
Não há como não fazer a analogia com a expressão popular “Quando o gato sai, o rato faz a festa” quando se olha para as imagens gravadas por armadilhas fotográficas instaladas no ninho de uma harpia (Harpia harpyja), no Mato Grosso. Logo que seu refúgio fica vazio, a cuíca toma conta do pedaço! O registro é tão curioso e inédito que até mereceu um artigo científico, no jornal internacional BioTropica.
Durante quase um ano, pesquisadores documentaram imagens e vídeos da movimentação no ninho de uma harpia no município de Salto do Céu. Também chamada de gavião-real, uiraçu ou gavião-pega-nenê, a espécie é a maior ave de rapina do Brasil, e está ameaçada de extinção.
Para admiração dos cientistas, as imagens flagraram as cuícas-lanosas (Caluromys philander) se alimentando de restos de presas no ninho, comportamento esse até então desconhecido. “Originalmente, estávamos estudando a dieta da harpia, mas nos surpreendemos ao observar a cuíca-lanosa ‘roubando’ restos de comida do ninho”, conta o biólogo Guilherme Siniciato Terra Garbino, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e um dos coautores do artigo.

Foto: Machado et al, BioTropica, 2025
Popularmente conhecida como gambá-de-orelha-marrom, a cuíca-lanosa é um marsupial de hábitos noturnos e tem uma dieta frugívoro-onívora, composta principalmente de frutos e artrópodes, como insetos e aracnídeos, e ocasionalmente de néctar. Essa é a primeira vez que se documenta a necrofagia na espécie, a alimentação de animais mortos.
No período dos 12 meses em que as armadilhas fotográficas ficaram ativas, e captaram mais de 10 mil fotos e dezenas de vídeos, em três ocasiões houve o registro das cuícas ingerindo restos de tatus levados pela harpia ao ninho.
“O estudo comprova um comportamento que já era inferido, mas nunca havia sido registrado de forma direta. Isso mostra que a espécie, embora prefira frutas, aproveita oportunidades de se alimentar de carcaças quando elas estão disponíveis”, ressalta Garbino.

Foto: Machado et al, BioTropica, 2025
Os pesquisadores revelam que outros mamíferos, como iraras, saguis-de-rabo-preto e esquilos também foram avistados próximos ao ninho, mas apenas a cuíca foi documentada consumindo carniça. “Algumas espécies, como a irara, até poderiam consumir animais mortos, mas esse comportamento é raro. Já primatas e roedores preferem frutos, sementes ou invertebrados, e não os restos maiores deixados por predadores”, explica ele.
Para os autores do estudo, a documentação do comportamento pouco conhecido desse pequeno marsupial ressalta a importância de mais pesquisas que revelem interações ecológicas negligenciadas, como a necrofagia. “Estudos futuros, utilizando armadilhas fotográficas e posicionamentos experimentais de carcaças, podem fornecer informações valiosas sobre a frequência e a importância ecológica da necrofagia entre marsupiais”, afirmam.

alimentam de animais mortos
Foto: Machado et al, BioTropica, 2025
*Com entrevistas contidas no texto divulgado pela Agência Bori
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Foto de abertura: Machado et al, BioTropica, 2025




