estejam – em São Paulo, São Luís, Campo Grande, Rio de Janeiro, em Tucumã (Pará),… – temem perder suas terras, temem invasões. Não só por causa da violência, mas da (des) marcação de seus territórios.

Durante a marcha, não faltaram menções a Brumadinho, não só pela empatia que todos os indígenas sentem por qualquer ser humano, mas também porque o povo Pataxó, agora, enfrenta a perda do rio Paraopeba, onde costuma se banhar e pescar. Consegue imaginar um povo originário sem essas duas atividades?

Em Brasilia, com a presença de Sonia Guajajara, líder indígena que se candidatou à vice-presidência com Boulos (foto abaixo, Mídia Ninja), nas últimas eleições, a Apib realizou ato na porta do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), visando principalmente falar da transferência da Funai para a pasta da ministra ruralista Tereza Cristina e da municipalização da saúde indígena, ou sua terceirização.

“Trazer a demarcação de terras para o Mapa é uma demonstração clara de que este governo não vai mais demarcar terra indígena no país, porque esse ministério está entregue ao agronegócio. Não é somente uma transferência, mas uma decisão política de negar o direito territorial, impedindo as demarcações”, declarou.

Em Fortaleza, no Ceará, a marcha foi bastante política e engajada. Os 14 povos indígenas que habitam o estado, entre eles os Jenipapo-Kanindé, visitaram as sedes do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), promovendo verdadeiras audiências na rua. De acordo com o CIMI, por meio de requerimentos protocolados, eles solicitaram que as instituições entrem com ações judiciais para anular a MP 870, que ainda será votada pela Câmara Federal, num prazo de 45 dias.

Na foto abaixo (de Renato Santana, do CIMI), o momento em que a indígena Ceiça Pitaguary entrega pedido de ingresso de ação para anular a MP 870 para Fillipe Augusto, chefe da Defensoria Pública.

Mas nem é preciso “sair de casa” para se mobilizar! Impossibilitados de viajar para qualquer outro lugar, os indígenas Suyá, da Terra Indígena Wawi, fizeram sua mobilização lá, mesmo, em sua aldeia no Xingu (foto de Kamikia Kisedje). 

O corpo tá longe, mas o coração, muito perto

A mobilização por Nenhuma Gota a Mais de Sangue Indígena ultrapassou fronteiras. Brasileiros e amigos estrangeiros de quatorze cidades (de dez países) tentaram chamar a atenção do mundo para as questões indígenas do Brasil, debatendo nas ruas e entregando cartas de repúdio ao governo em suas embaixadas:

– Lisboa, Porto e Coimbra, em Portugal;
– Londres, na Inglaterra;
– Paris, na França;
– Dublin, Irlanda;
– Edimburgo, Escócia;
– Berlim, na Alemanha;
– Milão, na Itália;
– Zurique (foto abaixo), na Suíça;
– Montreal, no Canadá; e
– Nova York, Beverly Hills e Washington, nos Estados Unidos.

Curiosamente, não houve adesão de cidades da América Latina.

Na Suíça, os manifestantes relembraram as falcatruas de Queiroz e Flavio Bolsonaro e enfeitaram seu ato com laranjas.

Todas as manifestações aconteceram em frente a embaixadas brasileiras e, em alguns casos, terminaram com a entrega de uma declaração de repúdio às medidas e ações do governo Bolsonaro a um funcionário da “casa”. Simbólico, mas importante.

Em Londres, a atriz Julie Christie, embaixadora da ONG Survival International, participou da manifestação em frente à embaixada, em Cockspur Street, no bairro de Westminster, no centro da cidade. As imagens abaixo foram feitas por Rosa Gauditano para a Survival.

E agora?

Agora, é essencial seguir de olho na votação da MP 870 na Câmara dos Deputados em pouco mais de 40 dias. Aliás, ela ainda está em CONSULTA PÚBLICA no site do Senado. Bom não deixar de votar NÃO e conseguir apoio entre os amigos para mudar o placar: 415 apoiam e somente 272 não.

Pressionar parlamentares que possam garantir seu voto e ajudar a convencer quem está indeciso é outro passo.  Também acompanhar a Frente Parlamentar Ambientalista, presidida pelo deputado Alessandro Molon que, ontem, entrou com ação no STF por considerar que o governo Bolsonaro “usou de um instrumento legítimo – a reorganização administrativa (é do que trata a MP 870) para driblar a Constituição e paralisar a demarcação de terras indígenas“, explica Molon em seu Instagram. “A Constituição de 1988 foi muito clara ao assegurar os direitos fundamentais aos povos indígenas, com destaque para a ocupação permanente e o uso de terras tradicionais”.

Acompanhar as organizações da sociedade civil que apoiam os indígenas, ficar atento/a a toda e qualquer movimentação sobre futuras manifestações. Espalhar, entre amigos e conhecidos, a importância desta causa.

Defender indígenas porque são seres humanos e merecem nosso respeito, já seria suficiente. Afinal, sua vida, sua cultura e sabedoria têm sido destruídas desde que descobriram este país. Os povos originários – e aqui acrescento os quilombolas – sabem proteger a natureza, os recursos naturais que nos mantém vivos, tudo que a Terra dá. Por isso, ainda podem nos ensinar muito para atravessarmos a tal transição para uma economia verde, tão almejada pelos ecoeconomistas, e que, em algumas situações, pode ser muito mais simples do que se imagina. Nem precisava ter nome, inclusive. Basta lembrar o que disse Davi Guarani em sua fala final na marcha em São Paulo.

A natureza é a única forma de vencermos a destruição provocada pelo capitalismo. Há muito tempo, estamos vendo que ele não nos levará muito longe. Nem pode tornar todos os seres felizes porque não leva todos em conta, só alguns. E, com desigualdade, impossível termos um mundo sustentável.

Fotos: FotoAtivismo, Mônica Nunes, Matheus Akio Rossi Kumagai, Mídia Ninja, Rosa Gauditano, Survival International

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