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Quentão para aquecer as noites frias e afoguear as bochechas

Era uma noite fria, tão fria de junho. Isaura se arrumou bonita pra ir à quermesse de Santo Antonio. Era Antonio mesmo que ela queria encontrar lá. Não o santo do andor, decerto. Mas, Antonio, aquele moço com jeito atrevido, mas que tinha um olhar tão doce, que olhava pra ela todo dia quando ela subia ou descia a rua. Ô moço bonito.

Já sabia que ele tinha estudado fora, parece que já era até formado. Em agronomia. Voltou pra cidade pequena, já tinha emprego. Era filho de um amigo do pai dela. Pelo menos já é de família conhecida, o pai, quem sabe, não ficaria tão bravo se eles namorassem. Mas, calma, calma, calma. Até essa paquera chegar em namoro ia ter que escrever muito correio elegante hoje à noite.

A mãe ainda falou que estava muito frio pra ir pra quermesse. Que frio que nada. Esperou por esta noite a semana inteira. No caminho, descia a rua se encantando com a luz nebulosa das lâmpadas nos postes. O frio era tanto que fazia uma nuvenzinha em torno da luz, parecia uma musselina intocável e macia. Soprava as mãos cruzadas bem pertinho da boca, para tentar aquecê-las. Depois, brincava de criar fumacinha com o hálito quente cheirando a cravo em contraste com o gelo do ar que respirava.

Foi chegando perto da praça, ouvindo barulho da festa. O carrossel parecia uma caixinha de música, no sobe-desce das crianças encantadas com a delicadeza da aventura naqueles cavalos descascadinhos na anca, elefantes descascadinhos na tromba. Passou pela barraca da argola querendo muito ganhar aquele urso preto e branco, o melhor prêmio. Bem que Antonio podia ser, além de bonito, romântico e bom de pontaria. Imaginou os dois de mãos dadas rodando as barraquinhas; ele ganhando o urso e dando de presente pra ela, como acontece nos filmes.

Chegou na barraca principal da festa de Santo Antonio. Ali o barulho era do leiloeiro exibindo leitoa assada, a prenda oferecida pela família Marques. E o rocambole de goiabada, prenda oferecida pela família Ormindo. Alguém feliz iria arrematar. Barulho de gente que bateu!!
Bingo! Levou a prenda: um pacote de bala de alfiniz, feita em casa, como todas as prendas e oferendas da festa religiosa. A renda das generosidades é revertida para manutenção da paróquia, avisa o homem do microfone. Isaura passou o olho pelas mesas. A barraca tava apinhada de gente. Encontrou as amigas e foi pra mesa delas. Coração disparou quando viu Antonio lá do outro lado.

Não demorou e escreveu no papelzinho o primeiro correio elegante:

Uns preferem banda,
outros preferem orquestra,
eu prefiro você,
que é o mais bonito da festa

Mandou o garçom que entregava pastel e batata frita levar também o correio elegante pro Antonio.E ficou ali, com as amigas ouriçadas, esperando resposta. E veio:

Rosas são vermelhas
Borboletas são azuis
Teu encanto é tanto
que até perdi a rima…

E ela:

Nessa festa tem pipoca, cachorro quente e quentão
Ainda bem que tem você
Pra aquecer meu coração

E ele:

Em cima daquele morro
passa boi, passa boiada
já posso perguntar
se quer ser minha namorada?

Ela corou.
Ele viu de longe Isaura mordendo o fundinho da caneta e pensando na resposta. Escreveu:

Pra ganhar seu amor
fiz promessa no altar
Santo Antonio abençoou
Quero, sim, te namorar

Atrevido – Isaura já sabia -, o Antonio mandou entregar pra Isaura um copo de quentão com outro correio elegante:

Me encontra atrás da igreja.

Ela leu e sentiu as bochechas ficarem ainda mais afogueadas. Encontro atrás da igreja não é pra moça direita. Mas já tinha chegado até ali. Bebeu o quentão. Rabiscou a resposta:

Atrás da igreja não hei de ir
Que não é lugar pra moça estar
Mas pra uma voltinha na roda gigante
Bem que podia me convidar

Antonio chegou perto. Ofereceu uma maçã do amor, que ela segurou como uma flor, porque pensando bem não é fácil morder a casquinha dura do doce sem se lambuzar e ela não tinha tanta intimidade assim…

O moço levou a moça pra girar na roda gigante da quermesse. De cima, viram os fogos anunciando o fim do terço e Antonio pegou na mão de Isaura; de baixo viram a fogueira crepitando perto do mastro dos santos e Isaura encostou a cabeça no ombro de Antonio; de cima, viram o colorido bonito da praça com tanta gente devota e Isaura beijou Antonio e Antonio beijou Isaura; de baixo ouviram Viva São João, São Pedro e Santo Antonio!

RECEITA DO QUENTÃO PRA AQUECER A NOITE FRIA E AFOGUEAR AS BOCHECHAS

INGREDIENTES

30 g de cravo
3 paus de canela
50 g de gengibre fresco ralado
1 xícara (chá) de açúcar cristal
1 litro de água fervente
4 grãos de pimenta do reino (opcional, mas aconselhável)
1/2 litro de pinga

MODO DE FAZER

Comece fazendo um chá com as especiarias: soque/macere levemente o cravo e o gengibre. Leve para o fogo em panela de fundo grosso cravo, gengibre socados, canela em pau e açúcar. Vá mexendo até o açúcar derreter e virar quase um melado. O açúcar fica com a cor de caramelo.

Jogue a água quente e deixe no fogo fervendo ainda mais, para carregar sabor. O ideal é ferver até dar uma leve reduzida no líquido. Soque agora os grãos de pimenta do reino e acrescente ao chá. Dá um ardidinho, uma picância necessária. É o segredinho do melhor quentão.

Desligue o fogo e acrescente a pinga. Não ferva depois, pra não evaporar a pinga. Não quer que o quentão perca a graça, né? Sirva bem quentão.

E Viva São João, São Pedro e Santo Antonio!

Foto: domínio público/pixabay

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