O local mais seguro para enfrentar a pandemia é dentro de casa. Mas, e depois do lar? Qual o lugar mais seguro? Tudo indica que seja ao ar livre, mantendo distância mínima de 2 metros de outras pessoas, e usando máscara de proteção.
Considerando esse dado, não seria fantástico se existissem, no nosso entorno, lugares amplos, abertos, que ajudassem restaurar nossa saúde física e mental?
Pois esses lugares existem: são as praças e os parques das cidades. O que ocorre é que não são acessíveis para todos — e nem sempre estão em boas condições de uso.
Hoje, no Brasil, 85 % da população vive em cidades. Na maior parte delas, a disputa por território, o crescimento desordenado e a especulação imobiliária fizeram com que os espaços públicos — como ruas, calçadas, praças e parques –, diminuíssem ano a ano. O acesso a áreas verdes rareia, e o que ainda existe, vem sendo ofertado de forma absolutamente desigual.
Enquanto nas grandes cidades da Europa 44% da população vive a 300 metros de um parque público (Zulian et al., 2018; Corbane et al., 2018) e a recomendação é que cada habitante disponha de 18 m2 de espaço público verde e acessível, a realidade por aqui é imensamente diferente.
Poluição, ilhas de calor, enchentes
Levantamento da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente do Município de São Paulo aponta que apenas 8 das 32 Subprefeituras apresentam índices de cobertura vegetal (que contabiliza praças, áreas de preservação e também jardins privados) de 15m2/habitante e, em algumas regiões, esse número é muito reduzido, como em Cidade Ademar (0,77m2/hab), Campo Limpo (com 2,25m2/hab.) ou Mooca (2,37 m2/hab,).
A situação piora ainda mais quando se fala de áreas verdes públicas, ou seja, especificamente praças e parques acessíveis aos cidadãos: são 2,6 m2 por habitante na cidade de São Paulo.
As consequências dessa falta de verde são imensas: altos níveis de poluição, e deterioração do clima e da saúde, com a formação de ilhas de calor, dificuldade em controlar enchentes e baixíssimas oportunidades para se exercitar e praticar atividades ao ar livre. Fatos que, com as mudanças climáticas em curso, tentem a se intensificar.
Saúde e imunidade
Segundo a ONU-Habitat, “quando o espaço público é insuficiente, mal desenhado ou privatizado, a cidade se torna cada vez mais segregada. Divisões baseadas em religião, etnia, gênero ou situação econômica fazem com que as pessoas não se conheçam entre si, resultando em polarização e tensões sociais, limitando, por consequência, as oportunidades econômicas”.
Ao contrário, “espaços públicos bem cuidados ajudam a reduzir a violência, oferecendo oportunidades para atividades econômicas formais e informais, atividades culturais e sociais que contribuem para a confiança e segurança mútuas”.
Se já era importante ter bons espaços públicos antes da pandemia, hoje, isso virou essencial. No momento em que a Covid-19 ceifa vidas, e que lugares fechados e aglomerações implicam em risco, as áreas públicas, como praças e parques, devem assumir um papel primordial em promover saúde e garantir imunidade.
Várias pesquisas mostram que frequentar áreas verdes e viver próximo a elas tem efeitos positivos em nossa saúde cardiovascular, mental, respiratória e até gestacional. O contato com o verde reduz o estresse, diminuindo a pressão sanguínea e os níveis de cortisol. Permite tomar sol, ajudando a produzir vitamina D, que ajuda o sistema imunológico.
Quem mora perto de áreas verdes tende a praticar mais atividade física e tem menor chance de ser obeso. Para as crianças, a presença de áreas verdes significa, ainda, melhora da asma e melhor função cognitiva. Morar perto de áreas verdes diminui níveis de depressão e ansiedade, aliviando o estresse e causando restauração mental.
Estudo realizado em São Paulo também mostrou que morar perto de parques e ter árvores na rua, diminui a prevalência de hipertensão arterial em até 7%.
Áreas verdes urbanas e a recuperação da economia
É importante frisar que não só a quantidade, mas a qualidade das áreas verdes urbanas influencia diretamente os parâmetros de saúde. De pouco adianta uma área verde suja, abandonada, que não possa acolher as pessoas.
