Procura-se líder climático

procura-se um líder climático

* Por Carlos Rittl

Nos próximos dias, os Estados Unidos de Donald Trump poderão se tornar o primeiro país do mundo a abandonar o Acordo do Clima de Paris, ratificado por 142 nações. A decisão será tomada por um grupo de assessores mais próximos do presidente, que estão no momento divididos, de um jeito que reflete bem a insanidade dos dias atuais: o ministro do Meio Ambiente é a favor de abandonar o tratado, enquanto o secretário de Estado, ex-­CEO da maior petroleira do mundo, defende a permanência do país na mesa.

Qualquer que seja o veredito, será provavelmente um gesto apenas simbólico. Afinal, semanas atrás, Trump tomou a decisão política que importava mais sobre o assunto, ao assinar um decreto que autoriza a Agência de Proteção Ambiental a desmontar o Plano de Energia Limpa de Barack Obama.

O plano é a principal regulação federal destinada a cortar emissões de carbono do setor de geração de energia. O ato significa que o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo está abandonando a ação contra as mudanças climáticas num momento em que os fatos e a ciência nos gritam que ela deveria estar sendo criticamente acelerada.

Os impactos da decisão para os objetivos do Acordo de Paris deverão ser gravíssimos. Mas igualmente ruim fica a situação da economia americana: Trump entregou de bandeja sua competitividade à China. A premissa por trás do desmonte do Plano de Energia Limpa é uma suposta “guerra ao carvão” que teria sido movida por Obama.

Mentira pura ou, para usar uma expressão do léxico trumpista, “fato alternativo”: o que condenou o carvão à morte nos Estados Unidos não foi a regulação ambiental, mas sim a competição com tecnologias energéticas melhores e mais eficientes. O carvão declinou porque os americanos descobriram no gás natural extraído por fraturamento hidráulico uma fonte mais barata, abundante, eficiente e menos poluente. E foi só quando a realidade dessa competição já estava precificada na economia americana que o ex­-presidente pôde adotar suas regulações mais ousadas da poluição das termelétricas e ampliar os incentivos às energias renováveis, que são o futuro da energia global.

Com o decreto, Trump dá uma banana para a inovação tecnológica, que sempre foi a pedra de toque da economia de seu país, na tentativa de prover uma sobrevida a duas fontes energéticas condenadas:­ o carvão e o petróleo. Esses dois setores hoje geram menos empregos do que as energias renováveis, mas isso não importa para Trump, mais interessado em proteger os investimentos de seus aliados na indústria fóssil.

O plano tende a fracassar, já que enfrentará forte oposição da sociedade civil, de estados, cidades e de diversas indústrias poderosas, que apostam num futuro descarbonizado. A cruzada obscurantista de Trump contra a ciência da mudança climática foi alvo de uma marcha de cientistas no sábado, 22 de março, que se espalhou por diversos países do mundo, inclusive o Brasil. E, no dia 29, americanos de todos os cantos marcharam em Washington contra o presidente. O clima foi um dos itens do protesto. É previsível, ainda, que haja uma chuva de ações judiciais exigindo a manutenção do plano energético de Obama.

Que ninguém tenha dúvida: a matriz energética americana já está embicada para a descarbonização e a maior prova disso foi que as emissões do país no ano passado caíram 1,6% ­ as menores desde 1990 ­ mesmo com um crescimento econômico de 3%. Isso quer dizer que o PIB americano está enfim desacoplado dos combustíveis fósseis.

No entanto, o decreto autorizando o fim do Plano de Energia Limpa terá repercussão imediata em dois aspectos. O primeiro é que, mesmo sem sair formalmente do Acordo de Paris, Trump terá provavelmente minado a chance de a humanidade alcançar sua meta mais ambiciosa, a de estabilizar o aquecimento global em 1,5°C. Para que isso tivesse uma chance razoável de ocorrer, o mundo precisaria cortar profundamente emissões até 2020. Como os Estados Unidos respondem por 17% das emissões do mundo, precisariam liderar esse esforço. Mas nem mesmo o Plano de Energia Limpa, se fosse 100% implementado, daria conta da tarefa: ele contempla menos de 20% da NDC, a tarefa que o país impôs a si mesmo como contribuição ao Acordo de Paris de cortar de 26% a 28% das emissões até 2025 em relação a 2005. Ou seja, eles precisariam estar criando novas políticas de corte de emissões para que a meta do 1,5° C tivesse mais chance. E estão fazendo o oposto.

O sinal é o pior possível, já que outros países, como a Rússia, podem sentir­-se tentados a agir de forma análoga. O segundo efeito é deixar um vácuo de liderança na área de clima e energia, a ser preenchido por quem se apresentar.

O primeiro candidato natural é a China, que tem nas energias renováveis prioridade de sua política industrial e já se apresentou neste ano, no Fórum de Davos, como substituta dos Estados Unidos nessa agenda. Investimentos que iriam para o país americano (“America First”?) agora farão a curva e tomarão rumo ao leste. Mas há outros países que perderam relevância internacional recentemente e que deveriam estar interessados nisso. Veja, por exemplo, o Brasil: o país teve um grande sucesso recente de combate às emissões, com a queda do desmatamento na Amazônia; possui vasta experiência em biocombustíveis; e uma matriz energética ainda relativamente limpa. Caso resolvesse encarar o desafio, como fez a China, o Brasil poderia investir num programa maciço de descarbonização, de produção de commodities agrícolas com baixa emissão e de criação de uma indústria de base florestal.

Infelizmente, porém, nossos líderes parecem quase tão apegados ao passado quanto Trump: destinamos 70% dos nossos investimentos em energia aos combustíveis fósseis, como o petróleo do pré­-sal.

Sintomático, aliás, que nossa direita e nossa esquerda estejam engalfinhadas num debate sobre qual é o melhor método de jogar o carbono do pré­-sal na atmosfera: se o “neoliberal” ou o “estatista”. E nosso Congresso, amplamente representado no Executivo, está mais ocupado em dizimar terras indígenas, unidades de conservação e regulações ao agronegócio do que em olhar para a frente. Na pátria das oportunidades perdidas, estamos deixando passar mais uma. A China agradece.

*Carlos Rittl é secretário-­executivo do Observatório do Clima e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza

Foto: pixabay/domínio público

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A Rede de Especialistas de Conservação da Natureza é uma reunião de profissionais, de referência nacional e internacional, que atuam em áreas relacionadas à proteção da biodiversidade e assuntos correlatos, com o objetivo de estimular a divulgação de posicionamentos em defesa da conservação da natureza brasileira. Foi constituída em 2014, por iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza