Samyra Crespo: “Ambientalistas precisam ‘sair da bolha’ e se candidatar às eleições”

Jornalista, historiadora e pesquisadora, Samyra Crespo é uma das principais referências na área ambiental brasileira, principalmente por estar à frente da série de pesquisas O que o brasileiro pensa sobre o meio ambiente, que descortinou e acompanhou a evolução do conhecimento e do engajamento sobre o tema no país, a partir do início dos anos 1990.

Em mais de 30 anos de atuação, esteve à frente do Instituto de Estudos da Religião (ISER), do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, além de ser a titular da Secretaria de Relações Institucionais e Cidadania Ambiental durante as gestões de Carlos Minc e Izabella Teixeira no Ministério do Meio Ambiente (MMA). Seu maior legado no ministério foi o primeiro Plano Nacional de Consumo Sustentável para o Brasil.

Defensora de uma visão que trabalha conjuntamente temas sociais e ambientais, Samyra conta ao blog Mulheres Ativistas, do Conexão Planeta, que o perfil das pessoas sensíveis ao meio ambiente no país ainda é elitista (classe média com alta escolaridade) e jovem (entre 25 e 35 anos).

Sua luta, que hoje inclui militância nas redes sociais, é para furar essa “bolha” e convencer ativistas da área a se candidatarem e concorrerem às eleições. “Mostramos que somos competentes em projetos, é necessário estarmos em cargos públicos”, ressalta.

O que a levou a se interessar por meio ambiente?

Sou de uma geração jovem na época da ditadura militar e trabalhava como jornalista nos Diários Associados, em plena censura. Via receitas de bolo no Estadão no lugar de notícias. Ao mesmo tempo, os cidadãos começavam a enxergar a poluição, um termo que passou a sintetizar coisas das quais não sabíamos o nome. Em São Paulo, havia espuma no rio Pinheiros, por conta dos produtos que usávamos, e movimentos pelo salvamento da Serra da Jureia e para evitar a construção de um aeroporto em Caucaia do Alto. No entanto, meio ambiente era uma agenda que os jornais não cobriam e, por isso, comecei a me interessar. Meu herói era Randau Marques, jornalista que juntava as questões sociais com meio ambiente e teve grande impacto no meu despertar.

Nos Diários Associados, que buscava se modernizar com novos equipamentos e conteúdos, fui convidada a ser editora do Guia de Imóveis, quando passei a cobrir a pauta do desenvolvimento urbano de São Paulo, com o boom imobiliário e conflitos na ocupação dos mananciais da represa Billings. O início das lutas ambientais e o desenvolvimento de São Paulo me trouxeram sensibilidade no olhar para a cidade.

Como o ISER entrou na sua vida?

Enquanto trabalhava como jornalista, você também fazia História na Universidade de São Paulo (USP) e me interessava pela história da ecologia. Também era católica e fiz mestrado sobre como a pauta da Igreja Católica era conservadora e antissocial. No doutorado, queria estudar a história da ciência, mas meu orientador me convenceu a fazer sobre a história da democratização das escolas católicas influenciadas pela Teologia da Libertação.

Quando defendi minha tese, meu marido foi transferido para o Rio de Janeiro e nos mudamos. Eu era ativista, tinha um filho de dois anos e meio e me vi sem vida intelectual até ser convidada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) para participar de uma pesquisa para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) sobre as mudanças na sociedade brasileira e o avanço dos evangélicos. Minha parte era justamente sobre as escolas católicas.

A partir desse trabalho, a CNBB me convidou para ser assessora da AEC – Associação Nacional de Educação Católica para discutir mudanças na sociedade civil. Fiquei uns cinco anos lá e, com esse trabalho, conheci o país inteiro antes da redemocratização. Mas ainda queria trabalhar com história da ciência e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) fez seleção para a área. Mandei meu currículo e me tornei pesquisadora no Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast).

Como surgiu a pesquisa “O que o Brasileiro pensa do meio ambiente”?

Em 1989, o CNPq estava mobilizado para a Conferência da ONU que aconteceria no Brasil em 1992 (Rio-92) e lançou um edital para projetos de mobilização da sociedade civil. Apresentei a primeira pesquisa, cujo nome ainda era O que o brasileiro pensa da Ecologia, pois a palavra meio ambiente ainda não fazia parte do vocabulário das pessoas. O resultado saiu em 1991 e foi publicado em 1992.

Depois disso você voltou para o ISER…

Quando terminou a Rio-92, fiquei com a sensação de que o meio ambiente sozinho não daria conta e era necessário envolver outras áreas. Procurei o ISER, onde Hector Leis, ambientalista já falecido, havia criado o curso Teoria e Prática do Meio Ambiente para levar o tema para o movimento social e para professores universitários. Ele me convidou para coordena-lo e eu aceitei.

Tivemos 22 alunos na primeira turma, com bolsa para dez do movimento social – sindicatos, trabalhadores da periferia. O curso durou cinco anos e aumentou minha network com ambientalistas, igreja, movimento social e cientistas.

