Povos indígenas e afro participam da posse do novo presidente do México, com ritual sagrado

Andrés Manuel López Obrador (também conhecido por AMLO) assumiu a presidência do México, no último sábado, 1/12, em uma cerimônia linda e muito emocionante, nunca vista no país. Ele subiu ao palco na melhor companhia possível: a dos povos indígenas e afro-mexicanos. E assim permaneceu durante todo o tempo em que ali esteve, sob os olhos atentos de mais de 50 mil pessoas que lotaram a Praça da Constituição ou Zócalo, na capital.

Ao lado da esposa, participou de ritual de purificação com orações e defumações feitas com copal e ervas sagradas. Em seguida, um dos xamãs presentes soprou uma espécie de concha que emitiu um som agudo e convidou a todos para levantarem as mãos e orar com ele para os quatro pontos cardeais. Começou pelo leste.

“Vento leste, casa da luz, invocamos tua divina presença para que a luz inunde nossos corações, para que a obscuridade se dissipe e que a luz do amor permita nos unirmos num concerto de harmonia cósmica. Que assim seja!”. E assim foi para o oeste: “Vento do Oeste, casa das mulheres guerreiras, com amor te saudamos e invocamos tua divina presença, que toda vida continue em seu projeto evolutivo que rompe as limitações, e experimentamos o sentido da liberdade que flui incansavelmente. Que assim seja!”.

No vento do Norte, a casa é da memória, lugar dos ancestrais. No vento do sul, fica a casa da vida, lugar das medicinas…. Lindo demais!

Assim que acabou essa parte da cerimônia, os indígenas entregaram a Obrador o Bastão do Comando Indígena (foto de destaque deste post), símbolo de identidade desse povo, que guarda a sabedoria dos ancestrais – os que primeiro povoaram aquelas terras – e foi consagrado naquele dia, às 5h da manhã, especialmente para a cerimônia.

“Receba de nossas mãos e em nome de nosso povo este símbolo que o guiará nos próximos seis anos. Com ele, manifestamos nossa confiança e nosso compromisso e convidamos todos os irmãos e irmãs presentes para fazer o mesmo”, disse a indígena.

Pobreza, violência, corrupção e impunidade

Logo após a linda cerimônia a que se entregou de corpo e alma, Obrador discursou para o público, enfatizando os principais pontos de seu governo, já propostos em sua campanha. Político de esquerda, destacou que promoverámudanças radicais no país – que abriga 130 milhões de pessoas-, aniquilando o legado desastroso deixado por governos “neoliberais”.

Anunciou que este deverá ser um governo austero, voltado para os mais pobres, com políticas sociais intensas. Não vai aumentar impostos nem a dívida nacional, mas estancar as perdas do dinheiro público provocadas pela corrupção e a impunidade, contra a qual lutará duramente.

Também destacou a luta contra a violência como uma de suas prioridades: o país registrou 25 mil assassinatos, um recorde, em 2017!

Prometeu que seu governo vai dividir bem o poder econômico do político, mas também procurou acalmar os mercados que, logo após as eleições em julho, se mostraram tensos com suas políticas. Fez questão de dizer que investimentos são bem vindos e seguros, prometendo respeitar a independência do banco central.

Instituto dos indígenas e comissão da verdade

Em coletiva de imprensa, ontem, o novo presidente do México anunciou a criação do Instituto Nacional dos Povos Indígenas, como anunciado durante sua campanha, que apoiará todas as comunidades nativas do país.

Também informou que o decreto que viabiliza a criação da Comissão da Verdade – que começará investigando o desaparecimento de 43 jovens estudantes de uma escola em uma comunidade rural de Ayotzinapa, em 2014 -, já está publicado no Diário Oficial da Federação.

Apesar da pressão nacional e internacional, nenhuma solução foi dada ao crime. Ayotzinapa, como ficou conhecido, é um caso emblemático da situação terrível que cerca os desaparecimentos no país. De acordo com a Anistia Internacional, nos últimos quatro anos, o número de desaparecidos subiu de 22 mil para 37 mil.

Discurso e prática

Obrador me lembrou José Mujica, ex-presidente do Uruguai, em alguns momentos de sua fala e se mostrou bastante coerente em suas ações. Chegou ao Congresso em um modesto carro branco, cercado por pouquíssimos seguranças.

Abriu as portas da residência oficial de seu antecessor, em Los Pinos, para visitantes, no dia da posse, já anunciando o que pretende fazer com ela: transformá-la em um centro cultural. Para economizar, quer viver em um apartamento no palácio presidencial.

Obrador também anunciou que, naquele mesmo dia, ao voltar da Argentina, onde participou da cúpula do G20, o presidente atual, Peña Nieto, fez a última viagem do avião presidencial: agora, ele está à venda.

Sensacional! Tomara que tudo que Obrador diz seja realmente o que pensa e o que colocará em prática. Seu governo está em contraste absoluto com o que se desenha em nosso país e tomará posse em 1o. de janeiro de 2019, mas Obrador me parece se configurar como uma ponta de esperança para o futuro da América Latina. Não tenho dúvida.

Agora, assista a estes dois vídeos que encontrei na internet. O primeiro mostra um pouco do ritual indígena de purificação. O segundo é de um programa de TV que fez a cobertura completa da cerimônia. É longo, mas vale muito.

Fotos: Reprodução

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Mônica Nunes

Jornalista com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo, saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da conferência TEDxSãoPaulo.