Rios Des.Cobertos: exposição interativa resgata os rios paulistanos e seus fluxos. Até 18/12
Quem conhece a iniciativa Rios e Ruas sabe bem que há rios enterrados vivos por toda a cidade de São Paulo. Desde 2010, o arquiteto José Roberto Bueno e o geógrafo Luiz Campos Jr. (na foto abaixo) veem fazendo um trabalho precioso, amoroso e muito paciente de conscientização do público. Às vezes, até parecem sonhadores demais ao imaginarem e verbalizarem que, um dia, será possível trazer à luz alguns destes rios tão maltratados e esquecidos.
Pois, a partir de 29/9, estes sonhadores vão realizar mais uma fase linda do seu projeto, mas que não estava nos seus planos até um ano atrás: a exposição interativa Rios Des.Cobertos – O Resgate das Águas da Cidade, no SESC Vila Mariana, que vai até 18/12.
Como os dois falam ao coração de paulistanos e brasileiros que vivem nesta cidade maluca que é São Paulo, naturalmente atraem pessoas sensíveis que vão se somando ao seu projeto inicial, ajudando a transformá-lo e enriquecê-lo. É o caso do Estúdio Laborg, que trabalha com artemídia desde 2010 e criou uma incrível maquete interativa para falar dos rios paulistanos e seus fluxos pelo relevo topográfico da cidade nessa exposição.
A ideia de produzir essa maquete aconteceu no ano passado, quando o estúdio acabava de finalizar um projeto com projeção mapeada e interativa. Ao ver o resultado, os profissionais do Laborg se interessaram em usar a mesma solução para falar de outros temas. “Uma maquete como essa tecnologia é um suporte muito rico, que pode revelar diferentes camadas de informação”, explica Alexandre Gonçalves, diretor do estúdio. “Com a crise hídrica, imaginamos que este seria o tema ideal para uma nova obra e nos voltamos para os rios”.
Em suas pesquisas, foi fácil para a equipe criativa do Laborg (na foto ao lado) encontrar o projeto Rios e Ruas, Zé e Luiz e suas realizações. “Na verdade, nós já conhecíamos e admirávamos o trabalho feito por eles”, contou Alexandre. A conversa fluiu desde o primeiro contato, em junho, quando começaram a afinar a parceria, para depois conversarem com o SESC.
“A ideia do Rios e Ruas é transformar o conhecimento sobre os rios em uma experiência viva, artística, lúdica, em emoção. E a gente faz isso a partir de vários recursos. Agora, será através de uma exposição com um mapa em 3D, painéis/totens que exibem informações (fotos, mapas e textos) sobre a geografia da cidade e a orientação de monitores, além de oficinas e de expedições pela região da Vila Mariana”, explica José Bueno.
“Com essa iniciativa, estamos abrindo um portal, contando uma história em 3D. Os magos do Laborg – o que eles fizeram é magia! – criaram animações extraordinárias e, com recursos tecnológicos incríveis, estão dando mais vida aos nossos rios. Assim, o Rios e Ruas sai da segunda dimensão e caminha para a terceira. A quarta virá com os rios abertos, quando eles ganharem materialidade no tecido urbano”.
A instalação
“A exposição passou por um processo de criação de aproximadamente um ano e foi muito rico: incluiu pesquisas muito complexas que nos mobilizaram e foram o ponto central do projeto”, conta Alexandre Gonçalvez, do Laborg. “E é justamente este processo de descoberta que gostaríamos de compartilhar com o público, um pouco do encantamento que tivemos com cada foto histórica encontrada, cada nascente nas expedições urbanas das quais participamos, cada história contada por moradores que ainda se lembram do córrego que passava pela região onde moram”. E completa: “Nosso grande desafio foi encontrar as maneiras mais efetivas de colocar a tecnologia a serviço da ideia, de potencializar a experiência do público e permitir que as técnicas sejam um meio par apresentar o projeto e não um fim em si”.
