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Princesas e equidade de gênero

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Sigo embasbacado, pois domingo passado me alertaram sobre a existência de uma escola de princesas. Digo alertar porque uma notícia como essa é também um sinal de emergência. No primeiro impacto, pensei que fosse piada. Até porque estamos no Brasil e a maior pauta discutida por todos, até meses atrás, era a democracia (e não a monarquia), que, apesar de ser um conceito ambíguo pra muitos, estava em voga.

Ao ler mais a grade curricular da tal “instituição de ensino”, mudei do meu estado abobado para o confuso. Como podem vender o “sonho de ser princesa”, se elas serão ensinadas a limpar o castelo, a lavar roupa e a costurar? (assim diz o site da “escola”). Até onde aprendi, uma princesa é a soberana do principado e a mais distinta na sua categoria, então, porque ela iria para o tanque? Ela costuma ter muitos empregados, e isso é contraditório.

Desde que assimilei o poder da equidade de gênero no desenvolvimento da sociedade, a justiça pelas mulheres se conectou muito com minha inquietação sobre a desigualdade social que vivemos, já que essa equidade passa pela interseccionalidade e deve, necessariamente, contemplar recortes de gênero, raça e classe social.

Além da contradição já mencionada, penso de que forma ainda podemos considerar o significado da palavra “princesa” como algo saudável e realista, hoje. Sendo uma das figuras de uma monarquia, ela é o símbolo da concentração de poder e da inequidade. A irresponsabilidade começa no estímulo a tais estereótipos, até porque eles ainda existem, em pleno 2016. Entre Monarquias Absolutas, onde a(o) monarca tem total poder, Constitucionais, em que a(o) soberana(o) tem alguns poderes, e Parlamentares, quando é apenas uma figura decorativa, existem mais de 40 no mundo. Sim, ainda concentram um poder hereditário por nada, ostentando, inclusive, gastos estratosféricos.

Dessa forma, o conceito moderno de princesa cidadã, desconsiderando qualquer monarquia, impõe automática e inconscientemente uma barreira de classe, uma relação de superioridade e inferioridade. Isso pode ser observado em situações do dia a dia, válido para príncipes também, onde a ostentação e a distância “da plebe” são estimuladas. Isso tudo é contra qualquer escala de equidade.

Na esfera de bons modos, enquanto se ensina às crianças padrões de etiqueta ao sentar à mesa e como se apresentar esteticamente para sair de casa, se esquece das sutilezas, gentilezas e cordialidades do dia a dia, tais como “com licença”, “por favor” e “obrigado”. É normal ver adultos no mercado, na padaria e na farmácia que não conseguem agradecer por nada. Parece que estamos voltando nosso foco a normas sociais egocêntricas que nos deixam bem na foto, mas que não significam respeito algum pelo outro.

Como se não bastasse, há um dilema de representatividade diretamente relacionado à imagem das princesas. Meninas negras, baixinhas, latinas, obesas, com alguma deficiência física e outras peculiaridades não são contempladas pelos contos de fadas, ainda que esse cenário esteja caminhado muito lentamente para uma mudança forçada.

Assim, o padrão imposto às meninas que guardam esse sonho, implica um culto, às vezes exagerado, à magreza, à estética superficial, ao consumo desenfreado e ao luxo, o que notadamente é maléfico para a autoestima de qualquer criança, especialmente para as meninas  que se diferem dele. É como avisá-las de que elas nunca estarão suficientemente aptas a se adequarem a um modelo que, nós mesmos, criamos.

Dados e casos absurdos

Segundo a pesquisa Visões das Mulheres Jovens sobre a Desigualdade de Gênero, feita pela Universidade de Melbourne, apenas 1% das meninas dizem ser tratadas igual aos meninos. Independentemente do meio social, é inexplicável como provocamos uma falta de autoestima tão disseminada.

De acordo com estudo realizado nos EUA, 92% das músicas de maior sucesso no rádio são relacionadas com sexo. Acho que isso diz muito sobre a estética e o que insistimos em colocar na cabeça o tempo todo.

Uma amiga que é professora de alunos até 7 anos me contou que, em certa ocasião, uma de suas alunas comentou que não poderia beber água no copo, pois estava usando batom. Ou seja, alguém conseguiu transmitir pra essa criança que seria mais importante manter o batom intacto no lábio do que matar sua sede. Intencionalmente ou não, é um exemplo simples da deseducação que está acontecendo. Isso é mundo real, não é ficção.

O ótimo documentário Criança, A Alma do Negócio (que você pode assistir no final deste post), relata como as crianças são bombardeadas por propagandas que estimulam o consumo e falam diretamente com elas, resultando em meninas que se maquiam para ir à escola e que deixaram de brincar e de correr por causa de seus saltos altos.

Estudo da ONG Save The Children mostra que o Brasil é o pior país da América do Sul para ser menina. Apresentamos resultados negativamente altos em diversos problemas sociais, especialmente no que diz respeito à baixa representatividade feminina na política, ao casamento infantil e ao baixo índice de conclusão do ensino médio.

A discussão sobre equidade de gênero é um desafio global, que passa pela obrigatoriedade do hijab no Irã, pela indústria bilionária do tráfico sexual na Tailândia, pela preferência a bebês meninos na China e pela onda conservadora brasileira. Invariavelmente, os prejuízos de uma sociedade injusta e desigual recaem com mais força sobre meninas e mulheres, mas também é determinante na formação de homens agressivos, violentos e que enxergam a mulher de maneira inferior e objetificada.

Em um momento da história como este, não deveríamos discutir sobre como formar meninas princesas, mas sim, como criar jovens líderes capazes de enfrentar com firmeza, sabedoria e coerência os desafios, preconceitos e intolerâncias que nos impedem de construir um mundo mais justo e próspero pra todos.

 

Leia também:
11 coisas que toda menina deveria saber, mas que a “Escola de Princesas” não ensina
Escolas australianas terão aulas de desconstrução de estereótipos de gênero 

Foto: Disneyland/Divulgação

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