Passei a ser politicamente importante no ISER e me tornei dirigente, fase muito importante para mim porque aprendi sobre outras pautas: mulheres, prostituição, prevenção à Aids, apoio a famílias com HIV e a presos que não tinham recursos para advogados… Saí do Instituto em 1998 e passei mais dois anos no Museu até pedir outra licença e voltar para o ISER, em 2002. Nessa época, o governo norte-americano convidou algumas pessoas para conhecer experiências de sustentabilidade nos Estados Unidos e fui uma delas.

Antes de voltar, paramos em Nova York bem durante a parada do Dia da Terra. Trouxe a ideia para o Rio de Janeiro e, por cinco anos, fazíamos uma parada na Avenida Atlântica com a participação das escolas com temas como água e biodiversidade. As crianças trabalhavam meses nas escolas. Foi uma experiência muito rica de educação ambiental.

Como aconteceu o convite para o Ministério do Meio Ambiente?

Fui convidada pelo Carlos Minc para ser secretária de Relações Institucionais e Cidadania Ambiental quando ele assumiu o MMA, em 2008. Era para ficar um ano e oito meses, até o final do mandato do presidente Lula, mas fiquei seis anos, incluindo todo o primeiro mandato da presidente Dilma, com a Izabella Teixeira como ministra. Mas perdi a fé naquele governo e quis voltar para o Rio.

Como o presidente do Jardim Botânico estava de saída, pedi para ir para lá, onde permaneci por três anos, até que pediram meu cargo quando começou o governo Temer e voltei para o museu até me aposentar, em 2019. Desde então, resolvi não pegar nenhum trabalho fixo.

Qual o seu balanço do trabalho desenvolvido por você nesse ministério?

A coisa mais importante que fiz no MMA foi o Plano Nacional de Consumo Sustentável, que trata de como se educa para o tema. Aproveitamos a Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos e pensamos que, se o governo tem uma diretriz e uma política pública claras, é possível fazer as coisas acontecerem. Havia clima, peguei o auge do movimento dos catadores. No governo, tínhamos clareza de qual era a agenda. Podia até ser ineficiente em alguns casos, mas sabíamos qual a diretriz, que era de inclusão e políticas afirmativas, por exemplo. Vi qualidade superior no governo à que imaginava. O problema é que todos os governos do país foram desenvolvimentistas, que é a ideologia mais resiliente e a que mais atuou e atua na vida púbica brasileira. O governo atual é o pior deles, o do desenvolvimento a qualquer preço.

Quais foram os principais resultados da pesquisa ‘O que o brasileiro pesa sobre meio ambiente’ e o que mudou entre uma pesquisa e outra?

Foram cinco edições em 20 anos, entre 1991 e 2012. O que mais mudou foi que não existia agenda ambiental no país e, nesse período, ela passou a ocupar lugar nobre. Sobre a pesquisa em si, apesar dos 20 anos de militância, o perfil das pessoas mais sensíveis à causa não se alterou: classe média urbana, altamente escolarizada – a maior parte com curso superior – e jovem, entre 25 e 35 anos. Os mais novos não estão nem aí e os mais velhos ficam conservadores, passam a dar mais importância à saúde e à parte econômica.

Houve, porém, um aumento no repertório relacionado a meio ambiente. Nas três primeiras edições, o ser humano não aparecia e a visão era idílica, da natureza como entidade. A partir da terceira edição, o gatilho caminhou em direção à saúde. Perguntamos quais eram os cinco maiores problemas do país e meio ambiente não apareceu. Aumentamos para sete problemas e também não. Na terceira edição, passamos para dez, e meio ambiente foi o nono a ser citado; nas duas últimas, foi para sétimo e quinto lugar, respectivamente.

Na última pesquisa, também constatamos que apenas 47% afirmam dominar conceitos complexos, como biodiversidade. A parte boa é que mais de 70% dos que dizem saber os conceitos, sabem mesmo. Entre os principais problemas ambientais, o desmatamento e as queimadas vêm em primeiro lugar, seguidos de água e poluição, e lixo.

Quais são seus planos daqui para frente? Pretende atualizar a pesquisa?

Hoje, as pesquisas são desacreditadas no dia seguinte, por isso não vou gastar energia nisso agora, mas espero fazer em futuro próximo. Sou uma otimista da vontade e acredito que pessoas fazem diferença e as lideranças são importantes para isso. Lutamos contra a ditadura, pela democratização, trouxemos uma nova agenda de futuro, houve muita contribuição.

Tenho experimentado a militância internética, testando novos instrumentos para ver como sair da “bolha” e não apenas auto-alimentar o ciclo de convertidos. Também quero gastar energia com opções de ambientalistas para concorrer às eleições. Precisamos disputar.

Mostramos que somos competentes em projetos, é necessário estarmos em cargos públicos. Tenho 68 anos, por isso não pretendo concorrer, mas ajudar na vida intelectual. Temos que aproveitar temas como queimadas, enchentes, e projetar pessoas que defendem essas causas.

Edição: Mônica Nunes

Foto: Arquivo Pessoal

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Maura Campanili

Jornalista e geógrafa, foi repórter e editora de cidades e meio ambiente na Agência Estado e na revista Terra da Gente. Trabalhou em ONGs como a SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental e Rede de ONGs da Mata Atlântica. É autora e editora de livros e publicações socioambientais e autora do blog ‘Paulistanasp’ no qual fala de temas que lhe são caros: meio ambiente, a metrópole paulistana, literatura e feminismo.