Torna-se urgente, portanto, não apenas qualificar, conservar e recuperar as áreas verdes disponíveis, como ampliá-las, principalmente nas regiões menos favorecidas da cidade, intensificando, ainda, a arborização urbana.
Espaços públicos bem desenhados e administrados são um ativo fundamental, com impacto positivo inclusive na economia. Estudo realizado em Nova York calculou ovalor de cinco milhões de árvores da cidade, considerando valores imobiliários, quantidade de dióxido de carbono que elas eliminam do ar e quantidade de energia que sua sombra conserva. Mesmo sem incluir no cálculo gastos com saúde pública decorrentes da poluição, o estudo mostrou que, a cada dólar investido em árvores, os benefícios para os residentes resultavam em US$ 5,60.
Neste momento em que é necessário recuperar a economia, praças e parques podem ser suportes para realizar feiras em que produtores locais ofereçam seus produtos. Podem abrigar hortas comunitárias, mantidas com a contratação de mão-de-obra local, que gerem alimento para quem precisa. Sua zeladoria pode ativar programas para trabalhadores desempregados, que, com treinamento, ajudem a realizar a higienização e manutenção necessárias para usufruto de todos.
A ONU, em seus Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, incluiu o de número 11: “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”.
Uma das metas estabelecidas é, até 2030, “proporcionar o acesso universal a espaços públicos seguros, inclusivos, acessíveis e verdes, particularmente para as mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência“.
Está na hora de nos empenharmos para cumprir essa meta!
Praças e a COVID-19: recomendações para um uso seguro
No contexto da pandemia, as praças representam locais relativamente seguros, onde se pode caminhar, tomar sol, levar as crianças, se exercitar e falar com vizinhos mantendo a distância. Tanto que a procura durante o período de confinamento, e na reabertura gradual, tem sido grande.
Algumas, como a Praça do Pôr do Sol, na zona oeste de São Paulo, por exemplo, precisaram ser fechadas para impedir aglomerações. São Paulo tem cerca de 5 mil praças, de diversos tamanhos, vocações e tipologias – quase todas com problemas crônicos de zeladoria por parte das subprefeituras e concessionárias de limpeza.
O Movimento Boa Praça vem trabalhando, desde 2008, para mobilizar cidadãos, poder público, instituições e empresas para ocupar, revitalizar e criar melhores praças na cidade.
Cuidar de uma praça proporciona uma sensação de pertencimento e aproxima os vizinhos, num laço social que ajuda a restaurar o equilíbrio psicológico e emocional. Enquanto regras foram estabelecidas para a reabertura dos parques, o governo se absteve de comentar sobre o uso das praças, cuja gestão depende de cada subprefeitura.
Neste momento, é vital que pensemos: como podemos melhorar nossas praças? Como cuidar delas colaborativamente? Como criar mais espaços verdes onde se faz necessário? Como garantir sua manutenção e higienização? Como regular um uso adequado?
Gostaríamos de colaborar com algumas sugestões para gestores e para a população em geral, visando um uso seguro e saudável. A seguir, as recomendações estão divididas: para gestores e para cidadãos.
Para gestores
– Instalação de lixeiras, recolhimento e varrição do lixo gerado no interior das praças pelas empresas licitadas para realizar a limpeza da cidade, algo que hoje, não ocorre;
– Limpeza diária de bancos, parques infantis e outros equipamentos; – Instalação de sinalização que oriente o uso adequado do local;
– Incentivo ao programa de Zeladoria, que permite que pessoas desempregadas recebam treinamento e um salário para cuidar de espaços públicos, melhorando a manutenção e limpeza das praças;
– Incentivo à zeladoria participativa e à criação de hortas urbanas, segundo a lei 16212/2015
Para cidadãos
– Se a praça estiver lotada, não fique, procure outra;
– Utilize máscara durante todo o tempo;
– Higienize as mãos com álcool em gel após tocar em superfícies;
– Não realize atividades que você nunca tenha experimentado antes com segurança, para não correr riscos desnecessários;
– Troque de roupa e lave bem as mãos ao voltar para casa;
– Recolha o lixo que produzir e coloque nas lixeiras ou, na falta delas, leve-o para descartar corretamente;
– Ajude a evitar aglomerações em brinquedos ou no parquinho, mantendo distância entre as crianças e, se possível higienize as superfícies que serão tocadas com álcool.
Fotos: Reprodução/Movimento Boa Praça