Rios Des.Cobertos é uma exposição totalmente interativa composta por uma maquete e painéis/totens que convidam o público a descobrir os cursos d’água que correm pela capital paulista e a complexidade de sua geografia, cheia de vales e colinas. O público pode manusear os elementos para “montar” sua própria exposição.
Ao interagir com a maquete (foto) e os totens, todos compreenderão as condições naturais da metrópole, já que a exposição oferece experiências sensoriais que tornam o ambiente lúdico e incentivam o aprendizado com total liberdade de escolha em relação ao que se quer/pode descobrir. A intenção é mostrar que os rios estão vivos e convidar todos a se aproximarem deles, olhá-los e refletirem.
“A maquete em 3D é um passo enorme no nosso projeto porque, com ela, revelamos a tridimensionalidade da cidade e isso ajudará as pessoas a entender o que aconteceu com São Paulo e seus rios”, ressalta Bueno. “Com a maquete, a gente mexe no imaginário e convida os participantes a desenvolver o apreço, o amor, o afeto e o interesse pelas águas da cidade”.
Os totens que acompanham a maquete foram criados com mapas e imagens selecionados por Luiz Campos Jr. – Bueno o chama de o mestre dos rios – e os textos da historiadora Silvana Jeha, que trabalhou em parceria com ele. Outro ponto importante da exposição: monitores e estagiários foram treinados por Bueno e Luiz para orientar o público com a mesma emoção e intensidade que ambos dedicam às expedições que promovem pela cidade. “Queremos que a maquete não seja só bonita, mas viva, e que cada pessoa que toque nela perceba a potência dessa informação”, comenta Bueno.
Vale contar que, para a confecção da maquete, foram utilizadas placas de MDF que, cortadas a laser, minimizam o desperdício. Além disso, as sobras foram devolvidas para o fabricante para reutilização. Produzidos com um tipo de papelão especial (que é um material reciclado e reciclável), os painéis expositivos geraram pouquíssimas sobras. Ou seja, a sustentabilidade ambiental do projeto não foi esquecida.
E depois da exposição?
A primeira pergunta que me ocorreu quando vi, em vídeos, o resultado do trabalho realizado, foi se a exposição também seria apresentada em outras unidades do SESC. Afinal, seria um desperdício não disseminar tanta informação – com tanta qualidade e tecnologia – por outras regiões da cidade. Mas ainda não há nada definido sobre isto. “Há intenção de tornar a exposição itinerante, mas essa vai ser uma decisão do SESC”.
A presença de monitores de outras unidades do SESC – Taubaté, Pinheiros, Itaquera, Carmo, Sorocaba, Piracicaba, Santos… – no treinamento que ele e Luiz realizaram pode ser um indício de que o projeto deve se expandir. “Acredito que essa exposição não vai terminar em dezembro”.
No que depender da tecnologia empregada, isso está garantido. “A tecnologia utilizada para a construção da maquete e sua programação poderá ser aplicada para qualquer lugar do país”, adianta Alexandre. “O pioneirismo da instalação e sua alta capacidade de difundir conhecimento de maneira lúdica, a tornam de grande valia para projetos e iniciativas públicas e privadas que têm, na preservação das águas (e do meio ambiente como um todo), o tema central de suas ações”.
E mais: Bueno acredita que tanto o poder público como as empresas vão se sensibilizar com esse trabalho e ajudar a tornar a exposição mais visível. “Não sei se é para torná-la permanente, mas para que ande pela cidade. Já estamos em busca de aliados para ativar ainda mais o trabalho realizado, levando empresas, gerando experiências, otimizando ainda mais essa plataforma incrível pra sensibilizar gestores, educadores, empresários, diretores, presidentes, ou seja, procurar identificar organizações que – no futuro ou agora – possam ser aliadas em parcerias público-privadas. Por isso, acredito que a exposição não vai parar em dezembro de 2016. Ela vai andar!”.
