Rio Doce: qualidade da água piora em toda a bacia após dois anos da tragédia

Diante da gravidade dessa tragédia ambiental – considerada a maior do país – não seria possível esperar um cenário muito diferente do que foi encontrado pela expedição que avaliou a água do Rio Doce, organizada pela Fundação SOS Mata Atlântica entre os dia 11 e 20 de outubro. A qualidade da água dos rios que compõem a bacia desse rio piorou muito nestes dois anos pós rompimento da barragem de Fundão, na região de Mariana (MG), que afetou principalmente as cidades de Bento Gonçalves e Paracatu.

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A foto que ilustra este post é do fotógrafo Leonardo Merçon, que relatou a tragédia em seu post de estreia no blog Por Trás das Câmeras, , aqui no Conexão Planeta, em dezembro de 2016: Lágrimas do Rio Doce.
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A equipe de cientistas e analistas percorreu 733 km ao longo de todo o rio Doce, desde os seus formadores – os rios Gualaxo do Norte, Piranga e Carmo –  a uma centena de afluentes que formam a bacia e banham 29 municípios e distritos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

De acordo com o estudo Observando os Rios 2017O retrato da qualidade da água na bacia do rio Doce após dois anos do rompimento da barragem de Fundão, a água por lá foi considerada ruim ou péssima em 88,9% dos 18 pontos de coleta analisados. Apenas dois pontos apresentam qualidade regular (11,1%). Em todos, portanto, é considerada imprópria para consumo humano e usos múltiplos, como pesca, irrigação e produção de alimentos.

Dos 18, há três pontos em conformidade com o padrão definido pela lei brasileira para turbidez (pouca transparência), que é um dos indicadores diretamente associados ao impacto da lama de rejeito de minérios. Em sete pontos, a qualidade é tão ruim que não há vida aquática, como, girinos, sapos e peixes.

Por outro lado, apesar de distantes do ideal, nove pontos de coleta apresentaram sinais de vida aquática. Esses locais estão onde há  fragmentos de mata nativa ou que contam com áreas de preservação permanente, ou seja, foram menos afetados com o impacto da lama.

“Mesmo com tamanha tragédia, é possível notar alevinos, conchas, girinos e poucos peixes, sobretudo nos pontos próximos a afluentes de maior volume”, diz Malu Ribeiro, especialista em água da fundação. Ela destacou a gravidade da situação: “Nesses locais, o espelho d’água estava repleto de insetos e pernilongos, vetor de graves problemas de saúde pública, como a dengue, zika, chicungunha e febre amarela”.

E completou dizendo que, apesar de a água estar mais clara, o sedimento de rejeito de minério está presente em todo o leito do rio e, por ser muito fino, qualquer movimento das águas o suspende, aumentando novamente a turbidez para índices impróprios. “A seca extrema e o baixo volume das águas causaram concentração dos poluentes, o que aumentou a poluição em relação ao ano passado, apesar de imperceptível a olho nu”, disse a especialista.

Os analistas compararam os resultados dos trabalhos da expedição realizados em novembro de 2015, logo após o rompimento da barragem, em novembro de 2016 e agora. Veja:

Índices 2015 2016 2017
ÓTIMA 0 0,0% 1 5,9% 0 0,0%
BOA 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
REGULAR 2 11,1% 7 41,1% 2 11,1%
RUIM 0 0,0% 8 47,1% 9 50%
PÉSSIMA 16 88,9% 1 5,9% 7 38,9%
TOTAL 18 100% 17 100% 18 100%

Os índices de oxigênio também estão bastante reduzidos devido a elevada turbidez, ao baixo volume dos rios, ao excesso de nutrientes em decomposição lançados pelo esgoto sem tratamento e às altas temperaturas. “Para a recuperação da qualidade da água, é essencial que sejam adotadas medidas efetivas de restauração florestal com espécies nativas, de revitalização da bacia e a ampliação dos serviços de saneamento básico e ambiental nos municípios afetados”, acrescenta Malu.

Metais pesados: muito além do permitido por lei

Até a tragédia da lama tóxica, o rio Doce era considerado de nível 2 na classificação ambiental (veja explicação no final do post) e, de acordo com essa análise, ele continua fora dos padrões legais, apresentando altas concentrações de sólidos em suspensão e de metais pesados como manganês, cobre, alumínio e ferro (!!!!), em diferentes trechos monitorados pela expedição.

Apenas nas cidades de Perpétuo Socorro e Governador Valadares, a água do rio não apresenta índices de cobre. Nos outros 16 pontos monitorados, a concentração desse metal está acima do permitido. Inacreditável pensar que qualquer índice de cobre seja permitido já que o consumo de pequenas quantidades já provoca náuseas e vômitos. Se for ingerido em grandes quantidades, pode prejudicar os rins, inibir a produção de urina e causar anemia já que destrói os glóbulos vermelhos!

Acima do permitido também, o manganês é o metal que está presente em cinco dos pontos analisados. Sua ingestão pode provocar rigidez muscular, tremores das mãos e fraqueza. De acordo com pesquisas realizadas em animais, o excesso desse componente no organismo provoca alterações no sistema nervoso central e pode levar à impotência.

Quem quiser se aprofundar a respeito da metodologia utilizada pela Fundação SOS Mata Atlântica, pode consultar detalhes em seu site.

Enquanto isso, a Samarco continua impune.
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(*) Um rio é classificado como 2 quando suas águas podem ser destinadas:
– ao abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional;
– à proteção das comunidades aquáticas;
– à recreação de contato primário, tais como natação, esqui aquático e mergulho;
– à irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa vir a ter contato direto; e
– à aquicultura e à atividade de pesca.

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Foto: Leonardo Merçon

Um comentário em “Rio Doce: qualidade da água piora em toda a bacia após dois anos da tragédia

  • 9 de novembro de 2017 em 12:59 PM
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    É MUITO TRISTE O QUE ACONTECEU AÍ EM MINAS GERAIS. E JA SE PASSOU O2 ANOS, E
    AS AUTORIDADES BRASILEIRAS NÃO FEZ NADA.
    O NOSSO PAÍS ESTA REALMENTE DESGOVERNADO.

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.