Por que o Brasil não está entre os 50 melhores destinos de natureza do mundo?

Por que o Brasil não está entre 50 melhores destinos de natureza do mundo?

Um dos maiores desafios de gestores públicos responsáveis com o estabelecimento de políticas de desenvolvimento regional no Brasil (e no mundo) se refere ao direcionamento harmônico e inteligente do uso do território. É evidente que não basta existirem opções de atividades econômicas potenciais. É necessária uma distribuição equilibrada dessas atividades para evitar que ocorram sobreposições de práticas que não sejam compatíveis entre si.

Em função disso, cenários qualificados para gerar desenvolvimento regional devem levar em consideração as características geográficas de um local e todo o conjunto dos recursos naturais existentes numa determinada região, em busca da melhor destinação e do melhor resultado agregado possível.

A criação de zonas portuárias e industriais devem ocupar espaços delimitados nos quais esteja assumida a condição de degradação ocasionada por essas atividades, evitando-se, assim, uma contaminação generalizada de todo o território.

A condição de isenção de parte do poder público é absolutamente fundamental para as decisões de planejamento estratégico que o desenvolvimento regional exige. O que parece ser um encaminhamento bastante evidente, no entanto, não raro deixa de ocorrer pela existência de outras variáveis políticas e econômicas que interferem de forma abusiva e inadequada nas decisões que devem nortear a localização de empreendimentos, em especial, dos que causam maior impacto social, econômico e ambiental.

A condição de bom senso e qualidade técnica na destinação correta no uso de um território implica admitir que, em muitos casos, a melhor opção é negar a viabilidade de determinados empreendimentos em função de consequências que inibam e prejudiquem outras atividades mais adequadas para uma região.

A gigantesca indústria do turismo de natureza, ainda incipiente no Brasil, não teria tanto sucesso sem um planejamento responsável e rigoroso no uso dos territórios. Seria inimaginável que áreas destinadas a atividades voltadas ao ecoturismo concorressem com espaços destinados a operações de grande impacto ambiental como indústrias, portos ou mesmo grandes concentrações urbanas.

Parques Nacionais norte-americanos, como o Yosemite ou o Yellowstone, são exemplos históricos de como um grande espaço natural bem conservado pode representar uma via extraordinária para o desenvolvimento econômico regional, gerando emprego e renda. São modelos que hoje estão replicados em muitos pontos do mundo. A condicionante para o sucesso desse setor exige, justamente, um isolamento rigoroso de atividades econômicas de alto impacto ao meio ambiente.

A Costa Rica, o Chile e a Argentina, por exemplo, são países latino-americanos que já exploram com sucesso a condição de manutenção de grandes áreas naturais destinadas ao turismo. Um incremento econômico expressivo gerado em áreas que, até então, eram reconhecidas como espaços de depressão econômica. Casos bem-sucedidos a serem utilizados como referência para empreendimentos similares no Brasil.

Nenhum dos 50 melhores destinos de natureza do mundo está em nosso país, onde se concentra a maior biodiversidade do planeta, agregada a um conjunto infindável de paisagens exuberantes. Isso porque é comum a sobreposição de empreendimentos de alto impacto em áreas que deveriam ser destinadas à exploração turística de nossas extraordinárias riquezas naturais.

No Paraná, ocorre hoje um enorme esforço da sociedade, que contesta a determinação do Governo do Estado em ampliar, de forma violenta, os impactos já causados por uma estrutura industrial e portuária que existe em Paranaguá (leia mais aqui).

Ao invés de buscar a otimização e o incremento de uma estrutura que já existe, motivações políticas levam à expectativa de que investimentos públicos milionários possam agora apoiar e viabilizar a construção de um complexo industrial portuário em Pontal do Paraná, em frente à Ilha do Mel, uma das unidades de conservação mais importantes do estado e o segundo ponto turístico mais visitado do Paraná, atrás apenas do Parque Nacional do Iguaçu.

Mesmo com a existência de dados que comprovam a plena condição da estrutura de Paranaguá para atendimento das demandas de importação e exportação do Paraná para as próximas décadas, a criação de uma nova zona portuária e industrial na região parece representar uma questão de “vida ou morte” para a atual gestão pública estadual. Mas, claramente, não se trata de uma decisão estratégica visando o melhor arranjo econômico e social para o uso inteligente de nossa estreita faixa costeira.

Sem uma contínua e crescente mobilização pública, que precisa ser ainda mais contundente, o estado corre o risco de cair, mais uma vez, na “vala comum” do desenvolvimento mal planejado. A enorme suscetibilidade a pressões, que nunca poderiam ser consideradas por gestores públicos em tomadas de decisão, representa a maior ameaça para descaracterizar uma das áreas mais propícias para o desenvolvimento de atividades de turismo de natureza do Brasil.

O atendimento aos interesses maiores da sociedade é uma responsabilidade do poder público e devemos cobrar essa postura em todas as situações. Ao invés de uma atitude em busca de racionalidade, ocorre hoje uma grande especulação em torno de resultados econômicos de curto prazo e voltado a expectativas de interesse pessoal, em detrimento dos benefícios a todos os paranaenses.

Os malabarismos argumentativos sem sustentação técnica e direcionados a imposições de viés político não podem ser assimilados passivamente. Está em nossas mãos garantir a verdadeira vocação de desenvolvimento para cada parte do território do Paraná.

*Este artigo foi publicado originalmente na edição de janeiro do jornal online e gratuito do Observatório de Justiça e Conservação. Para acessar as demais reportagens clique aqui.

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Ilustração: Robson Vilalba

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Clóvis Borges

É diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), fellow da Ashoka, afiliado à Fundação Avina, membro do Conselho Consultivo do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO) e vice-presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Life. Também é conselheiro do Observatório de Justiça e Conservação (OJC)