Ou seja, este é apenas o começo deste trabalho lindo. Já estou torcendo! Sua vocação itinerante me faz pensar que ainda escreverei muito sobre esta exposição. E, se eu fosse você, acompanharia os sites e as redes sociais do SESC e do Conexão Planeta para não perder nenhum detalhe.
Rios e Ruas e o futuro
Olhando pra trás, para os primeiros passos da iniciativa Rios e Ruas – eu os acompanho desde 2013 -, é fácil concluir que Bueno e Luiz são muito pacientes, mas principalmente, que entendem a linguagem e o ritmo da natureza. Eles poderiam ter começado essa história propondo abrir rios, quebrar tudo. Mas, não! E, em nenhum momento, pensaram que deveriam peitar ou se aproximar do prefeito, do governador, de secretários de meio ambiente e desenvolvimento urbano para realizar sua missão.
Seu foco e sua atenção sempre estiveram voltados para o público. Lá atrás, essa ideia até pode ter parecido maluca ou idealista demais, mas, em pouco tempo, deu pra ver que eles tinham razão. Agora, com mais esta realização, alguém tem dúvida?
Durante a entrevista, Bueno me contou que, num almoço de família, uma sobrinha lhe perguntou: Afinal, o que é que vocês querem com o Rios e Ruas? Ele comentou: “Foi uma pergunta ingênua, mas também muito potente”.
Pra mim, a conversa com ele foi potente. O trabalho dessa dupla – Bueno e Luiz – é potente. Por isso, quero encerrar este texto com o final da nossa conversa, que resume a missão linda do Rios e Ruas e dá bem a medida de onde eles – e os paulistanos – podem chegar.
“O que a gente quer não é só mostrar que há rios vivos na cidade. Essa etapa está se cumprindo desde o início do nosso trabalho. O que a gente quer, mesmo, é mexer na cara da cidade, trazer esses rios de volta para a convivência com as ruas, com as pessoas, com a cidade – se não todos os rios, pelo menos alguns!
A gente está falando de mudar algo muito profundo na genética da cidade de São Paulo, uma cidade que, desde o início, ‘optou’ por abandonar sua relação com os rios. A gente tá mexendo com isso. Será que não é possível ter esses rios de volta? Será possível coexistir com essa natureza exuberante da cidade?
Se fizermos uma pequena intervenção – que é parte de nossa intenção maior -, se a gente conseguir, em alguns anos, redesenhar a cidade, um pequeno trecho urbano, revitalizar um rio, trazê-lo à luz novamente, mesmo que seja em um trecho pequeno e mostrar para os paulistanos que é possível…
Existe tecnologia pra isso. E, se for possível trazer um rio de volta, em 200 metros da cidade, será possível em qualquer outro lugar. E mais do que isso! Sabe o que a gente quer? A gente quer que São Paulo seja uma inspiração, um modelo de desenvolvimento harmônico para outros municípios. Quem sabe para os 5 mil municípios do Brasil!
Aí, sim, todo esse trabalho vai se tornar exemplar. Ou seja, a gente está trabalhando no pior lugar do mundo, no lugar que mais castigou suas águas, mas talvez seja daqui mesmo que saia a cura. Que saia a mudança de modelo para o Brasil inteiro. E isso será feito pelas pessoas.
Estamos atrasados porque o mundo já está dando exemplos de que isso é possível, que é possível recuperar os rios que sofreram com a canalização. Mas este é o nosso ritmo. E temos as bençãos dos nossos rios. Costumamos dizer que quem está nos protegendo nessa trajetória são os grandes orixás. São esses grandes seres que estão abençoando nossa jornada a favor da natureza e da vida”.
Não tenho dúvida disso. Odoiyá! Ora iê iê ô! Amém!
Agora, fique com três vídeos relacionados à exposição: o primeiro mostra a maquete interativa em ação e indica a data da exposição; os outros dois, mais curiosos, foram produzidos a partir de flashs das reuniões entre Laborg e Rios e Ruas e da montagem do protótipo da maquete:
Fotos: Reprodução (destaque) e Divulgação
Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.